A vocação de Bordeaux para os vinhos é resultado de uma feliz combinação de fatores. Alguns naturais, outros antrópicos. A geografia, o clima e a formação geológica do solo naquela porção do sudoeste francês oferecem condições únicas para a produção de bebidas com características tão particulares quanto diversas.
Nada disso, porém, importaria não fosse a tradição e o pendor para inovação de seus viticultores e enólogos. Com cerca de 6 mil châteaux, Bordeaux é a região vinícola mais influente do mundo.
Não à toa a Wine, a maior importadora de vinhos do Brasil, escolheu Bordeaux para ampliar seu portfólio de rótulos de alto padrão. E, para ajudá-la nessa missão, a companhia convocou o francês Pierre Philipponnat, especialista em vinhos premium de Bordeaux do grupo Les Grands Chais de France (LGCF), líder global na exportação de vinhos franceses.
Nos últimos três anos, ele degustou aproximadamente 200 vinhos para chegar aos onze que agora passam a ser oferecidos nas lojas físicas da Wine.
A primeira leva, com 8,5 mil garrafas, começa a ser comercializada em maio e inclui os seguintes rótulos: Les Roches de Yon Figeac 2019; La Bienfaisance de Château Sanctus 2018; Château Tour de Perrigal 2022, Château Grand Puch 2022; Château du Cartillon 2021; Château Croix Mouton 2018; Confidences de Prieuré Lichine 2021; Relais de La Dominique 2016; Château de Pez 2018; Ballade de La Pointe 2021 e Les Hauts du Tertre 2013.
“Na LGCF, nós já temos uma seleção de châteaux aprovados em Bordeaux e até alguns próprios, mas, para a seleção brasileira, nós decidimos ir além e contatar também os pequenos produtores”, conta Philipponnat, em conversa com o NeoFeed.
Assim, rótulos mais tradicionais, como Château Croix Mouton, Relais de La Dominique e Les Hauts du Tertre vão dividir a adega da Wine com outros menos conhecidos, como La Bienfaisance de Château Sanctus, Château Tour de Perrigal e Château du Cartillon.
Philipponnat conta que, na escolha dos produtos para o Brasil, ele pôde “ousar”. E isso porque nossos consumidores são mais abertos às novidades, sem preconceito de terroir, casta de uva ou vinícola.
Nos últimos anos, a curiosidade (e o gosto) dos brasileiros por vinho é cada vez maior, explica Laura Barros, diretora de marketing e governança da Wine, ao NeoFeed.
Seguindo um movimento global, por aqui, também cresce a preocupação sobre os modos de produção e história por trás de cada taça. “Com os produtos provenientes de Bordeaux é muito simples traçar esse caminho”, diz a executiva.
O cultivo de uvas na região é antiquíssimo — remonta à presença romana na França. No século 18, Bordeaux já exportava seus vinhos para o mundo, sobretudo para a Inglaterra. Por causa do intenso comércio internacional, as vinícolas bordalesas estão entre as primeiras a fazer a relação entre os locais onde as castas de uva são plantadas e seus sabores específicos.
“Hoje você entra no Google Earth e encontra a vinícola produtora do vinho que está na sua mesa e entende porque ela tem determinadas características”, diz Philipponnat.
Em 1855, para a Exposição Universal de Paris, a bebida de Bordeaux passou a ser classificada por sua qualidade. A mando de Napoleão III, as barricas sem identificação foram substituídas por garrafas arrolhadas e rotuladas. Ou seja, história e controle de procedência não faltam aos vinhos da região.
Antes da chegada de Philipponnat, a Wine já dispunha de 12 rótulos de Bordeaux. Os vinhos mais caros da companhia, inclusive, são de lá. O Château Ausone 2012, por exemplo, custa R$ 27 mil, a garrafa.
Mas qualidade e sofisticação nem sempre se definem apenas por preços altos. Como explica Philipponnat, a nova seleção não tem a intenção de ser inatingível.
“O vinho deve ser um suporte para conectar as pessoas, motivar conversas, compartilhar refeições, discussões, dividir mesas… se não for assim, sem medo e frescura, ele perde o seu valor”, afirma o especialista. “A ideia não é ser esnobe e, sim, aproveitar e descobrir novos sabores”.
Os rótulos sugeridos por ele para a Wine variam entre R$ 80 e R$ 600.
Uma história de milhões de anos
Para entender por que Bordeaux é tão especial é preciso conhecer a geografia e a geologia do lugar. Os châteaux se distribuem ao redor dos rios Garonne, à direita, e Dordogne, à esquerda. Com suas nascentes nos Pirineus, eles correm quase em paralelo até se encontrarem no estuário de Gironde, que se abre para o Atlântico e banha a região.
A proximidade com o oceano resulta em verões amenos e invernos frios, com altos índices de precipitação e umidade. A corrente do Golfo, de água quente, por exemplo, prolonga a temporada de crescimento das uvas.
Mas está na formação geológica do solo de Bordeaux as grandes benesses para vinicultura. Milhões de anos atrás, nos períodos de congelamento e aquecimento do planeta, grandes massas de gelo derretido desciam pelos rios carregando toda sorte de sedimentos — cascalho, argila e calcário, entre outros.
“Se você andar um quilômetro para a esquerda, verá um tipo de pedras no chão. Se for na direção contrária, o terreno é completamente diferente… e essa é a graça de Bordeaux”, afirma Philipponnat. “Se você colocar uma uva Merlot no topo da montanha e outra na base, os vinhos não terão os mesmos sabores. Isso cria uma variedade gigante, que atende todos os gostos.”
Essas características dividiram a região em três grandes sub-regiões, formadas por microrregiões.
A mais relevante delas, a Médoc, conta com solo rico em nutrientes e minerais, e produz vinhos com toques de frutas vermelhas maduras, notas herbáceas e de especiarias, como o Château La Tour-Carnet.
Já Graves e Sauternes, com sua terra de cascalho, resultam em bebidas com toques de cacau, tabaco e cassis ao olfato, como o Château Ferrande Graves Bordeaux. Sauternes é conhecido por suas bebidas mais leves e refrescantes, com notas de mel e frutas amarelas, como visto no vinho branco Château d'Yquem.
Com tanta diversidade, o ecossistema do lugar permite o cultivo de uma grande variedade de uvas.
Merlot, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Petit Verdot….“O que podemos garantir é que, em Bordeaux, é possível achar produtos autênticos em todas as regiões e sub-regiões”, garante Philipponnat. “Com certeza haverá um vinho que atenda ao gosto do consumidor, independentemente de quem seja.”