A reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, juntamente com a posse do presidente americano Donald Trump, reforçou nesta terça-feira, 21 de janeiro, a sensação entre líderes políticos e empresários de vários países presentes ao encontro de que os Estados Unidos, sob Trump, passará a ditar as regras da nova ordem da economia global.

Em discurso surpreendente em Davos, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, disse que o modelo econômico de longa data do bloco europeu simplesmente não é mais viável. Segundo ela, agenda protecionista que Trump pretende implementar no comércio global vai exigir uma reformulação da estratégia da União Europeia.

"Nos últimos 25 anos, a Europa tem contado com a maré crescente do comércio global para impulsionar seu crescimento", discursou Von der Leyen, a principal autoridade da zona do euro. "Temos contado com energia barata da Rússia e a Europa tem terceirizado com muita frequência sua própria segurança. Mas esses dias acabaram.”

Von der Leyen advertiu sobre o risco de uma “corrida global para o abismo” nesta nova era de dura competição geoestratégica. “À medida que essa concorrência se intensifica, provavelmente continuaremos vendo o uso frequente de ferramentas econômicas, como sanções, controles de exportação e tarifas, destinadas a proteger a segurança econômica e nacional”, disse ela.

Horas depois, foi a vez do vice-primeiro-ministro chinês, Ding Xuexiang, alertar sobre mudanças de alto risco em andamento. "Uma transformação não vista em um século está se acelerando em todos os níveis com guerras tarifárias e comerciais iminentes", disse Ding. "A sociedade humana chegou mais uma vez a uma encruzilhada crítica."

Mesmo sem falar textualmente da promessa de aumentar tarifas de importação no discurso de posse, Trump já deixou a pista de qual será sua estratégia no comércio internacional.

O presidente americano pretende arrancar concessões de países, aliados ou não, que beneficiem os EUA com pouca margem de negociação, sob o risco de baixar o porrete tarifário sob forma de retaliação que pode começar em 25% e chegar a 100% em impostos de importação.

Trump passou o recado sem maiores sutilezas na noite de segunda, 20 de janeiro, enquanto assinava dezenas de ordens executivas no Salão Oval da Casa Branca, horas após a posse.

Aproveitando a presença de jornalistas, que faziam perguntas, um descontraído Trump ia destilando ameaças: taxas sobre importações chinesas de até 100% se Pequim não chegasse a um acordo para vender pelo menos 50% do aplicativo TikTok para uma empresa americana, e tarifas sobre produtos da UE, a menos que comprassem mais petróleo americano.

Até os vizinhos não escaparam: Trump ameaçou sobretaxar as importações do México e do Canadá em 25% caso não freassem contrabando de fentanil.

Entre as delegações presentes em Davos, a da União Europeia é a que mais demonstra preocupações com o novo governo americano. Trump vem amaçando desde a campanha impor tarifas abrangentes e pressionando o bloco por maiores gastos em Defesa, em especial na Otan – a aliança militar que une europeus e EUA.

“Força-tarefa”

Em Davos veio à  tona a revelação de que a Comissão Europeia formou um grupo nunca anunciado oficialmente, batizado informalmente de "força-tarefa Trump", que passou grande parte de 2024 trabalhando em possíveis respostas a mudanças no comércio e na política externa americana.

Uma razão estratégica para manter o trabalho relativamente discreto é que a União Europeia parece estar tentando manter suas opções em aberto. Embora muitos no bloco estejam preocupados que Trump faça acordos individuais com os países europeus — separando a união — também é plausível que a pressão possa aproximar a Europa e seus parceiros.

Executivos de empresas americanas e europeias, por sinal,  aproveitaram o encontro anual no resort suíço para discutir uma das prioridades econômicas do novo governo dos EUA - a desregulamentação da economia.

O tema preocupa os bancos europeus, que estão bem atrás em relação aos americanos que operam na Europa e temem ver ampliado o fosso entre eles que vem crescendo há uma década – um dado alarmante num momento em que a economia do bloco europeu está estagnada.

“Não há dúvida de que a Europa precisa de um chamado de atenção em relação à regulação”, advertiu Philipp Hildebrand, vice-presidente da gestora BlackRock. “Isso não significa desregulamentar e se preparar para a próxima crise financeira, mas é preciso considerar a competitividade.”

O descolamento da economia americana em relação ao resto do mundo ficou ainda mais evidente após a divulgação de um levantamento feito pela fDI Markets, uma empresa que monitora investimentos internacionais desde 2003.

De acordo com o levantamento, os EUA atraíram mais de 2.100 novos projetos de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) nos 12 meses encerrados em novembro de 2024, com aumento de 14,3% em relação ao ano anterior.

O valor estimado de novos projetos de investimento direto greenfield (do zero), de US$ 227 bilhões – valor recorde - aumentou em mais de US$ 100 bilhões no período.

Economistas atribuem esse aumento à grande demanda do consumidor e aos incentivos governamentais baixados pelo governo Joe Biden - totais recordes de projetos foram observados nos setores de semicondutores, equipamentos industriais, construção, componentes eletrônicos, energia renovável e aeroespacial, muitos dos quais se beneficiaram do apoio da Lei CHIPS.

A ironia é que, sob Trump, políticas protecionistas tendem a amplificar esse efeito.

Os EUA ficaram muito à frente de outros países. Os projetos de investimento direto na Alemanha caíram para 470 no mesmo período, marcando o menor número em 18 anos. A China recebeu ainda menos projetos, cerca de 400 – a média dos dois países nos últimos anos era de 1.000.

Kyle Rodda, analista sênior de mercados, da gestora australiana Capital.com, sintetizou o sentimento global em relação ao novo governo dos EUA. "É o mundo de Trump e todos nós. Estamos apenas vivendo nele - e os mercados vão ter que se acostumar com isso novamente”, diz.

Segundo Rodda, a ação do preço nas moedas conta uma história mais clara sobre os riscos da guerra comercial e os sinais são bem aparentes: “Tarifas significam um dólar americano mais forte, devido aos preços mais altos de importação, e crescimento global mais fraco; nenhuma tarifa significa comércio global mais forte e um cenário de crescimento global mais robusto."