O ex-atacante Roberto Baggio está associado a uma das melhores lembranças do torcedor de futebol brasileiro. Foi graças ao pênalti que o italiano perdeu, ao chutar a bola por cima do travessão, que o Brasil conquistou o tetracampeonato na Copa do Mundo nos EUA.
Para Baggio, no entanto, aquele 17 de julho de 1994 representa o maior pesadelo de sua vida profissional, encerrada em 2004, após 22 anos de carreira. A recordação amarga ganha destaque no longa-metragem “O Divino Baggio”, uma das atrações da Netflix a partir do dia 26 de maio.
Não se trata de um documentário e sim de um filme inspirado em sua vida, passando por seus altos e baixos. Ou melhor, do céu ao inferno. Baggio, que serviu de consultor na produção, realizada pela Fabula Pictures, é interpretado pelo ator italiano Andrea Arcangeli, mais conhecido pelo papel de Yemos, na série “Romulus”, lançada no ano passado pela Sky italiana.
A proposta é justamente mostrar como é injusto definir o ex-atacante, atualmente com 54 anos, apenas pelo pênalti desperdiçado. Baggio foi muito mais do que aquele jogador que saiu do campo derrotado e cabisbaixo, andando lentamente, após ser consolado pelo goleiro brasileiro Taffarel.
Natural de Caldogno, na região do Vêneto, Baggio é o único atleta italiano que jogou em três Copas do Mundo (1990, 1994 e 1998), pela “Squadra Azurra”, marcando gols nas três edições.
“Onde termina a minha habilidade, começa a minha fé”, diz o protagonista no filme, usando o característico rabo de cavalo. O corte de cabelo, usado por muitos anos, garantiu a Baggio o apelido de “il divin codino” (o divino rabo de cavalo), que é o título da produção em italiano.
Em várias entrevistas que deu, o ex-jogador sempre brincou que foi Ayrton Senna, o piloto brasileiro morto em 1994, quem “puxou a bola para o alto”. Até porque Baggio nunca tinha cobrado um pênalti por cima do travessão antes. Ele era excelente na tarefa, como o próprio enfatizou em sua autobiografia, lançada em 2001, intitulada “Una Porta nel Cielo” (Uma Porta no Céu).
“Não quero me gabar, mas só perdi alguns pênaltis em minha carreira. E isso aconteceu porque o goleiro o defendeu e não porque eu chutei fora”, escreveu o ex-craque no livro. Em sua trajetória, das 127 penalidades máximas que bateu em jogos oficiais, ele perdeu 19.
“Não há explicação fácil para o que aconteceu em Pasadena”, recordou ele, referindo-se ao estádio Rose Bowl, na cidade californiana, palco da final da Copa de 1994. “Eu sabia que Taffarel sempre se jogava para um dos lados. Então decidi chutar no meio e um pouco para cima, para que ele não pudesse pegar. Foi uma decisão inteligente porque Taffarel foi para a esquerda e nunca teria defendido o chute que eu havia planejado”, continuou ele.
Baggio até hoje não entende como a bola subiu três metros. “Mas só os que têm coragem de cobrar o pênalti podem errá-lo. Falhei daquela vez. E isso me afetou por anos. É o pior momento da minha carreira. Ainda sonho com isso. Se pudesse apagar um momento profissional, seria esse”, escreveu o ex-jogador.
A escolha de uma cineasta mulher, Letizia Lamatire, para dirigir “O Divino Baggio”, veio ao encontro da proposta de lançar um olhar mais humano sobre o mito.
Em entrevista do produtor do filme, Marco De Angelis, concedida às agências italianas, ele afirmou que a obra precisaria de “profundidade, sensibilidade feminina e de uma habilidade para capturar os momentos mais ternos e íntimos” de Baggio.
A trajetória esportiva do ex-craque é revisitada paralelamente à vida pessoal, retratada desde a sua infância. A família, os amigos e sua conversão ao budismo ganham o mesmo peso que as conquistas em campo.
Eleito pela FIFA como o melhor jogador de 1993, mesmo ano em que recebeu a Bola de Ouro, Baggio passou por clubes como Fiorentina, Juventus, Milan, Bologna, Inter de Milão e Brescia, onde se aposentou, aos 36 anos.
Alguns dos gols memoráveis de Baggio são recriados por efeitos especiais no filme, que também resgata os desentendimentos que o jogador tinha com seus treinadores. Sua carreira foi marcada por problemas e polêmicas com técnicos, devido ao seu perfil mais questionador.
Com roteiro criado a partir da consultoria que Baggio deu à equipe do filme (além da sua autobiografia), há detalhes curiosos e pouco conhecidos sobre sua vida na produção. Como o dente que o ex-craque quebrou durante a semifinal da Copa do Mundo de 1994 ao trombar com um jogador da Bulgária.
Como não havia tantas câmeras espalhadas pelos campos de futebol, como acontece hoje, ninguém registrou o ocorrido. Mas o feito de Baggio, que liquidou o time adversário, fazendo dois gols em apenas quatro minutos, aos 21 e aos 25 minutos logo no primeiro tempo, entrou para a história.