Se fosse um atleta, o empresário francês Bernard Arnault teria várias medalhas olímpicas. A performance da LVMH, líder mundial do luxo com marcas como Dior, Louis Vuitton, Tiffany e Dom Perignon, é superada a cada divulgação do balanço financeiro. “Novamente, os resultados são um recorde”, repetiu o CEO, como tem feito nos últimos anos, ao anunciar os números de seu grupo que agora beiram os 80 bilhões de euros de receita.
O lucro líquido, que tem dobrado, em média, a cada quatro anos, atingiu mais de 14 bilhões de euros. Não só. Sua empresa se tornou neste ano a principal capitalização nas bolsas europeias, diante da petrolífera Shell, após ultrapassar a faixa dos 400 bilhões de euros.
Arnault, principal acionista e o CEO da LVMH, com uma fortuna estimada em US$ 187 bilhões, segundo a Bloomberg, tem disputado com Elon Musk, dono da Tesla, o título de homem mais rico do mundo. Nesta semana, o americano chegou a ultrapassá-lo por três dias. Mas voltou a ser vice na sexta-feira, 3. Desde dezembro Arnault se segura no topo do pódio.
Os analistas se mantém entusiasmados com o desempenho da LVMH, que teve alta de mais de 160% desde a crise da Covid-19, e como o francês continua focado no que mais gosta de fazer, aumentar sua riqueza, essa partida ainda não terminou.
Homem erudito, diplomado da prestigiosa École Polytechnique de Paris, a mesma onde se formou a atual primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne, esportivo, pianista (e casado com uma pianista canadense), Arnault costumava dizer que aos 70 anos já estaria aposentado. O CEO do grupo LVMH celebra 74 anos neste domingo, 5 de março, mas já vem preparando isso há tempos.
Recentemente, seu filho mais velho, Antoine, foi nomeado diretor geral da holding Christian Dior SE, que controla o grupo LVMH. Ao mesmo tempo, ele mantém seus outros cargos de diretor-geral da Berluti e CEO da Loro Piana.
A filha Delphine foi escolhida para comandar como CEO a Christian Dior a partir de fevereiro. Desde 2013, ela era vice-presidente executiva da Louis Vuitton. Ficou para trás o tempo em que a nova CEO da Dior pediu ao pai um vestido da grife, quando ela tinha 15 anos, mas não o ganhou porque Arnault achava que ela era muito jovem para isso. Ela e Antoine também integram o conselho de administração da LVMH.
Arnault já expressou várias vezes o desejo de transmitir as rédeas da LVMH aos seus cinco filhos. Todos ocupam cargos de destaque no grupo. Alexandre Arnault, 30 anos, é vice-presidente da Tiffany e, Frédéric, 28 anos, é o CEO do relojoeiro Tag Heuer. Já o mais novo, Jean, é diretor de marketing da divisão de relógios da Louis Vuitton.
“Bernard Arnault criou seus filhos como se treina cavalos de raça”, escrevem as jornalistas Raphaëlle Bacquet e Vanessa Schneider no livro “Sucessões – O universo impiedoso das grandes famílias”, da editora Albin Michel. Todos os meses, Arnault e seus cinco filhos (dois de um primeiro casamento) se reúnem em um almoço em uma das salas do último andar no número 22 da avenida Montaigne, sede da LVMH. É nesse prédio que Arnault fez obras para não sentir, em seu escritório, os tremores do metrô subterrâneo que passa ali nas proximidades.
“Bernard Arnault criou seus filhos como se treina cavalos de raça”, escrevem as jornalistas Raphaëlle Bacquet e Vanessa Schneider no livro “Sucessões – O universo impiedoso das grandes famílias”
“Não ficamos falando histórias. Nós falamos dos desafios do grupo”, disse Arnault às duas jornalistas. Pai e filhos, que moram perto uns dos outros em bairros nobres de Paris, se falam várias vezes ao dia. Todos ocupam cargos em empresas do grupo.
Ainda nesse processo sucessório, Arnault realizou, no ano passado, transformações na holding familiar Agache - que controla o grupo de luxo, principalmente por meio da Christian Dior – para perenizar o controle da família sobre o grupo LVMH. As ações dessa empresa não poderão ser vendidas durante 30 anos e depois só poderão ser transmitidas a seus herdeiros diretos.
Mesmo com um patrimônio bilionário, Arnault não deixa de trabalhar todos os sábados, quando visita as lojas da Dior na avenida Montaigne e no Le Bon Marché, onde também aproveita para vistoriar a butique da Louis Vuitton, contou ao NeoFeed a brasileira Clara Furlan, ex-vendedora da Dior em Paris. A via sacra matinal passou a incluir a loja de departamentos La Samaritaine, adquirida pelo grupo e reinaugurada em 2021.
De empreendedor imobiliário da empresa familiar Férinel a dono do maior grupo de luxo mundial, que reúne 75 grifes de prestígio, Arnault teve uma carreira meteórica e construiu, ainda jovem, aos 40 anos, um império em um setor onde ele não tinha experiência alguma.
Com apenas 35 anos, após alguns projetos no ramo da construção na França e nos Estados Unidos (nesse caso mais ou menos bem sucedidos), ele comprou, em 1984, com o aval do Estado francês e o apoio do banco Lazard, o grupo privado têxtil Boussac, uma das maiores falências industriais do país, que detinha uma “pepita” em seu conglomerado: a grife Christian Dior.
Mesmo com um patrimônio bilionário, Arnault não deixa de trabalhar todos os sábados, quando visita as lojas da Dior na avenida Montaigne e no Le Bon Marché
Arnault só conservou a Dior e a loja de departamentos Le Bon Marché e revendeu todas as demais atividades do grupo Boussac, embora as autoridades francesas tivessem exigido que o grupo permanecesse intacto e que não houvesse demissões.
Filho de um pequeno empresário do norte da França do ramo da construção, Arnault já havia constatado, durante os três anos que viveu nos Estados Unidos, no início da década de 80, que o nome Dior era mais famoso para os americanos do que os dos presidentes franceses. Diz a “lenda” que ele teria decidido comprar a marca de luxo após uma conversa com um taxista em Nova York que conhecia a grife francesa de luxo, mas não o general Charles de Gaulle.
O novo dono da Dior se voltou então totalmente para o universo do luxo. Seu próximo alvo foi o grupo LVMH – resultante da fusão, em 1987, entre as empresas Louis Vuitton et Moët Henessy.
Após sucessivas compras de ações da LVMH, Arnault adquiriu, aos 40 anos, o controle da companhia, beneficiando-se de disputas entre os dois co-presidentes das marcas centenárias e de uma confusão nas regras da bolsa, que logo depois foram alteradas para regulamentar operações como as realizadas pelo empresário.
Diz a “lenda” que ele teria decidido comprar a marca de luxo Dior após uma conversa com um taxista em Nova York que conhecia a grife, mas não o general Charles de Gaulle
Nos últimos dez anos, o faturamento da LVMH cresceu quase 300% e, o lucro líquido, quadruplicou. Há 20 anos, uma ação do grupo custava 120€. Hoje, ele está em torno de 795€. A margem operacional foi de 26,6% em 2022. Como o próprio Arnault costuma dizer “o luxo no universo do luxo são as margens”. É algo que ele aplica à risca.
“Seu sucesso foi construído com uma estratégia quase napoleônica: sua capacidade a identificar o bom alvo, atacar no bom momento o ponto fraco e conduzir uma batalha onde nada é deixado ao acaso”, ressaltam as jornalistas Nadège Forestier e Nazanine Ravaï, ex-repórteres de economia do Le Figaro, no livro “Bernard Arnault – ou o gosto pelo poder”.
Elas afirmam que Arnault soube transformar a empresa de construção de seu pai, que realizava obras públicas, em um momento em que o mercado de casas de veraneio ganhava força na França e também entendeu rápido os benefícios que poderia tirar do “dossiê envenenado” do falido grupo Boussac, realizando algumas operações lucrativas de vendas das atividades e mantendo a Dior. Sobretudo, dizem elas, o empresário identificou, em um momento de pleno caos na bolsa, que era preciso ir a fundo nas ações da LVMH.
As jornalistas também contam que com 19 anos Arnault já era diferente dos jovens de sua idade. Em plena revolução estudantil de maio de 1968 na França, enquanto seus colegas protestavam e colavam cartazes nas ruas, Arnault se preocupava com o fato de que os eventos pudessem atrapalhar as aulas, já que ele estava focado na ideia de passar nas provas para entrar na École Polytechnique.
Se Bernard Arnault cultua algo, é a eficiência, afirmam as jornalistas. “Ao ponto que ninguém mais ousa convidá-lo para almoçar por conta do receio de obter uma reposta que se tornou lendária: temos qualquer coisa para nos dizer?”, contam.
Se Bernard Arnault cultua algo, é a eficiência, ao ponto que ninguém mais ousa convidá-lo para almoçar por conta do receio de obter uma reposta que se tornou lendária: "temos qualquer coisa para nos dizer?”
Georges Quioc, ex-jornalista do Le Figaro, participou de um jantar com Bernard Arnault em um barco no Sena, ancorado perto da Torre Eiffel, em um evento que reunia a imprensa. Apesar de ter ocorrido há alguns anos, suas impressões ficaram na memória. “Arnault é sem expressão e caloroso como um prato de peixe frio”, contou ao NeoFeed.
Quioc também não esqueceu o comentário de Arnault durante o jantar sobre o paradoxo da indústria do luxo: vender bens raros e excepcionais, mas que utilizam métodos de produção da indústria de massa.
“Arnault soube conjugar o percurso de um empreendedor, que inclui tomada de riscos, audácia, boa intuição e uma ótima rede de contatos, com o talento de um administrador”, disse ao NeoFeed o economista Jean-David Haddad, co-autor do livro “Bolsa de Paris – 10 grandes patrões, 10 grandes histórias” (editora JDH), que inclui Bernard Arnault.
“O grupo LVMH contribui para o brilho da França no exterior, mostra uma imagem positiva da França, numa época em que o setor industrial do país vem perdendo espaço, mas Arnault não é uma figura apreciada pelos franceses em geral. Há uma mentalidade na França contra os patrões de empresas e contra as pessoas bem-sucedidas e que ganham dinheiro”, diz o economista.
“O grupo LVMH contribui para o brilho da França no exterior, numa época em que o setor industrial do país vem perdendo espaço, mas Arnault não é uma figura apreciada pelos franceses em geral"
O poder econômico do grupo LVMH confere também a Arnault acesso ao alto poder político. Ele é regularmente convidado para jantares no Palácio do Eliseu oferecidos a chefes de Estado estrangeiros e também é membro de comitivas de presidentes franceses no exterior (com direito inclusive a jantar na Casa Branca ao lado da ex-primeira-dama americana Melania Trump durante uma viagem do presidente francês, Emmanuel Macron, aos Estados Unidos em 2018).
Arnault tem ainda uma relação privilegiada com o líder russo, Vladmir Putin, e já foi recebido no Kremlim. Foi essa proximidade que lhe garantiu o empréstimo de importantes obras russas para duas exposições na Fundação Louis Vuitton e também a possibilidade de mostrar seu talento no piano em um concerto com a orquestra de Moscou.
O CEO da LVMH também comprou várias mídias na França, entre elas o principal jornal econômico do país, o Les Echos, uma forma de também exercer o poder, controlando o que é dito sobre ele e suas empresas.
Nesta semana, surgiu o rumor no jornal suíço Finanz und Wirtschaft de que a LVMH teria interesse na compra do grupo suíço Richemont, número dois mundial do luxo, para ficar com a joalheria francesa Cartier. Analistas estimam que a operação reforçaria significativamente as divisões de joalheria e relojoaria da LVMH, já que a Richemont possui marcas como Van Cleef & Arpels, Piaget, Panerai e Jaeger LeCoultre.
Nenhuma das empresas comentou a respeito e obviamente uma operação desse tipo não é algo facilmente realizado, até mesmo porque o fundador do grupo Richemont, o sul-africano Johann Rupert, também, como Arnault, adotou medidas para consolidar a posição da família no grupo.
O CEO da LVMH havia tentado, em 2010, uma operação financeira dissimulada para entrar sorrateiramente no capital da grife Hermès, o que lhe valeu uma multa de 8 bilhões de euros da Autoridade dos Mercados Financeiros, o xerife da bolsa francesa, a maior já aplicada na França pelo órgão.
Enquanto não se aposenta, o atual homem mais rico do mundo dá continuidade às suas paixões: ampliar a sua fortuna e seu poder no mundo dos negócios. Enquanto alguns outros executivos que estão entre os mais ricos do mundo, como Bill Gates, fundador da Microsoft, preferem se dedicar a atividades filantrópicas, Arnault trabalha para expandir suas empresas e seu patrimônio em geral.
No final do ano passado, ele comprou Casa degli Atellani, um ícone no centro de Milão uma propriedade do século 15 que pertenceu ao pintor Leonardo da Vinci, com um vinhedo no local. Em Paris, ele adquiriu recentemente, por 55 milhões de euros, segundo a imprensa francesa, a antiga residência do costureiro Emmanuel Ungaro, com 670 metros quadrados, situada ao lado da sua casa, no 7° distrito da cidade, e obteve, em janeiro, autorização da prefeitura para realizar obras, provavelmente para ampliar seu imóvel.