Durante muito tempo, os jovens viam na bebida um símbolo de liberdade — uma espécie de rito de passagem para a vida adulta. Eles usavam o álcool para socializar e celebrar. Não mais. Nascida entre meados dos anos 1995 e o início da década de 2010, a geração Z bebe cada vez menos.

Dois em cada dez brasileiros entre 18 e 24 anos consomem álcool, no máximo, uma vez por mês, revela levantamento realizado pela ONG Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). Deles, quase metade não bebe nunca. É assim no mundo inteiro.

Conforme mais e mais zoomers chegam à maioridade, o número de abstêmios cresce. Basta ver o sucesso das “coffee parties”, as baladas realizadas durante o dia e regadas a café.

Uma conjunção de fatores explica o novo comportamento. Há, claro, a questão da saúde, da preocupação com o meio ambiente e até dos remédios para emagrecer da classe do Ozempic, que inibem o gosto pelo álcool. Mas a geração mais exposta de todos os tempos tem muito medo de "fazer feio" nadas redes sociais.

Para Luckas Reis, head de psicologia da Vittude, startup de saúde mental, também é importante lembrar que as novas gerações saem menos e frequentam poucos eventos sociais, o que impacta nesses dados, já que essas ocasiões costumam incentivar o consumo de bebidas. "Eu acredito que a questão passa menos por uma perspectiva de bem-estar e mais por essa queda nas interações, algo realmente social que vem se alterando ao longo dos últimos anos"

Tudo isso junto dá origem a um movimento tão poderoso que começa a chamar a atenção da indústria de bebidas alcóolicas. Segundo dados da consultoria Euromonitor, o consumo no Brasil de cerveja zero álcool saltou de 133 milhões de litros em 2018 para 752 milhões em 2024. Até o fim de 2025, essa quantidade pode chegar perto dos 1 bilhão de litros consumidos em um ano.

Nos balanços financeiros das grandes marcas do setor, também é possível sentir essa diferença. A Ambev reportou que o segmento zero álcool, representado pelas cervejas Corona Cero e Budweiser Zero, cresceu 20% em 2024 em relação ao ano anterior. Sozinha, a opção da Corona teve um avanço de 125% na receita nos 12 meses. Em uma base de comparação, o setor de cerveja tradicional avançou 0,6% no período.

A Heineken, líder do segmento de cervejas sem álcool, registrou um crescimento de 10% no volume de vendas de seu rótulo 0.0 em 2024. Lançado em 2017 na Holanda, casa da marca, o produto já é comercializado em 117 países e ultrapassou o avanço anual de 8,8% registrado em 2024 para as cervejas tradicionais.

As cervejas sem álcool, porém, não são uma novidade. Em 1986, a marca alemã Paulaner lançou uma versão em 1986, feita à base de trigo, que, apesar de não ganhar muito destaque, inaugurou o segmento no mundo. Na América Latina, a pioneira foi a Brahma Liber, apresentada em 2004 ao mercado nacional.

Na visão Rodrigo Sawamura, terceiro melhor sommelier de cervejas do mundo e gerente de cultura cervejeira da Estrella Galicia, o mercado de cervejas sem álcool é uma tendência que veio para ficar e só deve se expandir nos próximos anos.

“Um exemplo disso é que não só as grandes marcas, mas as cervejarias artesanais têm apostado nesse segmento”, afirma Sawamura. “Em concursos de cervejas nacionais e internacionais, estamos vivenciando um aumento na quantidade de inscritos na categoria de cervejas sem álcool, bem como o surgimento de novas categorias e estilos de cervejas.”

A Heineken registrou um crescimento de 10% nas vendas de sua cerveja sem álcool em 2024

A indústria do vinho, terceira bebida mais consumida no Brasil, também está tomando suas providências para não sofrer com uma redução no mercado causada por esses jovens. Os métodos, porém, são bastante distintos.

“Embora o impacto direto nos volumes de vendas ainda seja moderado, entendemos que essa mudança comportamental, especialmente entre consumidores da geração Z, é uma tendência sólida e, por isso, estamos nos antecipando com novas propostas de produtos e experiências”, afirma Adriano Miolo, diretor superintendente da Miolo Wine Group, ao NeoFeed.

Apesar de não contar com nenhum produto sem álcool, a Miolo buscou outras abordagens para chamar a atenção dos jovens. Uma delas foi focar em uma linha completa de produtos com menor intervenção possível, a Miolo Wolf. Nela, os vinhos passam por escolhas na vinificação, como o uso de leveduras nativas, baixa utilização de sulfitos, fermentação espontânea e rejeição a correções enológicas intensas.  Segundo o executivo, isso é uma característica importante para as gerações novas.

Além disso, a companhia gaúcha tem rótulos de frisantes e moscatel que contam com teor alcoólico reduzido, que variam entre 7% e 12%, e podem se adequar às novas maneiras de consumo de bebidas. “Acreditamos que conquistar o público jovem passa por três pilares: inovação, sustentabilidade e experiências autênticas”, diz Miolo.

Para Alexandre Magno, CEO do Grupo Wine, maior importadora de vinhos do Brasil, a melhor estratégia para conquistar os jovens não é mudar o vinho, mas sim, reforçar o que ele já representa. “O mundo está claramente saindo do ‘beba mais’ e indo para o ‘beba melhor’ e o vinho já carrega esse DNA de moderação, experiência e prazer com contexto”, afirma o executivo, ao NeoFeed.

Magno reforça ainda que o momento pode ser até uma oportunidade para o setor, já que a perda da força no consumo descompromissado e impulsivo joga a favor do vinho, que tem premissa contrária. “Em vez de competir com o exagero, o vinho oferece um outro caminho: mais maduro, mais equilibrado. E isso tem tudo a ver com o que essa geração está buscando”, complementa o executivo.

No mercado de destilados, a situação não é muito diferente. O crescimento da procura por mocktails, ou seja, drinks sem álcool, só cresceu nos últimos anos. Em 2024, uma pesquisa realizada pela Datassential, plataforma de pesquisa norte-americana focada em alimentação e bebidas, mostrou que a presença dessas bebidas não alcoólicas nos cardápios dos restaurantes aumentou em 223%.

Paula Lindenberg, CEO da Diageo Brasil, maior empresa de destilados do mundo, afirmou no programa de entrevistas É Negócio, parceria do NeoFeed com a CNN, que foi notada pela companhia a mudança no comportamento dos jovens, que hoje procuram até por bebidas reduzidas em calorias, junto com a menor ingestão de álcool.

Em sua visão, a saída para contornar a situação é ouvir o cliente e investir em alternativas para todos os gostos. "Nosso papel é desenvolver marcas e alternativas com as quais você possa tornar todas as ocasiões mais adequadas e significativas", disse a executiva.

Pensando nisso, a Diageo adotou versões de bebidas sem álcool e tem apostado nesse segmento. Um dos exemplos é o Tanqueray, famosa marca de gin, que já está produzindo a bebida 0.0% nos Estados Unidos e na Europa.

Movimento global

Assim como no Brasil, diversos outros países do mundo passam pelo mesmo dilema. Nos Estados Unidos, uma pesquisa da Gallup realizada entre 2021 e 2023 mostrou que 38% dos entrevistados entre 18 e 34 anos não consumiam bebidas, o que representa aumento de 10 pontos percentuais (p.p.) em relação aos resultados de dez anos antes.

A agência de inteligência Mintel, do Reino Unido, realizou um levantamento em 2024 que mostrou que consumidores britânicos, que estavam na faixa dos 20 e 24 anos, tinham quase 50% menos chance de priorizar gastos com bebidas alcoólicas do que os entrevistados de 75 anos ou mais.

Para Gino Colangelo, presidente da agência americana Colangelo & Partners e cofundador da Come Together, comunidade de vinho criada em 2024, a indústria precisa repensar seus métodos para atingir novos públicos.

“As empresas de vinho ao redor do mundo precisam considerar com mais cuidado o preço de seus produtos”, diz ele, em entrevista ao NeoFeed. “Também acredito que as vinícolas precisam estar presentes nos mercados e precisam se comunicar de forma consistente com todos os públicos — tanto o comercial quanto o consumidor final”.

Em sua visão, não há uma maneira correta de atingir os consumidores e evitar o recuo no consumo, mas, se for possível reduzir os danos, o vinho será responsável por isso.

“Acredito que comunicar os atributos únicos do vinho — sociais, históricos, culturais e culinários — é fundamental para engajar os consumidores mais jovens. A geração Z busca autenticidade, histórias e conexão com a terra. O vinho pode oferecer tudo isso melhor do que qualquer outra bebida”, complementa Colangelo.

Sawamura, da Estrella Galicia, também diz acreditar que o futuro das bebidas alcoólicas, no geral, está fortemente ligado à saúde, à diversidade de consumo e ao propósito das marcas. E ele completa: “A tendência é que todas as categorias se adaptem, seja oferecendo versões sem álcool, seja apostando em produtos de maior valor agregado, que entreguem sabor, origem e autenticidade”.