Paris (França) - Os Jogos Olímpicos têm uma marca importante a ser batida na próxima edição. A França, país-sede da XXXIII Olimpíada, quer ser conhecida por algo além de recordes e medalhas: a sustentabilidade. A promoção de Paris, a cidade que vai abrigar a maioria das modalidades, diz este será o "primeiro evento esportivo 'climate positive' da história".
As novidades propostas por Paris para os Jogos de 2024 são, de fato, empolgantes. A eletricidade nas arenas virá inteiramente de fontes renováveis de energia, a maioria dos locais dos eventos serão acessíveis por meio de transportes públicos e serão servidos menos pratos com carne nas estruturas de alimentação do evento.
Pontos turísticos tradicionais, como a Champs-Elysées, por exemplo, serão transformados em “arenas” esportivas momentâneas. De certa maneira, o local é mais democrático por ser um espaço público.
Estes serão os primeiros Jogos Olímpicos e Paralímpicos totalmente alinhados com o Acordo do Clima de Paris, assinado por 195 países em 2016. E, a menos de 500 dias do evento, a equipe organizadora da Paris 2024 insiste que cortará pela metade as emissões de CO2 (estimadas em 3,5 milhões de toneladas) geradas pelos Jogos de Londres (2012) e Rio de Janeiro (2016), além de financiar projetos de compensação dos efeitos da poluição gerada pela competição.
Georgina Grenon, diretora de excelência ambiental Paris 2024, garante que a promessa dos jogos sustentáveis segue em pé: "Dentro dos limites do que é tecnicamente possível em 2024, faremos todos os esforços para reduzir, reduzir e reduzir", insiste ela.
Parte do rio Sena, que receberá a cerimônia de abertura, vem sendo despoluída (uma das obras mais custosas da cidade) e a prefeitura promete que será possível voltar a nadar ali. Para minimizar o impacto ambiental, 95% dos locais utilizados para os jogos serão unidades já existentes ou construções temporárias, misturando ao máximo cidade e esportes e, assim, gerando menos emissões nos deslocamentos de atletas e espectadores.
Paris ganhará ainda, até julho do ano que vem, 8,5 hectares de novos espaços verdes e já tem finalidades sociais definidas para todas as construções criadas para o evento - como a Vila Olímpica, em Saint-Ouen, que deverá ser transformada em edifícios de moradia social e residência universitária após os jogos.
A pista olímpica no anel viário se tornará pista reservada para carros compartilhados (pool lane) e transporte público; a nova arena será futuramente campus universitário, escola e infantário.
Mesmo com todas as críticas nacionais e estrangeiras à ideia de que a Olimpíada possa ser um evento "climate positive", a sustentabilidade defendida pela prefeitura e organização parece finalmente pensar a longo prazo, contrariando edições anteriores dos Jogos.
Mobilidade carbono zero
O governo francês anunciou que oferecerá novo crédito fiscal para investimentos "ecologicamente corretos", podendo liberar € 23 bilhões extras até 2030 - incluindo incentivos em dinheiro para quem comprar novos carros elétricos.
O presidente Emmanuel Macron espera que o novo crédito tributário gere investimentos privados superiores a € 20 bilhões até 2030, crie dezenas de milhares de empregos e coloque € 5.000 na mão de consumidores franceses que comprarem novos carros elétricos.
Enquanto essas ambições de Macron não se consolidam, ele apoia e defende com afinco o projeto da cidade de Paris de fazer essa edição da Olimpíada a mais sustentável de todos os tempos. E isso inclui incentivos imediatos também às frotas de transporte na cidade.
O transporte oficial dos atletas na Paris2024 ainda não está oficialmente definido, mas a cotada CaoCao Mobility Paris (pronuncia-se Tsao Tsao, com matriz chinesa), aplicativo de mobilidade responsável, já foi selecionada como transportadora oficial dos atletas do ParaAthletics World Championships, que acontece agora em julho na capital francesa.
Com frota de veículos TX, no melhor estilo London Black Cab, a CaoCao é 100% composta por carros elétricos ou híbridos - e em boa parte equipados com rampas de acesso para passageiros com mobilidade reduzida.
Já são 800 unidades operando regularmente na Grande Paris, com corridas reservadas por meio do app de modo avulso ou com duração fixa para o serviço (com opções de até 8 horas de transporte consecutivas, o que vem fazendo muito sucesso no segmento MICE).
"Desde a nossa criação estamos empenhados em oferecer um serviço responsável e realmente para todos", disse ao NeoFeed Veruschka Becquart, diretora geral da CaoCao Mobility.
A infraestrutura de transporte público em Paris também vem ganhando reforços importantes com foco nas Olimpíadas - como os trens T10 e T12, a criação de 6 novas estações na linha 11 do metrô, a extensão da linha 14 (que chegará até o aeroporto de Orly) e as novas linhas 15, 16, 17 e 18.
Um novo modelo para os Jogos
Embora o custo do Jogos de Paris deva passar de € 6 bilhões, a Cidade Luz está arcando com "apenas" € 400 milhões, "com o objetivo de deixar um legado tangível, ecológico e concreto para o povo de Paris e da Île-de-France", informou ao NeoFeed a assessoria de imprensa da cidade.
A ideia principal é que o famigerado "legado olímpico", constantemente criticado nas cidades-sedes dos Jogos ao longo dos anos, realmente beneficie moradores e visitantes por muito tempo, inclusive nos arredores de Paris - como Saint-Ouen, onde a vila olímpica está sendo construída e, em função da Olimpíada, já ganhou novos hotéis, novas estações de metrô, novos complexos gastronômicos.
Segundo a prefeitura parisiense, desde o começo a cidade está trabalhando ativa e em estreita colaboração com o Comitê Olímpico para garantir que esse modelo sustentável dos jogos possa ser posteriormente duplicado em outras cidades e eventos. Foi criado também um inédito “comitê de transformação ecológica”, com especialistas em proteção climática e representantes do WWF France, para garantir que o evento cumpra suas promessas e metas de sustentabilidade.
O novo modelo para os Jogos inclui pela primeira vez empresas da Economia Social e Solidária (ESS) e Carta Social de Paris 2024 definiu uma lista de compromissos sociais para os Jogos - uma comissão de acompanhamento (composta pelos sindicatos e associações de empregadores envolvidos no evento) verifica trimestralmente como anda a implementação dos princípios promovidos pela Carta na prática.
Segundo apresentação feita pela cidade para jornalistas e agentes de viagem internacionais no evento What's up Day Paris 2023, em abril último, o turismo de negócios e eventos representa hoje 50% da economia turística de Paris e região; e a expectativa é que as olimpíadas deem um boom maior ainda neste índice, ultrapassando as arrecadações do turismo de lazer na capital francesa.
A prefeitura da cidade estima que, durante os jogos, turistas gastarão mais de € 1,2 bilhão - uma diferença de mais de € 454 milhões do total da arrecadação anual do setor.
Os cálculos da organização para defender com afinco sua promessa de jogos "climate positive" são baseados na redução da emissão de gases de efeito estufa durante o evento e na compensação das emissões residuais.
Do ponto de vista técnico, algumas emissões e produção de lixo são inevitáveis neste tipo de evento: os jogos pressupõem grandes e numerosos deslocamentos aéreos de esportistas e visitantes, e os programas de compensação de carbono existentes até hoje têm falhas importantes.
Segundo estudo publicado na revista científica Nature, apenas três coisas poderiam tornar os Jogos Olímpicos realmente sustentáveis daqui pra frente: reduzir drasticamente o tamanho do evento (menor infraestrutura, menos participantes, menos turistas, menos deslocamentos em avião, menor consumo de energia etc), fazer um esquema rotativo utilizando sempre as mesas cidades e implementar padrões independentes rigorosos e contínuos de sustentabilidade.
O boom dos veículos elétricos na França pode estar próximo; mas talvez a esperada Olimpíada "climate positive" ainda esteja distante.