A aula era de análise sensorial, na faculdade de engenharia de alimentos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sem que os alunos soubessem, o professor tingiu o suco de maracujá de vermelho e quis saber: “Do que é feita a bebida?”
Alguns arriscaram groselha; outros, morango. A maioria, no entanto, não foi além do “é de alguma fruta”. Qual? Ninguém soube dizer. Uma bebida com gosto de maracujá só pode ser amarela. Se for de outra tonalidade, o cérebro embaralha.
Mario Slikta era um daqueles estudantes. Hoje, aos 59 anos, ele é gerente geral da empresa holandesa GNT, no Brasil. Fundada em 1978, na cidade de Mierlo, pelo engenheiro alemão Host Hoeck, a companhia é pioneira e uma das líderes globais em pesquisa e desenvolvimento de corantes alimentícios, à base de plantas comestíveis.
Slikta lembra a experiência dos tempos de Unicamp para ilustrar o peso da aparência dos alimentos na experiência de consumo. “A visão é o principal sentido do ser humano. Na história da evolução da espécie, a gente escolhia o que comer pela cor. E segue é assim até agora”, diz o executivo.
A gigante americana Heinz, conta Slikta, certa vez lançou um ketchup verde. A Coca-Cola, um refrigerante à base de cola transparente. Apesar do sabor dos dois produtos permanecer o mesmo, ambos foram um fracasso de público.
Se a aparência sempre foi importante, em tempos como os nossos, da vida cotidiana exposta nas redes sociais, o impacto visual das comidas e bebidas ganha ainda mais poder na decisão de compra dos consumidores. E, na era dos alimentos “instagramáveis”, a cor é peremptória.
Hedonismo saudável
A cada virada de ano, a GNT indica qual será a tendência de corantes alimentícios para o período que se inicia. E 2023 é do “hedonismo saudável”. Determinada pela geração Z, uma combinação entre o otimismo pelo fim da pandemia, a certeza de que o bem-estar das pessoas está intrinsecamente ligado ao bem-estar do planeta, as fotos do Instagram e dancinhas do TikTok.
Dessa salada de aspirações, emerge uma profusão de cores e sensações. Tons pastéis brilhantes em associação com outros mais vívidos e até psicodélicos, texturas variadas em um único produto, sabores macios e harmônicos e experiências orgânicas, que convidam as pessoas a se reconectarem umas com as outras, como definido no relatório “The Color Cookbook – Insights and Inspirations for Food & Drinks Futures”, da empresa holandesa.
E, condição sine qua non, esse arco íris não pode ser colorido com aditivos sintéticos. Prazer e saudabilidade são indissociáveis. O novo comportamento, nos cálculos dos analistas da consultoria Fortune Business Insights, está criando grandes oportunidades em um mercado previsto para movimentar quase US$ 5 bilhões, em 2026 – cinco anos atrás, foram US$ 2,5 bilhões, nos cálculos da consultoria Fortune Business Insights.
Cor de carne crua e cozida
O avanço da indústria plant-based também impulsiona a demanda por corantes naturais, em especial os obtidos de plantas comestíveis. “Já estamos sentindo a mudança”, conta Slikta, da GNT. “Algumas empresas que estavam habituadas a usar, por exemplo, o inseto Carmim de Cochonilha para dar a tonalidade avermelhada aos produtos vegetais estão agora à procura de corantes à base de plantas.”
Um dos principais desafios dos fabricantes de alimentos vegetais semelhantes às suas contrapartes de origem animal é fazer com que um hamburguer de soja tenha as mesmas características sensoriais de um hamburguer de carne de verdade.
Lançada em janeiro, uma das mais recentes inovações da companhia holandesa consiste em um corante feito de cenoura, que imita os tons de carne antes e depois do cozimento. A GNT conseguiu encapsular o concentrado e programá-lo para ser liberado e mudar de cor, conforme a temperatura do preparo aumenta.
Mais do que buscar novas cores, diz Slikta, os pesquisadores da empresa estão atrás principalmente de novas fontes vegetais e novas formas de usar as cores.
Com clientes em 75 países, a GNT dispõe de um portfólio com cerca de 400 tonalidades, obtidas a partir da cenoura, espinafre, pimentão, beterraba, páprica, couve, algas azuis... As duas fábricas da companhia produzem anualmente 11,5 mil toneladas métricas de concentrados – o suficiente para colorir 40 bilhões de porções de comidas e bebidas.