Durante uma semana em abril, Miami transcende turismo e hub financeiro para virar ponto de encontro obrigatório do PIB da América Latina. Fundadores de unicórnios, venture capitalists, heads de bancos de investimento e executivos de growth equity vindos de São Paulo, Cidade do México, Bogotá e Buenos Aires desembarcam no sul da Flórida com um objetivo claro: networking alto nível em ambiente reservado.
Chamado por alguns de "Sun Valley do Sul", em referência ao encontro anual da Allen & Co nas montanhas de Idaho, o evento latino-americano troca o frio de Idaho pela informalidade de Miami Beach. Em vez de lagos congelados, há um oceano de oportunidades, onde investidores disputam a atenção dos empreendedores enquanto founders buscam insights para navegar pelas correntes do mercado.
O grande catalisador é a semana do Latin American Tech Forum (LTF), promovido pela Riverwood Capital — private equity que liderou IPOs como GoPro, Globant e Vtex, além de investir consistentemente em unicórnios regionais. Limitado a cerca de 350 participantes criteriosamente selecionados, o evento tornou-se o encontro mais disputado entre empreendedores da região. Não há inscrições abertas nem campanhas de PR que garantam vaga. O critério é simples: não importa quem você quer ser, importa o que você já fez.
Durante essa semana, as reservas no Carbone ficam mais difíceis do que nunca, enquanto founders discutem valuations pré-IPO, estratégias de expansão global e se os melhores Devs vêm de Belo Horizonte ou Bogotá. No lobby do 1Hotel, conversas informais sobre rodadas de investimento se desenrolam espontaneamente. No Soho Beach House, bankers convidam founders para conversas reservadas, buscando clientes no oceano perfeito.
Miami versus Nova York
A comparação com a Brazil Week, em Nova York, é inevitável. Mas enquanto Manhattan celebra empresários tradicionais no "Person of the Year", organizado pela BrazilCham, Miami se diferencia pelo dinamismo tech-driven e pelo foco em empresas que ditam tendências.
Quase todo nome relevante do ecossistema regional, seja um banco digital brasileiro com valuation bilionário, uma plataforma colombiana em expansão acelerada ou o marketplace argentino ganhando mercado, tem seus CEOs circulando pelo sul da Flórida nessa semana. Fala-se fluentemente portunhol e inglês, e as conexões se formam naturalmente entre quem compartilha desafios similares.
Além do evento principal, instituições financeiras como Inter, com seu encontro “Expanding Horizons” (alusão à sua expansão internacional e deslistagem de B3 e listagem na Nasdaq), e JP Morgan realizam eventos paralelos e intimistas, aproveitando a concentração única de capital intelectual presente na cidade.
O consenso entre CEOs
Nas conversas durante a LTF, alguns temas ficaram claros. Founders e CEOs das maiores empresas destacaram que a Al deixou de ser tendência para virar obrigação; investimentos agressivos em talentos e tecnologias próprias seguem em alta.
No setor financeiro, ficou evidente que o PIX brasileiro virou referência global. Com a Colômbia próxima a lançar seu próprio sistema, a inovação de região deixou de seguir tendências para criá-las.
No eterno debate "build vs. buy", a ascensão da Al alterou o cenário. Aplicando a regra do 80/20 — máximo valor com mínimo esforço — construir internamente voltou a fazer mais sentido do que M&A, como na época em que capital era abundante.
Uma mensagem ecoou forte entre os presentes: empresas que se apaixonam mais pela tecnologia do que pelo cliente já estão ficando para trás. Numa era em que experiência e valor entregue são fundamentais, perder o foco no usuário é o primeiro passo para a irrelevância.
Miami: além do Real Estate
O contexto econômico reforça a relevância do momento. Com IPOs praticamente congelados desde o final de 2021 no Brasil e no México, e sem clareza sobre a reabertura dessa janela, empreendedores buscam alternativas estratégicas. No primeiro trimestre de 2025, a região captou US$ 1,4 bilhão em venture capital.
O melhor resultado desde 2022, mas ainda modesto diante dos US$ 113 bilhões aportados globalmente. Para efeito de comparação, Miami sozinha recebeu US$ 900 milhões no mesmo período, refletindo seu crescente protagonismo em inovação.
Miami deixou de ser apenas endereço de escritórios regionais de multinacionais e virou um statement. Se Nova York celebra quem já venceu, Miami define quem vai vencer. No “Sun Valley do Sul”, você não acompanha tendências — você cria. É a largada oficial para quem, de fato, move o jogo da inovação na região.
* Kaio Philipe é Chief Business e Marketing Officer do Inter e mora em Miami. Liderou a expansão do KAYAK na América Latina, fundou a Bloomberg Línea e teve passagens por Google, Citi e Standard Chartered