A história da Totvs está intimamente ligada a fusões e aquisições. A companhia fundada por Laércio Cosentino, que vale R$ 16,5 bilhões e faturou R$ 2,6 bilhões em 2020, já fez quase 40 negócios ao longo de sua trajetória de 37 anos.

Mas a maior transação de sua história aconteceu na semana passada, quando pagou R$ 1,861 bilhão por 92% pela RD Station, líder do mercado de marketing digital no Brasil, empresa fundada por Eric Santos, Guilherme Lopes, Bruno Ghisi, Pedro Bachiega e André Siqueira.

Desde que fez um follow on, em que captou R$ 1 bilhão, em 2019, a Totvs já fez cinco negócios em que desembolsou mais de R$ 2,6 bilhões. Hora, então, de colocar o pé no freio? Não para Dennis Herszkowicz, presidente da Totvs.

“Vamos continuar ativos. O nosso pipeline continua enorme, seguimos conversando com um monte de gente e com um monte de empresas que gostamos”, disse Herszkowicz, em entrevista ao NeoFeed.

Questionado se os alvos vão ser grandes, como um elefante, ou pequenos, o executivo respondeu. “Tem de tudo. Tem gnu, tem elefante, tem lebre.”

Nesta entrevista, Herszkowicz defendeu o preço pago pela RD Station, que foi avaliada em quase 10 vezes a sua receita projetada para 2021. “Para aqueles que acham que nós pagamos caro demais, eu convido para vir trabalhar no M&A da Totvs e tentar comprar a RD por menos do que pagamos.”

Ele também explicou como deve ser a integração da RD Station à Totvs, depois que o negócio for aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), e deu uma ideia das sinergias das operações.

“Hoje em torno de 10% de nossa base de clientes usa RD. Mas acredito que o produto da RD tem uma aderência ou encaixe para 90% de nossos clientes”, afirma Herszkowicz. Confira os principais trechos da entrevista:

Uma parte do mercado achou que a Totvs pagou um múltiplo alto demais pela RD Station. Afinal, a Totvs pagou caro?
Para aqueles que acham que nós pagamos caro demais, eu convido para vir trabalhar no M&A da Totvs e tentar comprar a RD por menos do que pagamos. Falei isso para vários investidores. Quando comparamos o grande peer da RD, que é a HubSpot, ela negocia a um múltiplo duas vezes maior do que a RD e cresce menos do que ela. Quando olhamos para um monte de empresa listadas, não vou citar nomes, que crescem bem menos do que a RD e que tem um portfólio bem mais complexo e desafiador do que a RD, elas negociam a múltiplos maiores também. E quando você pensa em uma empresa que cresce mais de 40% ao ano, esse múltiplo em dois ou três anos é menor do que o da própria Totvs (atualmente negociada em mais cinco vezes a receita projetada para 2021). Se a RD fizesse um IPO hoje, não tenho muita dúvida de que o mercado pagaria, com o pé nas costas, de 15 a 20 vezes a receita dela.

"Se a RD fizesse um IPO hoje, não tenho muita dúvida de que o mercado pagaria, com o pé nas costas, de 15 a 20 vezes a receita dela"

Mas os IPOs de empresas de tech no mercado brasileiro não tiveram um múltiplo tão alto quanto esse que a Totvs pagou,
Mas não precisa ser no IPO. Pega o pós-IPO de várias das empresas de tecnologia. Vê o múltiplo da Locaweb, do Méliuz e do Enjoei. Você vai ver que a RD, comparativamente, saiu bem barata.

Por falar em Locaweb, o preço saiu mais alto por conta da concorrência com a Locaweb?
Absolutamente não. A maior disputa que tivemos foi pelo caminho de IPO da RD. Essa sempre foi a opção que disputou conosco.

Conversei com algumas pessoas que participaram do deal e das negociações e eles me disseram: “o Dennis estava com sangue os olhos e não ia perder esse negócio de jeito nenhum”. Esse era um negócio que a Totvs não poderia perder depois de não conseguir comprar a Linx?
Todo deal a gente pode perder. Disse isso desde o começo no negócio da Linx. Muita gente achou que nós pagaríamos o preço que precisasse para levar a Linx. Teve gente que achou, inclusive, que era uma questão pessoal minha levar a Linx. Sempre disse e levei até o final: ‘nós vamos fazer aquilo que achamos que temos de fazer e vamos manter a disciplina que sempre tivemos’. E, no final da contas, não subimos o nosso preço nem uma vez e a Stone teve de subir o preço dela três vezes. Nós deixamos a Linx ir embora, porque não acreditávamos que ela valia mais do que o preço que estávamos dispostos a pagar. A RD surgiu muito antes da Linx. O namoro começou há quase dois anos. Fui à RD muito antes da pandemia. O Eric (Santos, CEO da RD Station) veio à Totvs várias vezes antes da pandemia. Foi um namoro muito longo. Era um deal que considerávamos muito importante. A RD é uma empresa única. Não tem duas RDs. Mas qualquer deal é “perdível”. O que não quer dizer que a gente não se esforçou muito para levar a RD. Queríamos muito levar. E levamos.

O mercado comenta também que as oportunidades de cross sell são imensas entre Totvs e RD. Pode dar números dessas sinergias?
Não posso dar guidance. O que posso dizer é que em torno de 10% de nossa base de clientes usa RD. Mas acredito que o produto da RD tem uma aderência ou encaixe para 90% de nossos clientes. Isso dá uma medida do tamanho da oportunidade que temos. E sabemos que hoje basicamente não existe empresa que não precise entrar em uma jornada digital e de mudar seu pipeline e seu funil de vendas. Isso, pela própria pandemia, se acelerou de uma maneira muito poderosa. Esses números dão uma medida só de um pedaço do cross sell. Mas temos também certeza de que há aderência das soluções da Totvs em um percentual muito parecido na base da RD.

"O que posso dizer é que em torno de 10% de nossa base de clientes usa RD. Mas acredito que o produto da RD tem uma aderência ou encaixe para 90% de nossos clientes"

Qual o número de clientes da Totvs e da RD?
A Totvs tem 40 mil clientes. A RD, 25 mil.

Como a RD vai ser integrada à Totvs?
Em primeiro lugar, o negócio precisa de aprovação do Cade pelo tamanho das duas empresas. O esquema de integração é muito parecido com o da Supplier. Os fundadores da RD continuam como acionistas da companhia (eles mantêm uma fatia de 8%). O Eric segue como CEO e vai ter um grau de autonomia bastante parecido com o que ele tem hoje. Claro que essa autonomia vai estar ligada à performance. Quanto melhor a performance, mais autonomia vai ter. Quanto menor, obviamente, menor a autonomia. É um frame bem equilibrado e que preserva a cultura da RD. Ao longo do tempo, vamos encontrar, a quatro mãos, os pontos de convergência e sinergias. A RD tem muito para ensinar à Totvs. Tem muitos elementos de juventude e jovialidade para nós. Pelo nosso lado, temos muito o que passar para eles do ponto de vista de governança, de maturidade e de operação.

Como ela se encaixa na estratégia da Totvs?
Há pouco mais de dois anos, desenhamos uma estratégia de ecossistema em três dimensões: um de gestão, um de techfin e um de business performance. O que está por trás dessa estratégia? É o reconhecimento de que a essência da Totvs é atender e prover tecnologia para pequenas e médias empresas brasileiras. Até pouco tempo atrás, bastava prover ERP e RH. Hoje em dia já não é mais suficiente. Essas pequenas e médias empresas querem mais. Elas querem um ‘cara’ que resolva mais questões. E chegamos à conclusão que serviços financeiros e soluções que ajudem os clientes a vender mais, que é o que chamamos de business performance, são duas adjacências naturais do ERP, pois bebem da mesma fonte, que é o big data. A RD entra nesse contexto. É uma peça-chave, fundamental e central dessa nossa dimensão de business performance. O ERP é o grande back. Ela vai ser o grande front para essa base de clientes gigantesca que temos.

Mas para ficar claro: ela será uma unidade independente e vai responder a você?
Ela responde ao Juliano Tubino (vice-presidente de estratégia e novos negócios da Totvs) e será uma unidade de negócios independente. É o mesmo modelo da Supplier, que testamos desde o fim de 2019 e que tem dado super certo. É uma experiência que estamos contentes e estamos aplicando vários dos elementos que aprendemos na Supplier com a RD.

A Totvs fez um follow on e captou R$ 1 bilhão em 2019. Com a compra da RD Station, da Supplier, da Consinco, da Wealth Systems e da Tail, a Totvs já gastou mais de R$ 2,6 bilhões em aquisições. Como estão financiando essas aquisições?
Em primeiro lugar, a Totvs é uma empresa extremamente rentável. A gente tem uma conversão de Ebitda em caixa muito forte. A margem Ebtida chegou a 24%. A gente gera muito dinheiro. E ele serve como uma fonte importante de financiamento de M&A. Mas, no caso específico de RD, estamos usando dívida. Não posso comentar mais sobre o formato da dívida, por restrições regulatórias.

O M&A sempre fez parte da estratégia da Totvs. Vocês seguem ativos ou com a compra da RD vão dar uma pisada no freio?
Vamos continuar ativos. O nosso pipeline continua enorme, seguimos conversando com um monte de gente e com um monte de empresas que gostamos. Agora, não posso dizer se a gente vai fazer algo no curto, no médio ou longo prazo. Até porque a gente não controla. Como sempre brinco: M&A é igual ao Garrincha falando com o Vicente Feola (técnico campeão mundial com a seleção brasileira de futebol em1958): você precisa combinar com os russos. Não adianta colocar no quadro negro a tua parte, se o outro lado não cooperar, não tem negócio.

"O nosso pipeline continua enorme, seguimos conversando com um monte de gente e com um monte de empresas que gostamos"

Mas a Totvs ainda tem recursos?
Sim, sempre temos. A Totvs gera um caixa muito grande. Ela desalavanca muito rápido.

Como vão ser os alvos agora: vocês estão de olho em um elefante ou em algo menor agora?
Tem de tudo. Tem gnu, tem elefante, tem lebre.

Pode-se esperar a Totvs muito ativa no mercado?
Sem dúvida. M&A é parte do DNA da Totvs. Enquanto estiver operando, vamos estar avaliando e fazendo M&As.

Stone e Linx uniram uma empresa de pagamento com uma de software. A Totvs tem interesse em comprar a Cielo?
Não posso dizer nada sobre qualquer empresa em particular. Não posso te dar uma resposta como essa. A gente respeita e conhece o pessoal lá superbem, mas não posso te dar nenhuma informação a mais.