Uma expectativa enorme, um caminhão de dinheiro em investimentos e os nomes mais badalados de Hollywood. Esses eram alguns dos ingredientes que estavam no roteiro escrito pelo badalado executivo Jeff Katzenberg para o lançamento de sua plataforma de streaming Quibi. Acontece que a história acabou se convertendo em um grande drama para a empresa e seus investidores.
A companhia, que levantou US$ 1,8 bilhão em investimentos, lançou o seu serviço em plena quarentena, o que foi considerado por muitos no mercado um de seus maiores erros de estratégia. O próprio Jeff Katzenberg, o idealizador do negócio, já até assume publicamente que foi um erro. Mas põe a culpa na Covid-19.
"Tudo o que aconteceu de errado eu atribuo ao novo coronavírus. Tudo", disse Katzenberg, fundador da Dreamworks e ex-CEO da Disney, em entrevista ao The New York Times, se eximindo da responsabilidade sobre as decisões tomadas. O novo coronavírus, é verdade, tem sido mortal para a economia e para os negócios, mas não foi o temido vírus que colocou a plataforma no ar.
Levado ao ar no começo de abril, o aplicativo de vídeos curtos para celular, queria surfar na onda dos streaming, que ganhou tração com as regras de distanciamento social que "prendeu" em casa milhões de pessoas. Para ter uma ideia do quão aquecido está o mercado de streaming, a recém-lançada plataforma da Disney, a Disney +, atingiu a marca de 50 milhões de assinantes em apenas cinco meses, uma marca que era projetada só depois de dois anos de operação.
O que os executivos da Quibi não previam, contudo, é que seu modelo de negócio e entretenimento não se encaixaria nessa nova realidade. O nome Quibi, que vem de “quick bites”, significa algo como “mordiscadas”, e resume bem o conteúdo curto feito para entreter quem espera um elevador, o ônibus ou o café. Nenhuma dessas atividades acontece em ritmo normal durante a quarentena – e agora ninguém sabe se um dia voltarão.
Esse desencontro de expectativa e realidade teve um efeito desastroso. O app não conseguiu se manter sequer uma semana na lista americana dos aplicativos gratuitos mais baixados no iPhone. A empresa de pesquisa Sensor Tower conta 2,9 milhões de downloads, embora a Quibi apresente outro número – 3,5 milhões.
De qualquer forma, daqueles que baixaram o aplicativo, apenas 1,3 milhão continuam ativos. Mesmo com nomes de peso, como Sophie Turner, Chrissy Teigen, Jennifer Lopez, LeBron James, entre outros, o serviço ocupa agora a posição 125 do ranking de apps mais requisitados, atrás até de aplicativos de educação de novos idiomas, como Duolingo.
Katzenberg lamenta a audiência. "Não é o que queríamos. Não está nem perto do que queríamos", afirmou. Outros tropeços também marcam os primeiros passos da Quibi. A empresa foi processada pela startup de vídeos interativos Eko, que detém a patente da tecnologia giroscópica, que permite o usuário mude a tela do celular sem necessariamente afetar o que está sendo reproduzido ali.
"Não é o que queríamos. Não está nem perto do que queríamos", afirmou Jeff Katzenberg, CEO da Quibi
Durante audiência, os advogados da Quibi atribuíram ao chefe de engenharia os créditos pelos códigos usados na plataforma, mas a Eko, que tem a Elliot Management como investidora, insiste que ele apenas alterou algumas partes para tentar evitar disputas judiciais.
Enquanto um parecer final não é dado pelas autoridades, a plataforma se ocupa com outro problema – a "debandada" de diretores. Desde o ano passado a companhia vem sofrendo sucessivas baixas significativas.
O primeiro a sair, em julho do ano passado, foi Tim Connolly, ex-Hulu, que atuava na Quibi como chefe de parcerias e publicidade. Em setembro foi a vez de Janice Min desembarcar da plataforma – ela liderava a equipe do Daily Essencial, programa jornalístico da casa.
Depois de 10 meses na empresa, Diane Nelson se despediu em novembro da startup onde atuava como head de operações e conteúdo. Por fim, Megan Imbres, que comandava o departamento de conteúdo de marketing, entregou seu crachá em abril deste ano, poucos dias após o app chegar ao público.
Os desligamentos não foram comentados, mas a saída de Imbres indica mudanças mais profundas. Dado seu ineditismo, o aplicativo vinha anunciando seu serviço como um todo, mas agora o objetivo é promover suas atrações. Da mesma forma como Netflix, Hulu e outros streaming apostam no poder de suas séries e filmes, a Quibi também vai comunicar seu conteúdo original.
Paralelamente, a empresa vai baixar suas guardas a outros dispositivos. Embora bata na tecla de que toda sua programação seja feita especialmente para smartphones, a companhia vai permitir que os usuários acompanhem seus shows prediletos em computadores e aparelhos de tevê.
Há duas semanas, inclusive, a Quibi subiu parte de três de suas séries no YouTube – uma estratégia bastante criticada, porque seria um indicativo do insucesso de seu modelo de negócio."A gente achou que tinha acertado em um monte de coisas, mas agora, que um monte de gente está usando nossos serviços, percebemos que vários detalhes escaparam", afirmou Katzenberg.
Esse balde de água fria obriga a empresa a refazer suas projeções. A expectativa era a de que a plataforma arrecadasse US$ 250 milhões em assinaturas no primeiro ano, mas já se sabe que a cifra real deve ser muito menor. A mensalidade da plataforma é de US$ 4,99 para acessar a programação, com comerciais, e US$ 7,99 sem.
Da mesma forma, o ritmo de lançamento de conteúdo no app deve ser mais vagaroso. A ideia era colocar no ar 175 shows, totalizando 8,5 mil capítulos, nos primeiros 12 meses, mas as paralisações das gravações por conta da pandemia desaceleraram os planos da startup.
Mas como nem só de má notícias vive uma estreia, o alento de Katzenberg é saber que 80% dos usuários assistiram até o final os capítulos que se propuseram a ver. Vale lembrar, contudo, que o vídeo mais longo na plataforma tem 10 minutos.
A Quibi já tem todas as cotas de publicidade vendidas para seu primeiro ano de operação. O streaming para celulares levantou US$ 150 milhões com marcas como Pepsi, General Mills, Google, T-Mobile, Walmart, Taco Bells e outras. O montante não entra para o conta dos US$ 1,8 bilhão de investimentos arrecadados com os maiores estúdios de Hollywood e a gigante chinesa Alibaba.
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