O brasileiro que quiser guardar seu dinheiro e fazer pagamentos por meio de uma conta digital (incluindo as carteiras de pagamentos) tem hoje 128 opções de empresas à sua disposição, de todos os tipos e tamanhos. Desde pequenas startups até as wallets dos grandes bancos, passando pelas carteiras dos varejistas e marketplaces.

Em um mercado regulado e com tantos competidores, é razoável supor que haja cada vez menos espaço para diferenciação. Se tomarmos os aplicativos mais usados e compararmos as experiências nos principais processos/serviços (cadastro, consultas/extrato, pagamentos, cartão de crédito/débito, investimentos e atendimento), podemos dizer que todos estão se tornando cada vez mais parecidos.

Ainda há espaço para diferenciação no atendimento, que muitos ainda deixam a desejar. Mas nas demais funções são todos muito parecidos. Muda o design, porém, em sua maioria, na operação propriamente dita, eles são igualmente simples e fáceis de usar.

Então onde estará a próxima fronteira de diferenciação? A marca é importante, claro, porém sua relevância varia, em grande parte, de acordo com as posses do consumidor. Quanto mais dinheiro ele tem, mais preocupado ele estará com a marca, a empresa, a solidez de seu balanço financeiro. Afinal de contas, ele tem algo a perder com uma escolha errada. Para a grande massa, a experiência continuará sendo o fator mais determinante na escolha da empresa.

Mas, se a experiência está muito parecida, o que resta? É aí que entra a próxima fronteira de competição nesse segmento: o uso inteligente de dados. Por exemplo: um extrato pode ser exibido em forma cronológica ou pode ser inteligente a ponto de descobrir que transação o usuário está buscando e exibir diretamente esta informação.

O sistema antifraudes do cartão de crédito pode rejeitar uma despesa de valor atípico, como acontece comumente hoje, ou pode ser inteligente a ponto de aprovar uma despesa com valor muito acima da média de gastos, ao detectar que se trata de uma conta num restaurante que é muito conceituado numa região próxima à casa do usuário, a noite, no dia do seu aniversário de casamento.

Já os robôs que auxiliam nos investimentos podem recomendar um portfólio para um investidor moderado, como já fazem hoje, ou podem ser capazes de perceber que o usuário acabou de se formar num curso de pós-graduação, terá uma importante despesa a menos, e podem sugerir que o valor que ele antes pagava de mensalidade do curso seja aplicado num fundo de ações de longo prazo.

Se pararmos para pensar, o uso inteligente de dados já é uma realidade em diversos segmentos. A Amazon nos recomenda produtos a cada vez que abrimos o site ou o aplicativo, com base nas nossas recentes navegações. A Netflix é uma outra referência em recomendação de filmes e séries. O Uber está cada vez melhor em “adivinhar” para onde o usuário vai, colocando o endereço de destino como primeira opção.

O uso inteligente de dados já é uma realidade. A Amazon nos recomenda produtos a cada vez que abrimos o site. A Netflix é uma outra referência em recomendação de filmes e séries

Noutro dia, em um sábado à noite, abri o aplicativo e ele imediatamente colocou o endereço da casa dos amigos onde íamos jantar. Fiquei tentando lembrar o último dia em que havíamos ido lá e qual a associação que ele criou em seu algoritmo, que lhe permitiu adivinhar para onde eu ia. Não consegui descobrir, mas o fato é que ele acertou.

Instagram e Facebook parecem ouvir o que falamos e acertam cada vez mais em cheio nas ofertas de anúncios. E elas chegam cada vez mais rápido também, aproveitando-se da propensão às compras por impulso. Com isso tudo fazendo parte do nosso dia a dia, até estranho quando abro o Spotify e ele não sabe se quero ouvir música clássica, jazz ou se estou na academia! Como assim? Será que seus algoritmos não têm inteligência para isso?

Esta é a experiência que fará a diferença nos próximos anos no mercado financeiro. Em um primeiro momento, vamos ouvir usuários se sentindo invadidos, muitos vão alegar o direito à privacidade. Porém, aos poucos, ficaremos intolerantes aos sistemas "burros". Quem pensaria atualmente em baixar um aplicativo com um GPS para ver um trajeto, se ele não for capaz de detectar um acidente no caminho ou uma rua engarrafada?

Com as instituições financeiras vai acontecer algo parecido. O GPS do passado vai ser o extrato em ordem cronológica, a oferta de crédito para o seu segmento ou a recomendação de investimento para o seu perfil. E, no Brasil, até o órgão regulador está dando uma força para esse movimento, com o Open Banking. Porém, ele é só a ponta desse iceberg.

*Guilherme Horn é autor do best seller “O Mindset da Inovação”, professor da Singularity University e diretor de estratégia e inovação do BV.