A reação do mercado financeiro na segunda-feira, 8 de julho, à guinada ocorrida na França após o segundo turno da eleição parlamentar de domingo, 7, dá uma ideia do impasse político e econômico que mergulhou o país no médio prazo.
Os mercados financeiros francês e europeu iniciaram o pregão num cenário de relativa estabilidade, ignorando o tsunami o ocorrido na véspera – quando a França consolidou a maior reviravolta política numa eleição parlamentar de sua história recente, com o voto útil combinado por partidos de centro e da esquerda conseguindo reverter no segundo turno a provável vitória da ultradireita nas urnas.
O índice CAC40 da Bolsa de Paris oscilou entre baixas e altas em torno 0,5% ao longo da manhã de segunda, embora o índice de referência ainda esteja em queda de cerca de 4% desde que as eleições foram convocadas, em 9 de junho. O euro também se manteve estável em relação ao dólar e à libra esterlina.
A reação opaca do mercado financeiro expôs a conclusão preocupante da eleição parlamentar da França: o provável impasse político na nova configuração da Assembleia Nacional, dividida em três blocos antagônicos, nenhum deles com maioria para governar sozinho, é a solução menos ruim que um eventual governo de extrema-esquerda ou da ultradireita, que prometiam aumentar os gastos públicos de um país às voltas com déficit fiscal de 5% e dívida pública de 110% do Produto Interno Bruto (PIB).
“É surreal: a França enfrenta uma situação financeiramente difícil e, ainda assim, todos os partidos, incluindo o de Macron, tentaram atrair eleitores prometendo esbanjar dinheiro com eles”, disse o economista Philippe Crevel, chefe do think-tank Cercle de L'Epargne, com sede em Paris, citado pela imprensa francesa. “Os políticos têm feito isto durante os últimos 40 anos, mas agora estamos à beira do precipício.”
O voto útil do domingo não só impediu a vitória da Reunião Nacional (RN), partido de ultradireita liderado por Marine Le Pen que havia saído na frente na disputa do primeiro turno da Assembleia Nacional, como a jogou para o terceiro lugar, virando do avesso a configuração da política francesa.
A Nova Frente Popular (NFP), bloco de esquerda comandado pelo partido extremista França Insubmissa, obteve 182 cadeiras – distante da maioria necessária de 289 cadeiras, das 577 cadeiras em disputa, para governar sozinho.
A aliança centrista liderada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que havia sido humilhada pela RM no primeiro turno, chegou em segundo lugar, com 163 cadeiras, mas perdeu um terço de sua representação parlamentar. A legenda de Marine Le Pen, a grande derrotada da eleição, assegurou 143 cadeiras.
Governo sem maioria
O novo quadro político sem maioria na Assembleia Nacional reforça a possibilidade de formação de um gabinete tecnocrata - liderado por um funcionário público de alto nível ou por uma figura apartidária -, para governar o país.
O próprio Macron pode ter imaginado essa saída ao decidir convocar eleições antecipadas, após a vitória esmagadora da ultradireita nas eleições parlamentares europeias no início de junho. Seu primeiro movimento após o resultado, na segunda, 8, foi rejeitar a renúncia do primeiro-ministro Gabriel Attal e pedir para que ele continue no cargo até a formação de um novo governo, de preferência, neutro.
No entanto, essa opção - aparentemente preferida pelo mercado financeiro diante do risco de a França ser governada pela extrema-esquerda ou ultradireita - embute riscos. A primeira tarefa de um gabinete sem maioria parlamentar seria aprovar o Orçamento 2024-2025 até dezembro. Mas esse provável governo tecnocrata seria vulnerável a votos de desconfiança dos blocos extremistas.
Se cair, o impasse político deverá perdurar pelo menos até junho de 2025, prazo mínimo para Macron convocar nova eleição, o que seria imprevisível para a uma economia com indicadores sob pressão.
Ainda assim, o mercado financeiro preferiu apostar na incerteza política de um governo sem maioria do que na aventura das agendas expansionistas dos dois blocos extremistas.
Na semana passada, depois que a Reunião Nacional saiu na frente no primeiro turno para obter maioria, o temor de boa parte do sistema político francês era de que agenda radical da ultradireita enfraquecesse a posição da França na União Europeia.
Além de prometer ampliar controles sistemáticos de imigração, o que iria contra as regras do espaço Schengen sem fronteiras do bloco europeu, o partido Le Pen planejava sair do mercado eléctrico da UE, reduzir a contribuição da França para o orçamento do bloco e, o que causou arrepios entre os economistas, impulsionar os gastos e os empréstimos do governo.
A bem-sucedida articulação entre partidos de centro e à esquerda do espectro político para evitar a vitória da ultradireita, porém, tornou viável a vitória da extrema-esquerda no segundo turno, com uma agenda econômica ainda mais assustadora.
Liderada por Jean-Luc Mélenchon, líder radical do partido França Insubmissa – o mais votado na aliança contra o grupo de Le Pen -, a extrema-esquerda prometia revogar a reforma previdenciária de Macron, implementar um aumento salarial de 10% para os funcionários públicos, ampliar os subsídios à habitação em 10% e contratar mais professores e profissionais de saúde.
Essas medidas, que seriam bancadas por impostos maiores para os ricos, significariam um aumento progressivo da despesa pública em 150 bilhões de euros - o que levaria a economia francesa à insolvência.
Entre o ruim, o péssimo e o incerto, o mercado financeiro aposta no incerto. Em abril, a agência Fitch baixou a classificação da França, citando o risco de uma elevada dívida pública e a oposição à agenda de reformas do presidente Macron.
A União Europeia, por sua vez, abriu recentemente um procedimento de déficit excessivo contra a França, uma vez que o Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE só permite uma dívida pública de 60% do PIB e um déficit orçamental de 3%.
Dentro desse quadro, a guinada política no segundo turno, que quase levou a extrema-esquerda a obter maioria, assustou os mercados francês e europeu.
“O mundo financeiro está mais alarmado com a oposição demonstrada pela extrema-esquerda às regras da UE do que com os planos da ultradireita de, por exemplo, reduzir o IVA sobre a eletricidade, o gás e os combustíveis dos atuais 20% para 5,5%, o que teria apenas exigido uma negociação com a UE”, disse Christopher Dembik, consultor de investimentos da Pictet Asset Management France, citado pela imprensa francesa.