Sob qualquer métrica que se analise, a Vivo é a maior operadora de telecomunicações do País. Avaliada em quase R$ 70 bilhões na B3, a empresa conta com 112 milhões de clientes (acessos) em suas diversas linhas de negócios que vão de serviços móveis e fixos, fibra e TV por assinatura. Mas quem olhasse o balanço da companhia do primeiro trimestre iria encontrar alguns dados que, aparentemente, pareciam pequenos diante de uma empresa que obteve uma receita líquida de R$ 48 bilhões em 2022.
Um exemplo: a carteira de empréstimos do Vivo Money atingiu R$ 239 milhões em março de 2023, um salto de 431,1% na comparação com o mesmo período do ano passado. Mais: os serviços financeiros geraram uma receita de R$ 94 milhões, alta de 55%, um resultado muito melhor do que o de muitas fintechs “irrigadas” com dinheiro de fundos de venture capital.
O Vivo Money é uma das peças de um quebra-cabeça que faz parte de uma estratégia desenhada por Christian Gebara, CEO da Vivo, no fim de 2019, mas que foi potencializada com a pandemia do coronavírus: fazer da Vivo uma empresa de tecnologia digital e não apenas uma operadora que vende conectividade.
“Acredito que ainda há um caminho para crescer com conectividade, que é meu core. Mas talvez no médio prazo não seja suficiente”, diz Christian Gebara, CEO da Vivo, em entrevista ao NeoFeed. “Quero ser uma conexão inteligente.”
Não faltam exemplos dessa estratégia que tem o objetivo de tornar a Vivo menos dependente dos serviços puro-sangue de telecomunicações. A companhia controlada pela espanhola Telefónica já fez mais de 300 mil seguros de smartphones em uma parceria com a Zurich Seguros.
No começo deste ano, colocou no ar o Viva E, uma joint venture com a Ânima que combina cursos online e vagas de emprego e que já conta com mais de 400 horas de conteúdo.
Em março deste ano, a Vivo comprou a Vale Saúde Sempre, em um negócio que pode chegar a R$ 60 milhões. Trata-se de uma plataforma que tem mais de 70 mil vidas que pagam uma mensalidade para ter acesso em mais de 5 mil clínicas e laboratórios do Brasil.
Na área de varejo, a Vivo não vende apenas smartphones. No primeiro trimestre deste ano, fez uma receita de R$ 69 milhões com a comercialização de itens para a casa inteligência, smartwatches, notebooks e acessórios. O Vivo Guru, um serviço de suporte técnico, já conquistou mais de 40 mil assinantes.
Até mesmo as empresas que poderiam ser consideradas rivais – pois usam a conexão da Vivo para vender seu produto – se tornaram parceiras. A Vivo já vendeu mais de 2,2 milhões de assinaturas de Netflix, Disney, Spotify, Telecine, Premiere e Globoplay, entre outros serviços de streaming, que renderam R$ 101 milhões aos seus cofres no primeiro trimestre de 2023, alta de 53%.
A Vivo não abre os dados de todas essas iniciativas fora de seu core voltado ao consumidor – o que pode indicar que não devem ainda girar os ponteiros da companhia. Mas Gebara gosta de dizer que está apenas no começo. “Nosso objetivo é crescer em todos esses serviços e pouco a pouco vamos abrir mais os dados ao mercado”, diz o CEO da Vivo.
Em B2B, área em que atende empresas com serviços de cibersegurança, internet das coisas, mensageria, soluções digitais e computação em nuvem, a Vivo faturou R$ 813 milhões no primeiro trimestre de 2023, alta de 32%. Esse número representa 6,4% da receita da companhia no período. Nos três primeiros meses de 2019, era de apenas 2,2%.
De joint venture a fazer por contra própria
Na busca para ser uma empresa de tecnologia digital, a Vivo não tem uma receita de bolo para fazer parcerias. Todos os modelos são analisados e aquele que melhor se encaixa no que a empresa deseja é o posto em prática.
Em vídeo e música, por exemplo, a Vivo entendeu que não tinha como competir com nomes consagrados como Netflix, HBO ou Globo. A solução foi distribuir os conteúdos e fazer um acordo de divisão da receita.
No caso de educação, a solução foi fazer uma joint venture com um especialista da área, como a Ânima. O grupo educacional, listado na B3 e avaliado em R$ 1 bilhão, fica responsável pelo conteúdo. E a Vivo toma conta da distribuição.
Em crédito, no entanto, a Vivo tomou a decisão de fazer por conta própria. Gebara diz que até conversou com instituições financeiras, mas afirma que as negociações não avançaram. “Conhecemos o cliente, ele paga uma conta”, diz Gebara. “Temos mais informações para dar crédito do que uma startup”.
A Vivo já fez empréstimos sem garantia para mais de 40 mil pessoas, com um tíquete médio de R$ 5 mil. O funding para as operações de empréstimos foram feitas via um FIDC (Fundo de investimento em direitos creditórios). Agora, Gebara diz que vai abrir o fundo para um segundo cotista para aumentar essa oferta aos seus clientes.
Sem dar detalhes sobre os próximos passos, Gebara afirma que pretende investir mais no marketplace, que já está no ar, trazendo mais parceiros e melhorando a experiência. Outra frente que deve ser “atacada” é a de consórcios através da Klubi, startup que recebeu investimento da Vivo Ventures, fundo de corporate venture capital que tem R$ 320 milhões para investir em negócios emergentes.
Por que a Vivo quer ir além de telecom
Mas quais seriam os atrativos da Vivo para vender esses serviços? Em primeiro lugar, a sua base de mais de 100 milhões de clientes, algo que poucas companhias conseguem ter, o que faz com que o custo de aquisição seja baixo. Outra razão é o canal. A Vivo, por exemplo, tem mais de 1,8 mil lojas espalhadas pelo Brasil e 22 milhões de pessoas acessam seu aplicativo ao menos cinco vez por mês.
Além disso, a Vivo conseguiu criar, com essa base de clientes, um big data gigantesco que a faz conhecer o consumidor em seus mínimos detalhes. E, por fim, tão importante quanto, a empresa tem a fatura desse consumidor. Em resumo, pode cobrá-lo. “Hoje, 70% dos brasileiros não têm um cartão de crédito”, afirma Gebara.
O que está por trás dessa estratégia não é só uma forma de aumentar a receita (embora seja fundamental). Como diz Gebara, esses serviços digitais têm margem Ebitda menor, mas não exigem os investimentos bilionários feitos pelas empresas de telecomunicações em sua infraestrutura.
Gebara quer também que o mercado de capitais passe a ver a Vivo de outra forma. A intenção é que a empresa não seja enxergada apenas como uma empresa de telecom – e seus múltiplos comprimidos – mas também como uma companhia de tecnologia digital, negociada com valores muito maiores do que o das tradicionais telcos.
“Quero mostrar para o mercado que somos muito muito mais do que uma empresa de telecomunicações”, diz Gebara. “Essa mudança tem também a ver com o mercado enxergar a Vivo como uma empresa de tecnologia digital.”
A Vivo, que obteve a maior receita trimestral de sua história (R$ 12,7 bilhões) e cuja receita total teve o maior crescimento em 10 anos neste primeiro trimestre (12,1%), é negociada com um EV/Ebitda de 4,21 vezes, segundo o TradeMap. A Netflix, por sua vez, tem um EV/Ebitda de 8,5, vezes. A Alphabet, dona do Google, de 16,8 vezes. A Meta, de Mark Zuckerberg, de 16,9 vezes. Microsoft, de 23,4 vezes. E a Apple, de 22,7 vezes.
“O modelo tradicional das telcos mudou. Elas não são mais um mundo fechado, em que fazem tudo e não tem relação com ninguém”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria especializada em telecomunicações Teleco. “Hoje, elas buscam parcerias e integram os serviços digitais em seus pacotes.”
Essa tendência tem feito com que esses gigantes se mexam. A TIM, que concorre com a Vivo em telefonia móvel e fibra, tem também tentado avançar na área digital. A companhia controlada pela Telecom Italia, por exemplo, tem um acordo com o C6, no qual leva clientes para o banco digital. Em troca, recebe ações que já somavam uma participação indireta 5,7% do capital social do banco.
Na área de saúde digital, a TIM fez uma parceria com o Grupo Cartão de Todos, que dá descontos em consultas. Mas em educação, o acordo com a Anhanguera, que pertence à Cogna, foi desfeito. A operadora informou que está buscando um novo parceiro.
Bilhões no 5G e em fibra óptica
A Vivo planeja investir até R$ 9 bilhões em 2023. Boa parte desses recursos irão para fibra óptica e 5G, duas tecnologias que pavimentam a estrada para os serviços digitais.
Em 5G, a Vivo já ativou o serviço em 63 cidades. A companhia já está em todas as capitais, em 100% das cidades com mais de 500 mil habitantes e 41% dos municípios com mais de 200 mil habitantes.
A banda larga fixa também será uma prioridade da Vivo, que já está em 436 cidades com sua infraestrutura de fibra óptica. Atualmente, são 24,4 milhões de casas passadas com a tecnologia e 5,7 milhões de domicílios conectados.
A meta é chegar a 29 milhões de casas passadas até o fim de 2024. Nessa estratégia, a empresa terá duas abordagens. No Estado de São Paulo, seguirá construindo a sua própria rede. Para atuar fora de SP, criou a FiBrasil, uma joint venture com o fundo de pensão canadense CDPQ, da qual é dona de uma fatia de 50%.
A FiBrasil, que é uma empresa de rede neutra, está construindo sua infraestrutura de fibra óptica nas regiões onde a Vivo não atua. Hoje, a empresa de telefonia da Telefónica está no Estado de São Paulo e nas capitais – com exceção de Manaus, Belém e São Luiz.
A Vivo tem também um acordo com a American Tower Corporation (ATC) para o uso de sua infraestrutura de rede em Minas Gerais.