Novidade em um número cada vez maior de rodovias brasileiras, a adoção do pedágio eletrônico (free flow) está chamando a atenção. Primeiro, porque permite pagar as tarifas sem passar por cabines de pedágios. E, segundo, pelo difícil processo inicial de adaptação para os motoristas, que acabam multados por não pagar a tarifa, após os 30 dias de carência.

A falta de conhecimento como opera o sistema é o grande responsável pelo elevado número de multas registrado nas estradas que passaram a adotar o free flow – em especial para os motoristas que não utilizam tag de pagamento (adesivo com código de barras instalado no veículo), que debita automaticamente a tarifa na fatura da concessionária.

Por isso, a funcionalidade, que seria um trunfo do novo modelo, virou um pesadelo aos donos das concessões e aos motoristas desatentos, sujeitos à multa por evasão de pedágio, uma infração grave que implica cinco pontos na CNH e uma penalidade de R$ 195,23.

O free flow funciona sem cabines nem cancelas. O motorista passa por um pórtico instalado na rodovia sem precisar reduzir a velocidade. Um sistema eletrônico de alta tecnologia - que inclui scanners 3D, radares, câmeras, leitores de placa e dados processados por inteligência artificial - identifica as características do veículo, registrando automaticamente o valor a ser pago. Quem não possui a tag, precisa baixar um app para o pagamento.

Desde março de 2023, com a instalação dos primeiros pórticos que registram a passagem dos carros em três trechos da BR-101 (Rio-Santos), entre Paraty e Angra dos Reis, sob concessão da CCR, o free flow passou a ser utilizado em outras rodovias.

Este ano, substituiu as cabines de pedágio em três rodovias estaduais do Rio Grande do Sul (operadas pela concessionária CSG), e foi adotado em outras duas rodovias paulistas: na SP-333, em Itápolis e Jaboticabal, e no Contorno Sul da Rodovia dos Tamoios, recém-aberto no Litoral Norte.

Para 2025, porém, o motorista deverá ficar atento porque o pedágio eletrônico vai passar a ser utilizado em rodovias movimentadas, incluindo a de maior tráfego do País. A Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, vai instalar, até março, 21 pórticos entre os km 205, em Arujá, até o km 230, na chegada da capital paulista.

Já no 2º semestre, outros sete pórticos devem operar em rodovias de acesso ao litoral paulista, e mais dois no trecho norte do Rodoanel Mario Covas.

Um relatório divulgado em novembro, com o balanço de 20 meses de operação do free flow no trecho fluminense sob concessão da CCR, revela que o tempo para pagamento da tarifa nas passagens pelos pórticos caiu drasticamente ao longo do tempo, passando de 54 dias em média em março de 2023 (quando foi instalado na Rio-Santos), para 6 dias entre agosto e outubro deste ano.

“Este é um número relevante, considerando a região em que o free flow está inserido, local em que as tags são utilizadas, na maioria dos casos, apenas para o pagamento de pedágio”, afirma Cleber Antonio Chinelato, gerente-executivo de recnologia da CCR, no relatório, feito em parceria com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Segundo a ANTT, o sistema foi capaz de detectar 100% dos veículos que passaram pelos pórticos. Destes, 99,53% tiveram a tag corretamente lida e 99,64% das placas foram lidas sem erros.

Inadimplência

O elevado número de multas nos primeiros meses de implementação no trecho fluminense da BR-101, porém, levou as autoridades a buscarem alternativas.

Em outubro, o Ministério dos Transportes publicou no Diário Oficial da União (DOU) uma portaria ampliando de 15 para 30 dias o prazo de pagamento da tarifa.

Enquanto isso, o deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ) apresentou um projeto de lei que prevê a suspensão por 12 meses das multas aplicadas em rodovias que operam com o sistema free flow. O PL prevê ainda que o não pagamento do free flow durante os 12 meses não resultará mais em pontuação na CNH do infrator.

De acordo com Leal, o novo modelo de livre passagem é uma importante ferramenta para dar maior fluidez e justiça tarifária ao sistema de pedágio, especialmente para o usuário frequente, mas é preciso cuidado.

“Por um lado, as concessionárias de rodovia têm a preocupação de que esse novo modelo não implique em uma elevada inadimplência que comprometa a gestão do sistema. E, por outro, o cidadão não pode ser penalizado de forma injusta e desproporcional como temos observado”, diz Leal, ao NeoFeed. “O projeto de lei propõe o equilíbrio nessa relação.”

Aprovado pela Câmara, o PL ainda precisa passar pelo Senado – sem data prevista de votação - e ser sancionado pelo presidente da República para entrar em vigor. Mas a julgar por um relatório mais recente, divulgado pela concessionária gaúcha CSG, o baixo índice de inadimplência com maior divulgação do serviço pode sepultar o PL.

O levantamento da CSG - que opera seis pórticos localizados nas rodovias estaduais ERS-122, ERS-240 e ERS-446, no Vale do Caí e na Serra Gaúcha - mostraram redução de 7,5% para 4,1% de motoristas não pagantes em seis meses. Mais de 60% dos clientes realizam o pagamento por tag.

“A diminuição do porcentual de multas reflete a curva de aprendizado do usuário”, afirma ao NeoFeed Ricardo Peres, presidente da CSG. Segundo ele, a concessionária conseguiu reverter rapidamente a inadimplência mantendo atendimento presencial – por meio de nove postos informações nas estradas – e oferecendo benefícios aos usuários.

Entre eles, de 5% a 20% de desconto na tarifa aos usuários frequentes, estimulados a se cadastrarem no site da concessionária. Nas três rodovias, por onde circulam 55 mil veículos por dia, a promoção foi um sucesso – a CSG já cadastrou 494 mil veículos de mais de 300 mil CPFs/CNPJs diferentes (muitos são de frotas de caminhão).

“Quem se cadastra deixa de ser usuário para se tornar cliente”, diz Peres, um entusiasta do novo modelo, que enumera os benefícios do free flow, a maioria ignorado pelos motoristas.

De acordo com ele, o free flow gera um impacto ambiental menor, com menos consumo de combustível, pois os veículos não reduzem velocidade para pagar a tarifa, como numa cabine. "Sem falar no tempo menor de viagem e no custo de operação da concessionária, que não precisa mais gastar com a estrutura fixa, funcionários e segurança com transporte de valores”, afirma Peres.

O executivo da CSG prevê também o próximo passo da evolução do free flow: a massificação. “A tendência é a redução de tarifa, além da implementação cada vez maior de tarifas fracionadas, com os usuários pagando apenas pelo trecho rodado”, diz Peres.