A evolução do cinema é indissociável das revoluções tecnológicas. O cinematógrafo dos irmãos Lumière, os sistemas de sincronização do som com as cenas em movimento, as imagens geradas por computador, as câmeras digitais, as ferramentas imersivas… todos esses avanços vêm abrindo novas fronteiras criativas e transformando o modo como as histórias são contadas e vivenciadas.
Agora, a OpenAI quer ajudar a provar que a inteligência artificial generativa pode fazer filmes mais baratos e em menos tempo do que Hollywood está acostumada a produzir. Na semana passada, a empresa comandada por Sam Altman anunciou apoio tecnológico ao lançamento do primeiro longa de animação, quase todo feito por IA.
Intitulado Critterz, sobre criaturas da floresta que embarcam em uma aventura depois de sua aldeia ser perturbada por um estranho, o filme foi idealizado por Chad Nelson, especialista criativo da companhia. Há três anos, ele começou a esboçar os personagens.
Mas o projeto só ganhou força recentemente com a chegada de produtores da Vertigo Films, com sede em Londres, e da Native Foreign, estúdio especializado no uso de IA, de Los Angeles. Com esse suporte, a estreia de Critterz está prevista para acontecer no próximo Festival de Cannes, em maio de 2026.
A equipe planeja terminar o filme em nove meses com um orçamento de US$ 30 milhões. As produções tradicionais levam em média três anos e consomem ao redor de US$ 200 milhões.
A “humanidade” da animação fica por conta dos atores escalados para dublar os personagens e dos artistas gráficos contratados para desenhar os esboços que serão inseridos nos programas da OpenAI, como o recém-lançado GPT-5 e modelos de geração de imagens. No total, são apenas 30 pessoas envolvidas no projeto. Uma produção semelhante do jeito “convencional” envolveria o trabalho de pelo menos 250 profissionais.
“A IA, por natureza, reduz custos. Então, a expectativa é que a produção audiovisual como um todo fique mais barata daqui para frente”, diz Anderson Soares, coordenador científico do Centro de Excelência em IA da Universidade Federal de Goiás (UFG), em entrevista ao NeoFeed.
"Porém, essa redução de custo permite a inclusão de novos players no segmento, que antes ficavam de fora por causa dos preços proibitivos das grandes produções”, complementa.
Ele se refere a pequenas produtoras como a Neon, que foi responsável pelo sucesso Parasita, que ganhou o Oscar de melhor filme em 2020, além de outros nomes que estão despontando no mercado mundial, mesmo sem ter a potencia financeira dos gigantes de Hollywood.
Como relata o jornal The Wall Street Journal, empresas de entretenimento, como Disney e Netflix, estão experimentando a IA em trabalhos de produção, experiência do usuário e marketing.
“Mas muitas têm receio de que a adoção generalizada desagrade atores e roteiristas, cujas associações lutam por proteções contra ferramentas que, segundo elas, podem custar o trabalho de seus membros”, lê-se na reportagem.

Em junho deste ano, por exemplo, a empresa de IA Midjourney foi alvo de uma ação impetrada pela Disney e pela Universal sob o argumento de que ela faz cópias ilegalmente de obras protegidas por direitos autorais, como os personagens Darth Vader, Homer Simpson e os Minions. Na semana passada, foi a vez da Warner Bros. entrar com ação semelhante contra a companhia.
“Para mim, a questão principal na utilização da IA é a transparência. É preciso ser dito o que foi feito com IA e o que não foi, para evitar polêmicas como as que vimos no Oscar”, diz o crítico André Guerra, ao NeoFeed.
“Sempre existe a necessidade de ponderar no que a tecnologia está ajudando e quanto ela está tirando da indústria, o que é uma discussão muito profunda", complementa.
Segundo ele, um dos grandes riscos é a perda criativa. Diversas produtoras e empresas de grande porte, como Netflix e Amazon, têm utilizado a tecnologia para ditar o que será produzido ou não, com base na “perspectiva dos algoritmos”.
A estratégia envolve uma gestão do que está “bombando” nas plataformas de streaming. Isso acaba levando a uma produção em massa de filmes e séries dos mesmos gêneros e roupagens. Em sua visão, isso mina a criatividade dos diretores e o senso crítico dos espectadores.
“Esse modo de produção acaba domesticando muito o público, que se acostuma a ver um determinado tipo de filme e não quer se submeter a assistir algo que irá desafiá-los de qualquer forma”, explica Guerra.
“Isso cria bolhas cinematográficas que, no meu ver, serão o maior impacto de IA no mercado como um todo. Os filmes deveriam obedecer a uma visão criativa e artística, não a um algoritmo”, complementa.
Ele diz que já é possível ver esse movimento nos cinemas, ainda que em menor escala. Após anos de destaque para filmes de super-heróis, hoje, as salas lotam com produções cada vez “menos criativas” como live actions e sequências de obras já consolidadas. “Esse processo resultou na diminuição da originalidade das produções e também na infantilização do público.”