Num setor que tradicionalmente já é “nervoso”, o varejo vive dias ainda mais tensos nesse início de 2023. Em especial, pela recuperação judicial da Americanas, após a divulgação de um rombo de R$ 20 bilhões na operação, cuja extensão, para a empresa e o mercado, ainda não é possível mensurar.
Outros casos têm contribuído para ampliar essa temperatura. Entre eles, o fechamento de uma fábrica da Guararapes, dona da Riachuelo, em Fortaleza (CE), com cerca de duas mil demissões. E, diante de um cenário macro que segue pesando no bolso dos consumidores, também cresceram os rumores sobre eventuais M&As envolvendo nomes como a própria Guararapes, além de redes como Renner e C&A.
Nesta quarta-feira, 8 de fevereiro, o sinal de alerta do setor foi novamente acionado a partir de outra rede da prateleira do varejo de moda listada na B3. Em fato relevante, a Marisa anunciou as renúncias do CEO Adalberto Pereira Santos e de Marcelo Casarin, membro do seu board da varejista.
Os movimentos não ficaram restritos a essas saídas. A rede também divulgou que, dando sequência ao a um processo que já estava em curso na operação, contratou a BR Partners para assessorá-la na renegociação de dívidas e a consultoria Galeazzi para aperfeiçoar sua estrutura de custos.
Entretanto, se o rombo da Americanas pegou o mercado desprevenido, os anúncios da Marisa não são exatamente uma surpresa. O fato é que, à parte das dívidas e dos impactos da economia, que vêm afetando boa parte do setor, não é de hoje que a rede passa uma sensação de “eterna recuperação”.
“É preciso voltar no tempo para entender a origem dos problemas que a Marisa está vivendo”, diz Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese, que cita dois erros, em particular, cometidos pelo grupo e que foram “incubados” durante a explosão de consumo no País, entre 2003 e 2012.
O pacote de equívocos foi embalado por uma expansão desordenada, com a abertura de muitas lojas que resultou em um parque heterogêneo em formatos, tamanhos e localizações. Mas pouco consistente em vendas o que, diante do boom de consumo, acabava sendo, de certa forma, mascarado.
Em outro movimento, a rede aproveitou a onda da ascensão do poder aquisitivo na época para buscar um posicionamento mais amplo, tanto em preços como em portfólio, deixando de focar, na prática, aquilo que sempre foi o seu core: as consumidoras da Classe C e a moda íntima, com as lingeries.
“A Marisa sempre esteve posicionada um degrau abaixo da Riachuelo e da C&A, e dois degraus da Renner”, explica Serrentino. “Quando veio a crise de 2015 e 2016, eles sofreram enormemente com essa mudança pois haviam se afastado do seu core e muitas lojas se mostraram inviáveis.”
Depois de sofrer duramente por três anos, na tentativa de atravessar a crise e se reaproximar do público e do modelo que lhe deram fama, na virada de 2019 para 2020, a rede começava a colher os primeiros resultados desse esforço.
“A empresa estava começando a ver a luz no fim do túnel e veio a pandemia e, com ela, uma nova pancada”, afirma o consultor. “A Covid-19 foi um segundo trauma e, desde então, a rede ficou em uma situação de fragilidade que perdura até hoje. E, agora, com uma estrutura bastante pressionada e que exigiria uma nova capitalização.”
No terceiro trimestre de 2022, a Marisa reportou um prejuízo de R$ 97,5 milhões, contra o lucro de R$ 44,4 milhões apurado em igual período, um ano antes
Os constantes aumentos de capital são justamente outro sinal dos problemas enfrentados pela Marisa nos últimos anos. Da mesma forma, a troca constante de CEOs, no board só reforçam os desafios da rede.
Adalberto Pereira Santos, por exemplo, estava oficialmente no cargo desde maio de 2022, depois de exercer a função, interinamente, a partir de agosto de 2021, no lugar do então presidente Marcelo Pimentel deixou a operação para liderar os negócios do GPA.
Pimentel havia assumido o posto em julho de 2019, em substituição à Márcio Goldfarb, membro da família controladora da operação e que também atuava, na época, como CEO interino. Agora, com o anúncio dessa quarta-feira, quem ocupará a cadeia, a princípio, também provisoriamente, é Alberto Kohn de Penhas, vice-presidente comercial da varejista.
Com uma passagem de mais de 17 anos pela C&A e redes como a Pernambucanas no currículo, de Penhas ingressou na Marisa em 2019. E já está bem ciente do panorama que irá encontrar na nova posição.
Nos dados públicos mais recentes, a Marisa fechou o terceiro trimestre de 2022 com um saldo de caixa de R$ 183,2 milhões. Os indicadores no período apontavam para dívidas bancárias da ordem de R$ 230 milhões, sendo R$ 188,1 milhões com vencimentos de curto prazo, ou seja, em doze meses.
Em paralelo, a dívida também incluía um volume de R$ 558 milhões para financiar a operação do MBank, a financeira em versão digital da varejista, um projeto lançado durante a pandemia. Dessa soma total, R$ 126,2 milhões eram de curto prazo.
No período, a empresa reportou outros números que não agradaram ao mercado. Entre esses indicadores, um prejuízo de R$ 97,5 milhões, contra o lucro de R$ 44,4 milhões apurado em igual período, um ano antes.
Enquanto lida com a pressão de renegociar dívidas e buscar fôlego no curto prazo, as mudanças anunciadas pela Marisa não tiveram boa repercussão na B3. Por volta das 16h40, as ações da companhia, avaliada em R$ 370 milhões, estavam sendo negociadas com queda de 3,5%, cotadas a R$ 1,09.
Em um cenário mais amplo, o desempenho também não é favorável. Em 2023, os papéis acumulam uma desvalorização próxima de 13%. E, nos últimos doze meses, registram um recuo de cerca de pouco mais de 66%.