Em 2019, a Amazon entregou com sua logística própria 3,5 bilhões de pacotes no mundo. Só nos Estados Unidos, foram 2,3 bilhões de pacotes.
Os dados fazem parte de um relatório do Bank of America, que mostra que a varejista virtual fundada por Jeff Bezos investiu US$ 60 bilhões nos últimos seis anos em logística e administra 1,1 mil centros de distribuição espalhados pelo mundo, com uma capacidade de armazenagem equivalente a 7,3 mil campos de futebol americano.
O Bank of America estima ainda que a gigante do varejo online pode ser responsável pela entrega entre 7,5 bilhões e 9, bilhões de pacotes nos Estados Unidos em 2025. Mais: a Amazon teria potencial para capturar até 15% das entregas globais de terceiros. Em 2025, seu negócio de logística poderia valer US$ 230 bilhões, de acordo com o banco de investimento.
Por esse motivo, não chega a ser surpreendente quando o ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse que há vários interessados na privatização dos Correios. Além dos suspeitos de sempre, como os operadores logísticos DHL e Fedex, o ministro citou também as varejistas Amazon e Magazine Luiza.
“Já tem pessoas, grupos interessados na aquisição dos Correios, então isso é importante, porque não teremos um processo de privatização vazio”, disse Faria, em entrevista ao canal Café com Ferri, do portal econômico TradersClub, na quarta-feira, 16 de setembro.
A intenção do ministro das Comunicações foi ratificada pelo presidente dos Correios, o general Floriano Peixoto, que confirmou os planos de privatização da instituição, dizendo que ela já está em andamento e é a mais indicada para torná-la em uma empresa mais moderna.
"A capilaridade da estatal é seu maior ativo: estar presente em todo o território nacional é uma vantagem de poucas instituições”, disse Peixoto, em entrevista ao UOL.
Nenhuma das empresas citadas pelo ministro das Comunicações quis comentar as declarações. E não há ainda uma indicação clara de como será o processo de privatização. Mas, no mercado comenta-se que a lista de interessados pelos Correios pode ser ainda maior. São citados como potenciais compradores a operadora logística UPS e os sites de comércio eletrônico Mercado Livre e Alibaba.
Mas por que haveria tantos interessados em uma empresa centenária, com aproximadamente 100 mil funcionários e que até pouco tempo atrás era deficitária? No caso dos varejistas virtuais, a resposta é simples.
“É fácil as empresas de comércio eletrônico reagirem rápido na questão de preço, promoção e conteúdo”, diz uma fonte com quem o NeoFeed conversou. “Em logística, é bem mais demorado.” E conclui: “A Amazon ‘matou’ o Walmart e outros com a entrega.”
E é nesse ponto que os Correios se tornam um ativo vital para quem quer estar um passo – ou melhor, uma milha - à frente no comércio eletrônico brasileiro. A empresa estatal é a única que está presente nos 5.570 municípios do Brasil. Ninguém, mas ninguém mesmo, tem a capilaridade dos Correios.
Segundo o balanço da empresa em 2019, os Correios contavam com 11 mil agências de atendimento, 99 mil funcionários e tinha faturado R$ 18,3 bilhões. O lucro, no ano passado, foi de R$ 102,1 milhões, contra um prejuízo de R$ 161 milhões em 2018.
Em uma eventual privatização, a empresa vencedora teria uma enorme vantagem na batalha da última milha, termo usado para denominar o momento em que as mercadorias saem de um centro de distribuição para seguir ao seu destino final na casa do cliente.
Mas o caminho para a venda dos Correios não é rápido, nem fácil. Um dos pontos que tornam essa trajetória mais lenta é o fato de que a empresa detém o monopólio do serviço postal e do correio aéreo nacional garantido pela Constituição. E, em razão disso, a privatização do ativo passa, necessariamente, pelo aval do Congresso.
Outra questão é o debate sobre como ficará a fiscalização do serviço, caso ele seja privatizado. E, por fim, como impedir que um eventual comprador priorize apenas os grandes centros urbanos, em detrimento das localidades mais distantes.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contratou a consultoria Accenture para a formatação da privatização dos Correios. Estão sendo estudados os casos de 12 países. A Alemanha é citada como exemplo a seguir.
O país, liderado atualmente por Angela Merkel, vendeu o controle acionário do Deutsche Bundespost, ex-estatal do setor de correspondência em 2000. Em 2008, quebrou o monopólio do serviço, abrindo o mercado para a competição. O governo, no entanto, ainda mantém participação minoritária na companhia.
Dependência?
Os grandes sites de comércio eletrônico já estão se preparando há anos para reduzir cada vez mais a dependência dos Correios para fazer as suas entregas.
Empresas como Mercado Livre, B2W, Amazon e Via Varejo desenvolveram contratos com transportadoras e startups de logística que aumentam o volume de entrega quando os funcionários dos Correios cruzam os braços – é o caso neste momento, com uma greve que já dura um mês.
Ao mesmo tempo, essas companhias estão criando suas próprias estruturas para reduzir a dependência do serviço estatal. No Mercado Livre, por exemplo, 96% das vendas totais do marketplace, no segundo trimestre de 2020, passaram pelo Mercado Envios, braço de logística da companhia. Dessa fatia, 51% foram feitas pela Melinet, a estrutura que oferece coleta, entrega e armazenagem de mercadorias.
No começo de setembro, o Mercado Livre anunciou também a aquisição de uma participação minoritária na Kangu, startup que habita pequenos comércios de bairro interessados em operar como minihubs de produtos comprados via e-commerce. Em troca, esses lojistas recebem uma comissão por cada pacote estocado em suas lojas.
O Magazine Luiza tem investido na formação de uma estrutura própria de entregas na última milha, com o apoio da Logbee, startup de logística comprada em 2018. Hoje, essa rede conta com 4 mil micro transportadores e motoristas.
A estratégia da B2W, dona das marcas Submarino e Americanas.com, passa pela LET’s, plataforma de logística e distribuição que inclui 17 operações no formato de fulfillment, além de alternativas como clique e retire, que envolvem os pontos de venda da Lojas Americanas.
E até mesmo a Via Varejo, que conta com as marcas Casas Bahia e Ponto Frio, que era considerada a retardatária nessa área, está se mexendo. Em abril, a companhia comandada por Roberto Fulcherberguer comprou a ASAP log, empresa de tecnologia que conecta lojas e entregadores.