A cidade de Dijon, a cerca de 300 quilômetros de Paris, reúne agora dois patrimônios culturais imateriais da humanidade inscritos na lista da Unesco: o clima dos vinhedos da Borgonha e a gastronomia francesa, que acaba de ganhar um “templo” para promover a arte de comer e beber bem no país, com variadas atividades.

Inaugurada em 6 de maio, a nova Cidade Internacional da Gastronomia e do Vinho (CIGV) em Dijon, um projeto que levou dez anos para ser realizado, atraiu cerca de 18 mil visitantes no primeiro final de semana de funcionamento. O espaço de 6,5 hectares (65 mil m2) é situado em uma área com 800 anos de história, onde funcionava o antigo hospital do Santo-Espírito, fundado em 1204, e que não era acessível a boa parte dos habitantes.

O projeto da CIGV custou 250 milhões de euros, sendo que cerca de 90% foi financiado pelo setor privado. Os principais investidores são os grupos Eiffage, da construção civil, que realizou as obras no local; K-Rei, do setor imobiliário; e Épicure, da área de hotelaria, gastronomia e lazer, dono da adega La Cave de la Cité e dos restaurantes no local.

As possibilidades para descobrir (e também saborear) nesse local a tradição francesa da refeição gastronômica, considerada pela Unesco, em 2010, patrimônio da humanidade, são inúmeras: exposições permanentes e temporárias, ateliês para realizar receitas ou adquirir conhecimentos na área de vinhos, masterclasses com grandes chefs, restaurantes – sendo dois deles dirigidos pelo chef Eric Pras, o único a ter três estrelas no guia Michelin na região – e um “vilarejo gastronômico” com lojas dos mais variados tipos de produtos do “terroir” francês (ligado a uma região) e de utensílios de cozinha, além de uma livraria especializada.

Também não faltam opções na área de vinhos aos visitantes da CIGV. A adega La Cave de la Cité reúne três mil referências de vinhos para degustação, entre as quais mil da Borgonha e mil rótulos internacionais.

No local, 250 vinhos, inclusive grandes safras consideradas excepcionais, podem ser consumidos por copo. Esse serviço, que inclui vinhos mais raros, é possível graças a um sistema especial que permite conservar a bebida após a abertura da garrafa. Também há uma Escola dos Vinhos da Borgonha destinada a amadores, com ateliês de degustação e noções sobre o solo dos vinhedos, clima da região e de harmonização de vinhos com pratos.

A Cidade Internacional da Gastronomia e do Vinho possui uma área de 1,7 mil m2 de exposições, dividida em espaços de mostras permanentes e temporárias ( foto: Vincent Arbelet)

A história de Dijon, capital da Borgonha/Franche-Comté (de onde vem o famoso queijo Comté) e capital histórica dos duques de Borgonha, está diretamente ligada à dos grandes vinhos dessa região. Até meados do século 19, Dijon ainda produzia grandes safras.

É na área desse novo complexo dedicado à gastronomia que se situa o primeiro quilômetro da chamada rota dos Grands Crus de Borgonha, a primeira criada na França e que alguns chamam de “Champs-Elysées da Borgonha”. Desde o final do ano passado, Dijon também passou a ser a sede da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIVV), transferida de Paris.

A Cidade Internacional da Gastronomia e do Vinho possui uma área de 1,7 mil m2 de exposições, dividida em espaços de mostras permanentes e temporárias, como a realizada atualmente sobre “os segredos dos doces franceses”, com o apoio do chef doceiro Pierre Hermé, famoso por seus macarons.

As exposições permanentes apresentam desde a origem da gastronomia francesa a experiências interativas e sensoriais, que destacam os cinco sentidos colocados em ação quando as pessoas cozinham ou degustam uma refeição. Uma delas propõe um videogame “pânico na cozinha”, com o desafio de cozinhar receitas em um tempo limitado. Na capela do antigo hospital, o visitante pode descobrir o patrimônio gastronômico da região da Borgonha-Franche-Comté e especificidades sobre o clima de seus vinhedos.

Exposição " o segredo dos doces franceses" com apoio de chef Pierre Hermé (foto: Vincent Arbelet)

O “templo” da gastronomia em Dijon não poderia deixar de ter uma escola renomada de cozinha, a Ferrandi, que existe há mais de um século em Paris. No local, há cursos profissionais, em inglês, para se lançar em uma carreira culinária, e também para amadores, em francês, sobre os fundamentos da cozinha e da doceria francesas.

É necessário comprar ingresso apenas para ver as mostras e participar das atividades, como ateliês culinários. É possível circular livremente pela Cidade Internacional da Gastronomia e do Vinho, já que é um espaço público. Os preços variam de 13€ para a visita dos quatro espaços de exposições e a degustação de duas taças de vinho na Cave de la Cité, a 25€, que nesse caso inclui ainda uma aula de 40 minutos sobre dicas de chefs ou uma iniciação à degustação de vinhos. Já os preços dos ateliês culinários no espaço “cozinha experiencial” são fixados em função do tema e da duração do curso.

O complexo da Cidade Internacional da Gastronomia e do Vinho é também um projeto de transformação urbana, que realizou uma metamorfose na área de um antigo hospital, dando uma segunda vida a edifícios construídos entre os séculos 15 e 18. No local, onde já há uma área de vegetação protegida pelo patrimônio, foi construído um “bairro verde” com 600 moradias. Há também um cinema com nove salas e um hotel Hilton, com 125 quartos, um restaurante e um spa com piscina, situado em prédios históricos do local, deve ser inaugurado no próximo ano.

Espaço para exposições sensoriais

Dijon também possui tradição na área de inovação no setor agroalimentar, com startups já em atividade na cidade há alguns anos. Por esse motivo, elas ganharam um espaço especial na CIGV, um “vilarejo” com cerca de 15 startups lideradas pela Vitagora e a FoodTech Bourgogne-France-Comté, com o objetivo de se tornar um centro de competências e de intercâmbios em relação ao tema.

O prefeito de Dijon, François Rebsamen, prevê que a nova CIGV poderá atrair um milhão de visitantes por ano. É considerável para uma localidade que possui, com sua periferia próxima, cerca de 260 mil habitantes. Antes da pandemia de Covid-19, Dijon atraía, em média, 3,5 milhões de turistas por ano, de acordo com o Escritório de Turismo da cidade. Há inúmeros roteiros de passeios enológicos pela região.

Com esse “templo” voltado para a alimentação e vinhos da França, Dijon, também famosa por sua mostarda, pode ser considerada uma das capitais francesas da gastronomia. Após a refeição gastronômica dos franceses ser considerada patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Unesco, o Estado francês, por intermédio da Missão Francesa do Patrimônio e das Culturas Alimentares, escolheu, entre diversas candidaturas, uma rede de quatro cidades para promover a gastronomia do país aos franceses e estrangeiros: Dijon, Lyon, Paris-Rungis (onde fica o mercado de Rungis destinado aos profissionais do setor, um dos maiores do mundo) e Tours.

A nova escola renomada de cozinha Ferrandi, que existe há mais de um século em Paris ( foto: Vincent Arbelet)

O complexo de gastronomia de Lyon já havia sido inaugurado, mas foi fortemente impactado pela pandemia de Covid-19 e está sendo reformulado. Há previsão de que  possa ser reaberto no próximo ano. Em Paris e em Tours o projeto ainda está em obras. Por enquanto, Dijon pode se autodenominar a única capital da gastronomia francesa já em funcionamento.