A França mergulhou de vez no maior impasse político e econômico dos últimos 60 anos, com uma manobra desesperada do primeiro-ministro Michel Barnier, que invocou nesta segunda-feira, 2 de dezembro, um artigo da Constituição francesa que permite passar o projeto de Orçamento do ano seguinte sem a necessidade de aprovação da Assembleia Nacional.

Barnier decidiu assumir o risco de ser alvo de uma moção de censura e perder o posto – o que efetivamente deverá ocorrer na próxima quarta-feira, 4 de dezembro – pois sabia que sua proposta de Orçamento para 2025, com € 60 bilhões em cortes de despesas e aumento de impostos para reduzir o déficit, tinha pouquíssimas chances de ser aprovada.

Chefe de um governo recém-instalado há dois meses e sem maioria parlamentar, Barnier recorreu à manobra radical para forçar a dividida Assembleia Nacional a buscar uma solução de consenso para a crise fiscal francesa.

Deu tudo errado e agora o país mergulha no "cenário grego", numa referência à crise política, econômica e financeira vivida pela Grécia na década passada.

A Reunião Nacional, partido de extrema-direita com maior número de cadeiras (embora sem maioria para governar), comandado por Marine Le Pen, já avisou que vai tentar derrubar Barnier. Se isso ocorrer, seria o mais curto governo francês desde 1962.

O mercado financeiro, antevendo o fracasso da aposta, reagiu da pior forma possível nesta segunda-feira, com o euro recuando 0,9% ante a cotação do dólar. O índice CAC 40, o mercado de ações de referência da França, caiu 0,5% - com desempenho inferior a outros mercados da zona do euro -, enquanto os títulos do Tesouro francês de dez anos subiram para 2,89%.

A França está em piores dificuldades fiscais do que Grécia, Espanha e Itália, com um déficit do Orçamento que saltou para 6,1 % do Produto Interno Bruto (PIB) este ano, ante 5,5% do PIB no ano passado, muito longe do limite de gastos do governo estabelecido pela União Europeia, de 3% do PIB.

A dívida pública explodiu para € 3,2 trilhões, ou mais de 112% do PIB do país. Só em juros da dívida, a conta agora é de pelo menos € 60 bilhões por ano - maior do que o orçamento de Defesa da França para 2024.

Antes de invocar o artigo 49.3 da Constituição para aprovar sem votação o Orçamento, Barnier tentou atrair apoio do partido de Le Pen com uma série de concessões. No entanto, Le Pen deixou claro que esses movimentos eram insuficientes e reiterou sua demanda pela indexação total das pensões à inflação, algo que só aumentaria o déficit do Orçamento.

"O governo provavelmente enfrentará vários votos de confiança entre 4 e 20 de dezembro", escreveu Alexandre Stott, economista do Goldman Sachs, em uma nota de fim de semana. Ele alertou ainda que as perspectivas fiscais de médio prazo da França continuam "desafiadoras", com uma correção significativa de curso improvável até as próximas eleições presidenciais em 2027.

O Goldman Sachs rebaixou sua previsão de crescimento do PIB para a França em 2025 para 0,7%, abaixo do consenso de 0,9% e muito abaixo da projeção do governo de 1,1%. Também causa preocupação o aumento do desemprego, que agora está em 7,4%.

Impasse político

Na semana passada, a porta-voz do governo francês, Maud Bregeon, disse que a França estava enfrentando um possível "cenário grego", uma referência ao tumulto financeiro que tomou conta da Grécia durante a crise da dívida da Europa há uma década.

Embora a situação cause preocupações, o país que tem a segunda maior economia da União Europeia tem condições de conter no médio prazo os danos do atual desequilíbrio fiscal. O drama maior é o impasse político que vive o país, com ameaça de piorar - e muito – o quadro econômico.

Se Barnier sobreviver ao eventual voto de desconfiança, por exemplo, sairia politicamente enfraquecido, com as concessões já feitas aumentando o déficit projetado para o Orçamento (de 5% do PIB para 5,5% do PIB) e corroendo ainda mais a confiança em seu governo.

Por outro lado, sem aprovação do Orçamento, o governo não terá autoridade para aumentar os impostos a partir de 1º de janeiro, limitando sua capacidade de manter suas operações funcionando.

Neste cenário, como as empresas não sabem quantos impostos terão que pagar em 2025, o caminho mais provável é o adiamento de investimentos e contratações até que haja mais clareza – roteiro seguido por países rumando à recessão.

As opções políticas são todas ruins. O presidente Emmanuel Macron pode formar um governo tecnocrático na esperança de que possa durar até junho próximo, quando teria permissão legal para convocar novas eleições.

O risco é que qualquer novo primeiro-ministro nomeado por Macron enfrentaria a mesma Legislatura dividida, potencialmente jogando a nova negociação orçamentária de volta ao looping marcado pela ausência de maioria.

Macron também teria a opção de considerar a renúncia à presidência como forma de pôr fim ao impasse político – uma decisão radical que não ajudaria a resolver a crise fiscal.

"Não há um plano político B claro", advertiu Bruno Cavalier, economista-chefe da Oddo Securities. "Estamos fazendo perguntas que nem deveriam estar na mesa."