Desde o início de 2025, a ação da Vivara acumula alta de 3,5% na bolsa de valores. São poucos pregões para mostrar uma tendência, mas a empresa começa o ano resistindo a mais um acordo de acionistas: o fundador Nelson Kaufman consolidou sua posição na companhia ao comprar as participações remanescentes de Márcio Kaufman e Paulo Kruglensky, respectivamente seu filho e sobrinho, em acordo concluído no começo do ano.

Esse talvez seja o derradeiro movimento do conturbado retorno de Kaufman ao dia a dia da joalheira que criou, em 1962. Agora, ele se consolida como acionista de referência, com uma participação de 27,6% na pessoa física e 5,72% por meio da NKaufman Empreendimentos Imobiliários. E pode implementar suas ideias para a operação da joalheria, após passar um início de 2024 criticando os rumos que o negócio estava tomando.

O retrato deste início de ano esconde o filme do ano passado. Em 12 meses, a ação da empresa acumula queda de 45,7%. A pressão sobre o papel vem, além da crise vivida pelo varejo, da intervenção de Kaufman na operação. A segunda quinzena de março foi um furacão na companhia. Kruglensky renunciou à posição de diretor-presidente e o fundador teve uma passagem relâmpago de dez dias pelo cargo de CEO.

Passado o choque inicial, a liderança da empresa ficou sob o comando do então CFO Otávio Lyra. O executivo, que acumulou a função com o financeiro e a relação com investidores, resistiu até o começo de novembro.

Se o cargo de CEO foi ocupado por Ícaro Borrello, que naquele momento estava há apenas 11 meses da rede varejista de joias, a cadeira de CFO continua vaga.

“Até hoje não conseguiram anunciar o novo CFO da empresa, o que mostra uma dificuldade de contratação que, para mim, é por conta da personalidade do Nelson. É um cargo chave e não conseguem anunciar ninguém”, diz um gestor que pediu para não ser identificado, que esteve comprado no papel quando a troca de comando ocorreu, mas desmontou a posição.

Segundo gestores consultados pelo NeoFeed, o tema da governança corporativa é o principal ponto no radar dos investidores. É justamente ele que segura as ações.

De forma geral, eles resumem que a maneira como todo o processo foi conduzido com a alta cúpula gera dúvidas sobre os mecanismos de controle e sobre quais os efeitos podem ter no dia a dia da Vivara. A troca no comando e a “forte personalidade” de Kaufman podem dificultar a atração de profissionais, como a posição de CFO indica.

Quando Borrello foi anunciado como CEO, o Citi destacou que as mudanças no comando da Vivara eram a principal razão para considerar o rating de compra como de “alto risco”. “O mercado já está muito sensível neste momento e, com a Vivara, está ainda mais. O Nelson não pode escorregar”, diz o gestor ouvido.

Procurado pelo NeoFeed, Kaufman diz, em nota, que se aproximou da companhia "para contribuir na avaliação do potencial da companhia no médio-longo prazo" e que "há muita oportunidade pela frente e a Vivara vai seguir evoluindo, obstinada por aumentar a produtividade e buscando excelência no nível de serviço." (A íntegra da nota está no fim da reportagem).

Bons números

A imagem da companhia ainda não recuperou o brilho do passado, mas os primeiros resultados começam a aparecer, o que, segundo analistas e gestores ouvidos pelo NeoFeed, é capaz de fazer o mercado esquecer o período de turbulência.

No terceiro trimestre, a Vivara atingiu faturamento de R$ 697,4 milhões, um crescimento de 20% contra o mesmo período do ano passado. Houve um aumento de 13,5% das “vendas mesmas lojas” (SSS), que consideram vendas feitas em unidades em funcionamento há mais de 12 meses. Já a margem Ebitda ajustada aumentou 3,2 pontos percentuais em base anual, para 22,6%.

“Teve o choque inicial, todos os problemas, porque o Nelson é um fundador, um controlador old school, que se envolve mesmo”, diz outro gestor, que está comprado no papel, e que chegou a se reunir com Kaufman após a confusão.

“Ele chegou querendo fazer um choque de gestão, dizendo que as coisas não estão boas. Mas ouvindo dele as coisas que poderiam ser feitas, coisas simples, pareciam fazer sentido”, complementa.

Depois do começo conturbado, Kaufman calibrou o discurso, mas não abandonou a ideia de transformação. Ele colocou em marcha um plano para atacar os chamados “cinco Ps” do varejo – produto, preço, pontos de venda, publicidade e pessoas.

Dentre as medidas previstas estavam o enxugamento das equipes, especialmente na parte administrativa, junto com readequação da comissão das vendedoras, com Kaufman vendo pagamentos bem acima do praticado no mercado.

Na parte de produtos, que Kaufman classificou como “a parte mais importante a melhorar”, um dos pontos era a questão dos estoques nas lojas, visto como muito baixo e um fator que estava prejudicando as vendas. E a ida para o exterior começou tímida, com um teste no Panamá.

Para Rodrigo Gastim, analista de varejo do Itaú BBA, os resultados mostram que a Vivara continuou apresentando resultados positivos, como antes da chegada de Kaufman, com o ajuste de rota fortalecendo a operação, com as alavancas de geração de valor ficando claras.

“Foi feito um ajuste de rota importante nos últimos meses”, diz Gastim. “O que o mercado espera agora é execução. A empresa está indo na direção correta, mas tem o desafio macro assim como toda a parte de consumo, embora atue mais em classes sociais mais resilientes.”

O ponto da execução é uma questão para os gestores ouvidos pelo NeoFeed. Para um deles, o volume de mudanças pode resultar em bons números no curto prazo, mas ainda é preciso entender quais os efeitos mais adiante, especialmente da redução de pessoal, gerando alguma ruptura operacional.

“Ele reduziu muito a estrutura, mas será que ele reduziu para o nível ideal? Ou reduziu muito? Só vamos saber mais para frente. Quando se está cortando, começa a aparecer eficiência, vem resultado. Na hora que se estabiliza e a eficiência está na conta, vamos começar a ver se tem braço para executar as tarefas das empresas”, diz.

Para outro gestor, a questão da ruptura operacional é um ponto que os investidores estão de olho e mostram receio, considerando o fato de a operação ser de ciclo longo, com a compra do ouro, a fabricação da joia e sua venda podendo levar um ano.

Gastim, por sua vez, destaca que a Vivara apresenta um modelo de negócio resiliente para um cenário macro conturbado como o atual, vendo os ajustes fortalecendo a empresa. O Itaú BBA tem uma recomendação de compra para as ações, com preço-alvo de R$ 32.

“Nesses cenários, preferimos empresas com modelos de negócios mais sólidos, mais defensivos e que não tenham alavancagem alta, que é o caso de Vivara”, diz. “A companhia cresce bem, tem alavancagem baixa, pouca competição e tem um bom negócio, com o estoque sendo literalmente ouro.”

Mão de ferro

Quando decidiu voltar a ter uma participação mais ativa na Vivara e reassumir como CEO, Kaufman, que estava há 13 anos longe da operação, estava insatisfeito com o momento da companhia. Os fundadores tendem a retornar quando a situação das companhias está ruim. Mas não era o caso da Vivara.

Desde a pandemia, a empresa vinha apresentando resultados bastante expressivos, passando praticamente ilesa aos efeitos da crise que assombrava (e assombra) o varejo nacional, inclusive sendo bem-sucedida em criar uma nova marca, de joias mais em conta em prata: a Vivara Life.

Em 2023, a Vivara registrou uma receita bruta de R$ 2,8 bilhões, batendo recorde no quarto trimestre, quando atingiu R$ 1 bilhão. O Ebitda ajustado naquele ano avançou 19,6%, para R$ 479,6 milhões, com a margem subindo 0,2 ponto percentual, para 21,9%. Já o lucro líquido avançou 2,3%, para R$ 369,2 milhões.

Mesmo assim, Kaufman estava descontente. Ele avaliava que a companhia apresentava muitas ineficiências, não estava focada no cliente, registrava despesas elevadas e crescia menos do que poderia, apesar das margens em bons patamares.

Segundo uma pessoa próxima da companhia ouvida pelo NeoFeed, Kaufman "reclamava e pedia algumas medidas na empresa e não era ouvido pelo filho e depois sobrinho".

Para lidar com essas questões, somente o “olho do dono”. “Minha entrada foi para mexer na empresa como um todo, melhorar a empresa como um todo”, disse ele, durante a teleconferência de resultados do segundo trimestre do ano passado.

Sua volta, da forma como aconteceu, pesou e pesa muito para alguns que olham a companhia. Além da forma como ocorreu a saída de Kruglensky do comando, um executivo bastante elogiado pela forma como conduziu a companhia, especialmente a expansão da Vivara Life, o retorno de Kaufman pareceu um movimento imposto. A suspeita surgiu na saída das conselheiras Anna Chaia e Tarcila Ursini, que tinham votado contra sua indicação como CEO.

Tudo isso foi danoso para a companhia. No período, a Vivara perdeu quase R$ 1,4 bilhão em valor de mercado por conta da queda de 19,6% das ações, num período em que o Ibovespa subiu 0,10%, segundo levantamento da Elos Ayta Consultoria a pedido do NeoFeed. Atualmente, a companhia é avaliada em R$ 4,5 bilhões.

Um gestor que estava “bem comprado” em Vivara na ocasião acabou desfazendo sua posição no episódio por conta da forma abrupta com que a mudança de comando aconteceu. “Vivara era um call que estava virando quase consensual dentro do mercado”, diz ele, que pediu para não ser identificado.

“E estava coincidindo com a entrada de estrangeiros, a base de gringo tinha melhorado muito naquele momento. Mas a volta do Nelson, do jeito que aconteceu, reverteu esse processo e colocou muitas dúvidas sobre o case”, complementou.

Quem continua comprado na ação pensa diferente. A Vivara é uma situação com a qual quem investe em empresas “de dono” está sujeito. O importante é o alinhamento de interesse, o que Kaufman demonstra.

“Numa empresa de dono, você está alinhado de cima para baixo, ele quer a mesma coisa de acionistas, principalmente aquelas que só tem uma classe de ação”, diz. “E ele comprou as ações da família, mostrando que quer que as ações subam, tudo o que ele fez é para a empresa ganhar mais.”

Leia, a seguir, o posicionamento de Nelson Kaufman:

"Sou o maior interessado no sucesso da Vivara. Me aproximei para contribuir na avaliação do potencial da companhia no médio-longo prazo. Ao longo das discussões, Icaro e equipe identificaram pontos que precisavam ser endereçados prioritariamente, visando a sustentabilidade do negócio.

Os principais pilares de melhoria foram a dimensão da estrutura corporativa, a melhor alocação de estoque em loja e a necessidade de evoluir o nível de serviço. De março pra cá, esta é a jornada que a companhia tem percorrido e os ganhos de eficiência no curto prazo já começaram a aparecer no resultado.

Ainda há muita oportunidade pela frente e a Vivara vai seguir evoluindo, obstinada por aumentar a produtividade e buscando excelência no nível de serviço.