O quarto trimestre bate à porta e não há dúvida de que 2024 será um ano superlativo. A economia deverá crescer mais de 3%, a inflação mais de 4%, a receita da União já avança quase 9% acima da inflação e a despesa 9,5%. Os dados são parciais, mas a direção é inequívoca – sobretudo para os gastos.

Persiste o mau humor quanto à disposição do governo em estabilizar a dívida pública. Entretanto, com o uso da margem de tolerância para o déficit primário previsto no arcabouço fiscal, o risco de mudança da meta sai do radar. Por ora.

Esse risco estará presente em 2025. Mas o governo ganha tempo para ampliar fontes de receita, enquanto o Banco Central segura efeitos da atividade sobre a inflação com a Selic também superlativa, neste ano e no próximo, a contaminar toda a estrutura de juro no país. O crédito poderá ser prejudicado por maior inadimplência. Entretanto, para investidores mais aperto é “bilhete premiado”.

Juro alto e ascendente – combinado ao diferencial entre a taxa local e a norte-americana – faz barulho, mas não milagre. É fato que o descompasso favorece o Brasil, mas não garante uma enxurrada de capital estrangeiro ao País.

“O descompasso entre juro doméstico e externo é uma condição atrativa para o investidor retornar ao Brasil, mas não é suficiente”, alerta Daniel Campanini, gestor e responsável pela área de fundos multimercados da Western Asset Brasil que administra cerca de R$ 40 bilhões no País junto a 130 mil cotistas.

Em entrevista ao NeoFeed, o gestor local da Western – especialista em renda fixa e uma das principais gestoras globais independentes com quase US$ 400 bilhões sob administração – lembra, por exemplo, que hoje a participação de estrangeiros na dívida pública brasileira é baixa, ante patamares históricos.

A fatia dos estrangeiros na dívida mobiliária caiu a um dígito em 2020 e cravou 9,8% em julho deste ano, segundo o Tesouro. Distante de 20% em 2014 e 19% em 2015. A perda observada nos anos seguintes, em que o Brasil amargou as consequências da recessão histórica de 2015 e 2016, não foi recuperada.

Queda na participação de estrangeiros também se aplica à bolsa de valores. Enquanto durou a expectativa de ação agressiva do Fed em cortes de juro por melhora da inflação no segundo semestre de 2023, a B3 registrou entradas.

Com a reversão de expectativas quanto à ação do Fed, que só reduziu sua taxa em setembro deste ano, o fluxo virou, observa Campanini. Mas o cenário também foi prejudicado pelo ambiente doméstico tumultuado pelo ruído fiscal e a desancoragem das expectativas inflacionárias.

Questão fiscal não é privilégio do Brasil

Em 2022, a B3 atraiu R$ 100 bilhões de capital estrangeiro para ações listadas. Em 2023 foram cerca de R$ 45 bilhões, com ingresso de quase R$ 39 bilhões em apenas dois meses. Já em 2024, a saída de estrangeiros chegou a superar R$ 43 bilhões até junho. Mais recentemente, a partir de julho, o fluxo melhorou, mas a perda de volume, no ano, ainda ronda R$ 26 bilhões.

Em conversa diária com gestores da Western – representada em todos os continentes – e investidores internacionais, Campanini relata que, lá fora, o entendimento é de que a queda do juro nos EUA favorece, sim, a migração para outros mercados. Contudo, afirma, o estrangeiro não olha só para o juro.

“O contexto geral do país importa. O comportamento esperado para o câmbio também. Quanto à questão fiscal, a do Brasil não é isolada. Os estrangeiros comparam as economias e outras, a exemplo do México no nicho emergente, enfrentam desafios fiscais. Assim como grandes economias”, diz.

O Brasil tem a seu favor, o crescimento econômico acima do esperado. Entretanto, também nesse quesito, o investidor observa quais países terão melhor performance. E, no caso brasileiro, explica o gestor, há uma questão para a qual se busca resposta: por que o Brasil avança mais rápido?

“Essa é uma questão particularmente importante. Tem quem atribua o desempenho mais positivo às reformas realizadas nos últimos anos. Mas há quem considere que a economia surpreende por estímulos fiscais.”

Pessoalmente, o gestor acredita na combinação dessas justificativas. Porém, alerta que se a resposta para o avanço do crescimento for exclusivamente a expansão fiscal, o crescimento que agora se observa não será sustentável. “Nessa condição, o Brasil não vai atrair mais investidores”, diz.

Campanini entende que o juro elevado do Brasil é atraente ao investidor. E, por contraste, torna a bolsa menos atraente. Mas o juro alto e a percepção de que subirá mais afeta outros segmentos. Caso da indústria de fundos, cita.

“Durante a pandemia, período de juro muito baixo, houve uma explosão de demanda por outros ativos, como fundos imobiliários e aplicações no exterior. Mas, no caso do juro muito elevado, o maior risco para o próprio investidor é a inflação porque é ela que, se descontrolada, pode dizimar o ganho real.”

Questionado sobre a chance de o Brasil recuperar o “grau de investimento”, espécie de selo de bom pagador atribuído por agências de rating e que mobilizou o presidente Lula e o ministro Fernando Haddad, durante passagem por Nova York no início da semana, o gestor da Western avalia que obter a classificação é relevante. Mas também não faz milagre.

“Se tivermos um upgrade do dia para a noite não creio que teremos uma superoferta de capital estrangeiro”, pondera. “O ‘grau de investimento’ amplia o leque de potenciais investidores, caso de fundos e institucionais, que dependem dessa referência para aplicar recursos em países. O ‘grau de investimento’ tem relevância no médio e longo prazo, mas não muda um cenário no curto prazo.”