Localizada no número 505 da elegante Park Avenue, a apenas duas quadras do Central Park, a Sherry-Lehmann Wine & Spirits reinou absoluta por 89 anos como a loja de vinhos mais sofisticada de Nova York. Em 2023, porém, o negócio ruiu envolto por dívidas milionárias e todo tipo de acusação de fraude.

Uma das denúncias referia-se ao sumiço de rótulos, de propriedade de antigos clientes e estocados pela empresa, nas adegas da Wine Caves, cujas portas também fecharam dois anos atrás. Mas não é que recentemente algumas dessas garrafas reapareceram, ofertadas no mercado por um antiquário nova-iorquino?

Os vinhos, porém, surgiram de maneira ainda mais bizarra do que o imbróglio que marcou a derrocada da Sherry-Lehmann, como define reportagem do jornal The New York Post. O estoque de bebida, junto com algumas “recordações” da loja de vinhos, teria sido adquirido por Lee Rosenbloom, autointitulado Lee, the Appraiser, dono do APR57.

Os rótulos à venda incluíam um Grand Cru Bienvenues Batard-Montrachet 2001, por quase US$ 5 mil. O único problema é que a garrafa do famoso vinho branco da região de Bourgogne estava vazia. O mesmíssimo rótulo custa em média pouco mais de US$ 1 mil, segundo a plataforma Wine Searcher — a garrafa cheia e lacrada, frise-se.

Tem mais. Um Chateau Bel Air Bordeaux 2019, supostamente da Sherry-Lehmann, era oferecido por US$ 695, quando seu preço de mercado hoje é de US$ 16. Já uma garrafa de Lacroix Barton Bordeaux 2018, “60% cheia”, foi apresentada por US$ 495 — US$ 484 a mais do que seu valor atual.

As sandices não se limitavam aos vinhos. A plataforma do APR57 listava um capacete de construção de Shyda Gilmer, o último dono da Sherry-Lehmann, por inacreditáveis US$ 7,9 mil.

E, por US$ 295, uma caixa verde, velha (e vazia), que um dia guardou uma garrafa de Dom Pérignon. Se alguém abriu a carteira por um dos itens, não se tem notícia.

Hoje, o site do antiquário não exibe nada, além da informação “Opening soon”. E a busca na internet pelo telefone da loja indica que ela está “temporariamente fechada”.

Não bastasse tudo isso, Lee, the Appraiser foi preso em 2002, acusado de vender um relógio FP Journe roubado. A peça da alta relojoaria suíça estava avaliada em US$ 30 mil. Rosenbloon  também já havia sido denunciado por não devolver joias que lhe haviam sido entregues em consignação.

O mistério em torno das garrafas da Sherry-Lehmann é apenas mais um lance melancólico (e estranhíssimo) na história da marca que se tornou referência em vinhos franceses em Nova York, com destaque para os rótulos de Bordeaux, Bourgogne e Champagne. A empresa, por exemplo, foi a responsável por apresentar o champanhe Dom Pérignon aos americanos, em 1947.

Ao longo de sua trajetória, a loja no coração de Manhattan foi frequentada por algumas das figuras mais influentes das artes, da política e dos negócios globais. Greta Garbo, Mick Jagger, Henry Kissinger, Frank Sinatra, Aristóteles Onassis, Alfred Hitchcock, Francis Ford Coppola, Marilyn Monroe, as famílias Kennedy, Rockefeller e Getty… em 1978, de passagem pela loja, Andy Warhol autografou algumas garrafas do Château Mouton Rothschild 1975, que acabara de chegar da França.

De contrabandistas a empresários

A Sherry-Lehmann foi fundada em 1934, um ano depois da revogação da Lei Seca, por dois lendários contrabandistas de bebidas, os irmãos Jack e Sam Aaron. Em pouco tempo, a pequena loja chamou a atenção de Frank Schoonmaker, um famoso importador de vinhos que convenceu os Aaron a buscar exclusividade das vinícolas francesas.

Foi essa virada de chave que transformou o negócio na tão conhecida Sherry-Lehmann. Com o passar dos anos, o negócio passou a ser tocado com o mesmo sucesso pelo filho de um dos fundadores, Michael Aaron.

Cliente da Sherry-Lehmann, em 1978, o artista Andy Warhol estava de passagem pela loja, quando assinou algumas garrafas de Château Mouton Rothschild 1975 (Foto: Reprodução Internet)

A loja foi fundada um ano depois do fim da Lei seca (Foto: Instagram)

A influência da Sherry-Lehmann podia ser medida pelo logo da marca estampada nas caixas de vinho (Foto: Instagram)

Em 1947, a Sherry-Lehmann apresentou o champanhe Dom Pérignon aos americanos (Foto: Instagram)

Desde seus primórdios, a loja dispunha de veículo para entregas (Foto: Instagram)

No início dos anos 2000, porém, a empresa passou a ser administrada pelos empresários Shyda Gilmer e Kris Green. E, ao que tudo indica, foi aí que o negócio começou a degringolar. Até 2023, quando as denúncias contra a loja explodiram.

Primeiro, foi revogada a licença de venda de bebidas alcoólicas por falta de pagamento de impostos. A empresa devia US$ 2,8 milhões ao Estado de Nova York.

Como nada é tão ruim que não pode piorar, o jornal americano The New York Times (NYT) divulgou, pouco tempo depois, que Sherry-Lehmann havia deixado de entregar mais de US$ 1 milhão em vinhos a clientes que pagaram antecipadamente pela bebida. Na ocasião, o FBI foi chamado para revistar a loja e confiscar parte dos itens encontrados por lá.

A notícia assustou os clientes que ainda se mantinham fiéis à marca e usavam o serviço de armazenamento de vinhos da Sherry-Lehmann. Grande parcela deles correu para recuperar suas garrafas, mas poucos obtiveram sucesso. Mais tarde, ex-funcionários revelaram ao NYT: muitos desses rótulos haviam sido vendidos (novamente) para outros compradores.

Foi um escândalo. Tanto que um executivo da Sotheby’s chegou a alertar um de seus clientes sobre o risco que suas garrafas corriam se continuassem estocadas na Sherry-Lehmann.

“É de partir o coração ver uma empresa maravilhosa onde passei 50 anos simplesmente desmoronando”, afirmou Michael Aaron, filho de um dos fundadores, ao jornal americano.

Peter Ambrosino, funcionário da Sherry-Lehmann por 15 anos, também contou sobre experiências semelhantes às relatadas pelos ex-colegas: “Cansei de ver pessoas boas sendo enganadas. Uma grande instituição foi jogada no lixo”.

Agora, o reaparecimento de antigas garrafas da loja é a metáfora perfeita para o que foi a história da Sherry-Lehmann. Antes muito sofisticada e influente; hoje apenas a promessa vazia de uma era de ouro que não volta mais.