A tensão que vem permeando os mercados financeiros dos Estados Unidos e da Europa após a eclosão da crise bancária com o Silicon Valley Bank (SVB), no começo de março, e a venda do Credit Suisse para o UBS tem possibilidades remotas de contagiar o sistema financeiro brasileiro.

Economistas consultados pelo NeoFeed alinham vários fatores, desde a regulamentação brasileira do sistema financeiro, mais restrita, até concentração da concessão de crédito e empréstimos de nosso sistema bancário em poucas instituições, o que facilita a fiscalização.

Mas advertem que a crise lá fora está longe de um desfecho, o que sempre traz preocupação de um futuro contágio e de um problema que, a rigor, não tem imunização.

Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, agência classificadora de risco de crédito, os riscos maiores no Brasil são concentrados em alguns setores.

“Não acredito numa contaminação sistêmica, nossa maior preocupação são com ativos financeiros expostos à carteira global por algum fator de desconfiança, o que leva a bolsa cair ou o dólar subir, por exemplo”, diz Agostini. “Uma crise também pode surgir eventualmente por causa de alguma operação de crédito irregular, como foi o caso da Americanas.”

Agostini ressalta as diferenças entre a crise bancária nos Estados Unidos e na Europa. “Os principais problemas de linha de crédito dos bancos americanos estavam relacionados a nicho de mercado”, observa, citando o SVB, focado em atender startups e fundos de investimentos em tecnologia.

Na Europa, onde o mercado bancário é mais concentrado, o economista da Austin diz que os grandes bancos vinham enfrentando outros tipos de problemas, como os efeitos do Brexit, da Covid e da guerra na Ucrânia.

“As dificuldades, portanto, não são relacionados ao evento bancário dos EUA”, afirma. “A crise atual do Credit Suisse é pontual, se deve mais a resquícios da crise global de 2008, que não conseguiram resolver totalmente, como problemas de balanço.”

Crédito

A regulação mais rígida do sistema bancário brasileiro, por sua vez, impede uma alavancagem de crédito e empréstimos tão elevadas quanto nos EUA.

“Como seguimos desde os anos 80 o Acordo de Basileia, conjunto de regras e regulamentos que estabelecem requisitos mínimos de capital que os bancos devem manter em relação aos seus ativos, existe uma certa trava para evitar a alavancagem”, diz Agostini.

Para Felipe Miranda, CEO do Grupo Empiricus, plataforma de investimentos, o Brasil não está totalmente blindado da crise. “Imunidade total não existe, mas a vantagem de termos uma regulação bancária mais dura ajuda”, diz. “Além disso, temos cinco bancos que concentram 80% da oferta de crédito e empréstimos, o que permite maior monitoramento pelas autoridades financeiras.”

Miranda chama a atenção para efeitos colaterais da crise nos dois lados do Atlântico. Nos EUA, a ajuda do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) ao SVB gerou críticas ao regulador por estimular um “risco moral” – salvar um banco que enfrentava problemas por incapacidade de gestão.

“Mas se o Fed não tivesse agido teria causado um malefício maior, pois poderia comprometer todo o sistema bancário”, diz Miranda.

Segundo ele, mais preocupante foi a decisão utilizada para salvar o Credit Suisse com os títulos adicionais de nível um (AT1), conhecidos como bônus "contingent convertible" (ou CoCos). Criados após a crise de 2008, os CoCos ajudam os bancos a lidar com perdas pesadas porque em tempos de estresse eles são convertidos em ações ou cancelados. Por decisão do BC suíço, US$ 17 bilhões de títulos CoCos foram zerados.

“A decisão inverteu a lógica do direito societário ao colocar o credor à frente do acionista”, diz Miranda. “Ela não passou pela assembleia de acionistas e quem garante que o Saudi National Bank, o maior acionista do Credit Suisse, vai investir novamente em bancos ocidentais sendo que na hora do problema não vai poder votar na solução?”