GUARUJÁ - A avaliação geral de quem acompanhou o Fórum Esfera, organizado pelo grupo Esfera Brasil, que terminou no sábado, 7 de junho, no Guarujá, é que o pacote fiscal inicial apresentado pelo governo, que indicava um aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sem indicar redução de despesas, detonou uma bomba de insatisfação entre todos os setores e uniu, no discurso, o bloco financeiro e empresarial no Brasil.

O consenso é que, sem um ajuste nas contas públicas, não dá para cobrar uma redução na taxa de juros, hoje em 14,5%. O impacto dos gastos por parte do governo federal afeta a política monetária. Essa foi a tônica do painel que reuniu o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, o CEO do Itaú, Milton Maluhy Filho, e o chairman do BTG Pactual, André Esteves.

O comandante do BC diz que, no ambiente de incerteza econômica, a instituição tem feito um “esforço”. “Temos colocado a política monetária em algum grau de segurança. Nesse ambiente, não é normal que se façam movimentos bruscos. O Banco Central reage à política fiscal a partir do que ela afeta na inflação”, afirmou Galípolo.

Mas, em tom diplomático, contou que tem sentido uma “boa vontade” por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reverter esse quadro. “O fato é que todas essas decisões vão gerar algum tipo de trade-off. Não dá para tirar esse band-aid sem dor. Mas é necessário coragem.”

Galípolo entende que há ambiente, a partir do reflexo negativo do plano apresentado na semana passada, para enfrentar o problema e encontrar uma solução conjunta. “Precisamos aproveitar esse consenso para conseguir produzir as reformas que são necessárias.”

Maluhy, que afirmou que recentemente esteve com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entende que, de fato, a dívida pública é preocupante. Segundo o banqueiro, que não entrou em detalhes sobre quem participou do encontro, a ideia foi justamente levar propostas e alternativas para a equipe econômica, em contraponto ao plano malsucedido de aumentar as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

O CEO do Itaú deixou claro que o setor financeiro não trabalha para que a taxa de juros permaneça elevada, mesmo que isso resulte em resultados mais expressivos para os bancos. É necessário, na opinião de Maluhy, dividir melhor o bolo de quem hoje ganha mais.

“A gente prefere um cenário de juros mais baixos. É uma falácia achar que esse patamar é bom para o sistema financeiro. Não é. Nossa visão é que hoje o motor do carro está aquecido, mas isso afeta o setor produtivo. A inflação é o pior imposto para as classes que são mais afetadas.”

Ele ainda criticou a iniciativa do aumento do IOF, que caminha para ser arquivada. “O IOF não pode ser um mecanismo arrecadatório. Isso não está certo. O papel dele é regulatório”, disse Maluhy.

Para Esteves, do BTG, o Banco Central conseguiu consolidar sua independência e tem dado sinais claros de que a instituição tem cumprido seu papel. Por outro lado, é necessário que haja um gesto mais claro vindo do Palácio do Planalto.

“O discurso de Hugo Motta refletiu o pensamento sobre a necessidade clara do ajuste fiscal. A sociedade já tem consciência de que não há mais espaço para tanto gasto público. O crescimento do déficit é enorme”, afirmou Esteves.

Nesse sentido, o banqueiro enfrentou de forma direta um mantra frequente da política econômica do governo Lula, que justificaria o aumento de gastos com aportes em políticas públicas sociais. “Quem acha que gasto é vida, está errado. Gasto é morte. Investimento é vida.”

Esteves fez uma analogia ao dizer que o governo federal e o Banco Central andam em caminhos opostos. “O que acontece hoje é que estamos dirigindo um carro com o pé no acelerador, que é a política fiscal, e outro no freio, que é a política monetária do Banco Central. Nenhum carro vai funcionar direito.”

Presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, no Fórum Esfera
Presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, no Fórum Esfera

Representante de todo o setor financeiro, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, foi mais duro com a prática desequilibrada do governo federal. “Ou por bem ou por mal, é hora de fortalecer o casco da nossa embarcação. A política fiscal precisa ser feita de verdade. O governo precisa dar esse gesto de coragem e de desprendimento.”

Impacto no setor empresarial

Acionista do grupo J&F, Wesley Batista também fez coro sobre a necessidade imediata do equilíbrio das contas públicas. “É unanimidade no setor privado brasileiro que o ajuste das contas do governo via receita chegou ao limite. Não há mais espaço”, disse Batista. “Temos um encontro com essa conta.”

A exemplo do que apontou o presidente da Câmara, Hugo Motta, Batista também entende que há necessidade de rediscutir o grande volume de isenções fiscais, que gera um enorme gasto tributário, da ordem de R$ 800 bilhões.

“A renúncia está gigantesca. Teve muita coisa que não trouxe o benefício esperado, como a desoneração da folha salarial. A ideia era boa, mas não gerou empregos como se esperava.”

De qualquer forma, o empresário, que administra a holding controladora do grupo JBS, entende que é necessário também equilibrar a visão e enxergar os avanços econômicos no Brasil. “Precisamos ver o que está indo bem. Poderíamos estar bem melhor, mas a verdade é que os empresários têm feito planos de investimentos para crescer mais.”

Mesmo com o crescimento de setores da economia, o fato é que o impacto do desequilíbrio nos gastos do governo afeta a ponta final, já que isso não permite uma redução do custo financeiro.

“Os juros altos têm um impacto enorme para todo o setor produtivo, especialmente o varejo e o consumo. A expansão fiscal é a grande responsável por essa situação”, afirmou Fred Trajano, CEO do Magazine Luiza, em entrevista ao NeoFeed, após participar de um painel sobre inovação.

“A gente chegou ao limite no sentido de compensar essa expansão fiscal com aumento de receita. É necessário endereçar essa situação com uma revisão dos gastos públicos. Foi o que ouvi aqui e tenho esperança de que essa agenda vá para frente”, complementou.

Ainda assim, Trajano afirma que a companhia vem recuperando margem, apesar do custo elevado pela alta dos juros. “No ano passado, crescemos o lucro operacional em 50%. Isso mais do que compensou o aumento de despesa financeira”, disse. “Era nossa estratégia porque já antevíamos que teríamos um período de juros altos, com uma política contracionista do Banco Central.”