O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, está mesmo disposto a remodelar de forma radical o comércio global a partir de janeiro, quando assumir a Casa Branca. E a “faxina” vai começar pelos três maiores parceiros comerciais dos EUA - México, Canadá e a China – e deve ir além, prejudicando aliados, como a Grã-Bretanha e a União Europeia.

De acordo com analistas, as ameaças se enquadram na estratégia de Trump de remodelar o comércio global, para que ele seja mais vantajoso para os EUA – o país tem déficit comercial com os principais mercados dos produtos americanos.

Segundo eles, impor tarifas sobre o México e o Canadá não faria sentido, uma vez que violaria o acordo comercial entre os três países negociado pelo próprio Trump, em 2020, quando assinou o USMCA, o tratado de livre-comércio que substituiu o Nafta.

A ameaça surpreendeu por incluir o Canadá - Trump havia adiantado durante a campanha sobre seus planos de tarifar importações apenas da China e do México. Os EUA importam mais de US$ 400 bilhões em produtos do Canadá por ano.

"Metade dos carros fabricados no Canadá são de empresas americanas e metade das peças que entram em todos os carros fabricados no Canadá vem de fornecedores dos EUA, e mais da metade das matérias-primas são de fontes americanas”, disse Flavio Volpe, presidente da Associação de Fabricantes de Peças Automotivas do Canadá. “Somos mais que parceiros, quase tão inseparáveis quanto a família."

Trump quer punir seus vizinho com tarifas de importação de 25% em razão de os dois governos “ajudarem gangues criminosas a permitir a passagem da fronteira com os EUA de imigrantes ilegais e de drogas, em particular o fentanil”, um opióide que virou um problema de saúde pública no país.

Para a China, a sobretaxa de 10% prometida por Trump é resposta à postura "leniente" do país quanto à exportação de fentanil.

“As tarifas permanecerão em vigor até o momento em que as drogas, em particular o fentanil, e todos os estrangeiros ilegais parem esta invasão de nosso país", postou o presidente eleito no Truth Social, a rede social que criou e na qual vem anunciando futuras medidas de seu governo.

Para Edward Alden, especialista em comércio do Conselho de Relações Exteriores, Trump vê a adoção das tarifas como uma coisa boa para os EUA. "Não há dúvida de que ele está falando sério", disse Alden ao The New York Times. "Isso está no topo da lista de promessas."

No primeiro mandato, Trump usou as tarifas pela primeira vez como tática para extrair concessões em uma série de objetivos de política externa. O alvo maior foi a China, contra quem abriu uma guerra comercial que foi seguida pelo governo de Joe Biden, mas se estendeu a outros países.

Qualquer forma de retaliação a ser feita contra os três países, porém, pode ter efeito bumerangue. Canadá, México e China venderam quase US$ 1,5 trilhão em bens e serviços para os EUA no ano passado, mas compraram mais de US$ 1 trilhão em exportações americanas.

O ING Group, instituição financeira de origem holandesa, calculou que, se as novas tarifas de Trump forem totalmente repassadas, elas poderão custar para cada consumidor americano até US$ 2.400 por ano. Outro efeito é estimular a inflação nos EUA.

A lição do passado

No último mandato de Trump, os resultados foram duvidosos: União Europeia, China, Canadá, México e outros governos impuseram tarifas sobre soja, milho, uísque, suco de laranja e motocicletas americanas, fazendo com que algumas exportações dos EUA despencassem.

A possibilidade desse roteiro se repetir em uma escala maior no segundo mandato de Trump está levando governos estrangeiros a elaborar listas de produtos americanos que poderiam atingir em resposta às tarifas dos EUA.

Outra opção é usar como arma o fator cambial, deixando suas moedas caírem em valor em relação ao dólar. O objetivo é atenuar o efeito das tarifas, tornando suas exportações mais baratas para os compradores estrangeiros. Foi o que fez a China em 2018 e 2019, durante o primeiro mandato de Trump.

O Reino Unido e a União Europeia, em particular, reagiram às ameaças de como se fossem o próximo alvo na mira - os EUA são o maior destino das exportações do Reino Unido e da UE, em especial da indústria automotiva europeia.

As ações das montadoras europeias caíram na terça-feira após o anúncio de Trump, com a Stellantis caindo 4,7%, a Volkswagen, 2,6%, e a BMW perdendo 1,5%. As ações de empresas de bebidas como a Diageo (-1,4%), que produz tequila no México, também perderam valor.

"Áreas como o setor automotivo, que tem cadeias de suprimentos altamente integradas nas fronteiras México-EUA e Canadá-EUA, são muito vulneráveis", advertiu Paul Donovan, economista-chefe do UBS Wealth Management.

O mexicano Ildefonso Guajardo, ex-ministro da Economia que liderou as negociações do México para a criação do USMCA, em 2020, deu o tom da irritação geral com as ameaças do presidente eleito dos EUA.

"Trump disse que negociou um tratado comercial da América do Norte que foi o melhor da história", disse Guajardo. "Eu usaria seu tratado para retaliar na mesma magnitude contra seus apoiadores mais importantes se ele tentar prejudicar as exportações mexicanas."