Quem acha que crises são para os fortes não conhece a terapeuta de voz Cynthia Zhai. Num corpo franzino, cuja massa não passa dos 55 kg, a profissional de Cingapura mostra que o mundo é, na verdade, dos adaptáveis.
Autora dos livros "Influence Through Voice" e "Unleash Your Voice", Zhai já deu palestra em mais de 18 países e chegou a ser a atração principal do TEDx, versão da série de seminários TED. Ao longo dos 11 anos de carreira, visitou, a trabalho, 46 países em todos os continentes. Mas seu mundo ficou "mudo" no final de março.
Com as restrições impostas pelas autoridades, a fim de conter a pandemia, Zhai foi impedida de atender em seus consultórios, em Cingapura e em São Francisco, e tampouco pode viajar para ministrar palestras, workshops ou aulas particulares.
Além das limitações de deslocamento, a natureza de seu trabalho foi igualmente suspensa. A parte mais significativa de seus pacientes é composta por profissionais que querem imprimir mais confiança e autoridade em suas falas no ambiente profissional, mas com o home office institucionalizado, o tom da conversa era outro...
"Num primeiro momento, eu aproveitei o 'silêncio' para avaliar esse novo cenário a minha volta", conta a terapeuta ao NeoFeed. Familiarizada com plataformas de videoconferência, Zhai não teve trabalho quando alguns clientes optaram por se encontrar ali, online. "Em uma das minhas sessões percebi que o áudio e o microfone de computadores e celulares mudam a nossa voz, e que talvez aquilo pudesse ser explorado".
Em maio, ela postou um vídeo intitulado "como soar bem em ligações do Zoom" em seu canal do YouTube, onde conta mais de 40 mil inscritos. O vídeo teve mais do que o dobro de visualizações dos demais conteúdos postados ao longo do ano e quase quatro vezes mais comentários e interações, num claro indicativo de que, de fato, existia ali um mercado.
"Comecei a receber solicitações do mundo inteiro de pessoas interessadas em treinar suas vozes para atividades online. Um professor de matemática indiano, por exemplo, me procurou para mudar o ritmo de sua fala durante as aulas virtuais", explica.
Embora a demanda por esse trabalho possa diminuir quando a vida voltar ao "normal", Zhai não acredita em sua extinção. "Acho que muita gente vai dar continuidade ao trabalho remoto, e essa ferramenta pode ser importante", finaliza.
Quem também teve que descer do salto alto para se reinventar na pandemia foi a estilista Roxanne Carne, com base em Dallas, no Texas. Ela contou ao NeoFeed que, desde que estabeleceu seu negócio, há 7 anos, nunca esteve tão ocupada. "E essa movimentação atípica é mais impressionante se colocamos em perspectivas que eu praticamente não trabalhei durante os meses de março, abril e maio", diz.
Embora já atendesse um ou outro cliente por videoconferência antes da pandemia, agora 20% de sua clientela prefere o encontro virtual.
A estilista Roxanne Carne (esq.) e sua cliente
Mas não foram as ferramentas tecnológicas que lhe impuseram desafios, e sim as ocasiões que passou a ter que estilizar. "Bem, você sabe, está todo mundo trabalhando de casa e, no começo dessa crise, os moletons viraram uma espécie de uniforme", conta.
"Com o tempo, acho que as pessoas foram cansando desse tom informal, até porque entenderam que talvez essa nova estrutura seja permanente. Então passei a dar consultorias para que as pessoas saibam se vestir de maneira confortável, mas apropriada, para essas reuniões e encontros online".
Além de avaliar a roupa de seus clientes, Carne também palpita sobre o ambiente exibido ao fundo da tela. "Quando escolhemos um look, levamos em consideração o lugar, certo? Você não vai assistir um jogo de futebol e uma ópera com a mesma roupa, então é importante saber se o ambiente também harmoniza com a proposta da pessoa".
Para quem não tem o privilégio de trocar de ambientes físicos, a tecnologia permite ao menos a mudança do cenário virtual – e é isso que tem "salvado" Vidal Patel, arquiteto formado pela University of Southern California (USC). Atuando como freelancer em Los Angeles, o indiano viu boa parte de seus projetos serem cancelados ou adiados, mas se recusou a tirar seu talento de campo. "Mais ou menos no mês de abril, eu participei do aniversário virtual de um grande amigo. Como não tinha muito o que fazer, desenhei um background customizado para a ocasião, e acabei roubando a cena", afirma.
Ao final da festa, alguns dos "convidados" entraram em contato com Patel para solicitar cenários virtuais customizados. "Não tenho um valor tabelado, porque depende da complexidade de cada pedido, mas é claro que não ganho tanto quanto os projetos de arquitetura", explica. Mesmo menor, o valor é bem-vindo – "tem sido uma fonte de renda importante, porque a minha demanda está começando a voltar só agora, e aos poucos".
Para quem não quer que a mudança seja só do cenário virtual, a imobiliária Rasson Reality colocou online uma lista com opções de casas e apartamentos disponíveis para locação ou compra. Em geral, a "etiqueta" do mercado começa com uma ligação dos interessados e o arranjo de uma visita presencial, para um tour ao lado do agente comissionado. Essa segunda parte, porém, fica comprometida em um cenário pandêmico.
Como não pode se dar ao luxo de manter os imóveis vagos por muito tempo, seria preciso ajustar os protocolos. Ou criar uma nova metodologia do zero.A Rasson optou pela reinvenção, e criou há três meses um canal do YouTube, onde posta um "tour" completo pelas propriedades disponíveis.
"Filmar e editar um vídeo de 3 ou 4 minutos não é nenhuma estratégia disruptiva para muitos, mas essa prática mudou muito nosso dia-a-dia", disse Joseph Rasson ao NeoFeed. Segundo ele, esses clipes no YouTube servem como filtro: só insiste na visita presencial quem realmente está interessado no imóvel. "Eu diria que esse filme filtra 90% dos curiosos. Talvez até mais!".
Por tornar o processo todo mais dinâmico – e direto –, Rasson pretende dar continuidade às gravações de propriedades com ou sem pandemia. Pode ser que o mundo não seja nada normal ao final desta crise, mas novo ele já é para muita gente.
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