O humor sofisticado do gaúcho Luis Fernando Verissimo, sobretudo na hora de criticar com sutileza e inteligência os costumes do brasileiro, ganha novamente as telas. Após a paródia de detetive “Ed Mort” (1997), baseada em personagem criado em 1979, o livro “O Clube dos Anjos”, de 1998, inspira comédia homônima sobre a masculinidade tóxica.

Com lançamento previsto para novembro, a adaptação cinematográfica fez sua première nacional na 50ª edição do Festival de Gramado, encerrada ontem à noite. A trama acompanha os jantares de um grupo de sete amigos que se reúne todo mês, desde a juventude, para dividir os prazeres da mesa e fazer reflexões existenciais.

Por serem bem-nascidos, esses homens nunca precisaram se esforçar para nada na vida, o que resultou em tipos falidos tanto no plano material quanto no moral. A câmera de Angelo Defanti, o diretor do filme, passeia aqui por um universo estritamente masculino.

“Mas com o intuito de desempoderar o clube do Bolinha. Nesse circuito fechado em que a trama é ambientada, a asfixia sofrida por eles é amplificada”, conta Defanti, em Gramado, onde “O Clube dos Anjos” foi muito aplaudido no Palácio dos Festivais.

Tanto o livro quanto o filme alfinetam a elite branca masculina que não soube aproveitar o que herdou dos pais, desperdiçando a chance de contribuir com a sociedade. Vividos por Otávio Muller, Marco Ricca, Paulo Miklos, Angelo Antônio e Augusto Madeira, entre outros atores, os personagens estão sempre saudosos dos velhos tempos, da vida de mais privilégios e, consequentemente, dos banquetes ainda mais nababescos.

E com a masculinidade tóxica em baixa no mundo moderno, o enredo saído da imaginação de Verissimo se conecta facilmente com os novos tempos. A ponto de o espectador se divertir quando o primeiro dos amigos de paladar apurado morre no dia seguinte a um jantar, preparado por cozinheiro misterioso (interpretado por Matheus Nachtergaele).

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“Não se trata de uma ode aos homens. O foco cai no está errado nesses sujeitos siderados que colocam as suas vontades e seus desejos, inclusive a gula, como a coisa mais importante do mundo”, diz a produtora Bárbara Defanti, que realizou a comédia com R$ 4,6 milhões.

Embora os direitos do livro de Verissimo tenham sido comprados em 2009, as filmagens só foram iniciadas em 2018 – por este ser o primeiro longa-metragem do cineasta. “Passei três semanas em Porto Alegre, encontrando com Verissimo dia sim e dia não, para trocarmos ideias sobre o roteiro. Inicialmente, precisei mergulhar na sua obra para conseguir rearticulá-la”, afirma o diretor, que teve total liberdade na transposição para o cinema.

E o que Verissimo achou da adaptação? “Ele não é de falar muito, como todos sabem. Mas, com o pouco que falou, deu a entender que gostou”, conta Defanti. O cineasta organizou uma sessão particular, assim que o filme ficou pronto, em 2019, para apresentá-lo ao autor e à esposa, Lúcia.

“A primeira coisa que Verissimo me falou, quando as luzes foram acesas, foi: Você mudou os meus assassinados. Mas logo depois citou outras histórias dele que poderiam render adaptações. Foi um sinal de que ele gostou”, afirma Defanti. Como curta-metragista, o diretor já tinha adaptado outras obras do escritor: “Maridos, Amantes e Pisantes" (2007) e “Feijoada Completa’’ (2012).

“Daí nasceu a confiança da família em Angelo. E ficamos satisfeitos com o olhar mais contemporâneo que ele deu à adaptação de ‘O Clube dos Anjos’”, conta o filho do escritor, Pedro Verissimo, que compareceu à projeção do filme em Gramado. “Meu pai está se recuperando de vários problemas de saúde”, diz, justificando a ausência do autor, atualmente com 85 anos.

Graças à aproximação da família Verissimo, Defanti está trabalhando na pós-produção de um documentário sobre o escritor, um dos mais respeitados do país. A estreia está prevista para o final do ano.

“A filmagem teve início no aniversário de 80 anos do meu pai. É um olhar muito íntimo sobre a vida tranquila que ele leva em Porto Alegre, onde mora na casa que foi de meu avô”, diz Pedro, referindo-se a Érico Verissimo (1905-1975), também escritor.

Mesmo antes de estar com a saúde fragilizada, Verissimo já saía pouco da “toca”, como conta o seu filho. Mas o autor conhecido pela discrição garantiu à equipe de ‘‘O Clube dos Anjos’’ que abrirá uma exceção.

“Quando todos nós encontramos Verissimo, na ocasião da Bienal do Livro, antes da pandemia, ele passou todo o jantar quietinho. Mas, no final, ele me puxou e disse: Se o filme for indicado ao Oscar, eu quero ir com vocês”, conta Otávio Muller, rindo.