LOCARNO (Suíça) - Com “A Marcha dos Pinguins” (2005), vencedor do Oscar de melhor documentário, o francês Luc Jacquet sensibilizou o mundo com a epopeia do pinguim-imperador para a perpetuação da espécie. E, de quebra, o biólogo ganhou voz para fazer o que mais gosta: defender os cantos mais selvagens do planeta, incluindo a Antártica, deixando a beleza e a grandiosidade das paisagens falarem por si mesmas.
“Com aquele sucesso inesperado, procurei capitalizar sobre a notoriedade para fazer um cinema mais militante, mas sem cair no relatório de dados alarmantes”, contou o documentarista de 55 anos, ao NeoFeed, durante a 76ª edição do Festival Internacional de Cinema de Locarno, com encerramento neste sábado, 12 de agosto, após dez dias de maratona cinematográfica.
“Busco financiar os filmes ambientais que não encontram investidores facilmente”, disse Jacquet, homenageado no tradicional evento da Suíça italiana com o Locarno Kids Award. O prêmio é entregue anualmente a uma personalidade capaz de despertar o interesse cinematográfico nas gerações mais jovens.
E, no caso do biológo, sua contribuição também se estende à conscientização ambiental dos cinéfilos, questionando o futuro do planeta e da humanidade, ainda que de modo mais sutil.
Seu último filme, “Voyage au Pôle Sud” (Viagem ao Pólo Sul), foi uma das atrações desta semana na Piazza Grande, praça cercada de prédios históricos e conhecida por abrigar uma das maiores projeções ao ar livre do mundo, com capacidade para 8 mil pessoas, durante o festival.
Trata-se do retorno do documentarista à Antártica, em uma aventura mais íntima, explorando a sua conexão com o continente gelado. “Como já faz 30 anos que vou à Antártica, o filme é uma reflexão sobre esse confronto com algo muito maior do que nós e sobre a fascinação que o continente ameaçado exerce”, afirmou o documentarista, atraído principalmente pela “imensidão e pela violência dos elementos”. “Lá, não dá para trapacear, no que diz respeito ao frio e ao vento.”
Ainda sem data para estrear no Brasil, o longa-metragem funciona como um “making of” de “A Marcha dos Pinguins”, embora ele tenha sido rodado em expedição mais recente de Jacquet à Antártica.
Vista por mais de 21 milhões de espectadores e realizado com US$ 8 milhões, “A Marcha” foi uma das produções de baixo orçamento mais rentáveis dos anos 2000, arrecadando US$ 127 milhões de bilheteria ao redor do globo.
O novo título se concentra nos bastidores, mostrando os desafios enfrentados pelo biólogo (sejam técnicos ou meteorológicos) para capturar as melhores imagens em um dos pontos mais inóspitos do mundo. Isso inclui tanto as paisagens geladas quanto os animais, como pinguins, focas e baleias.
“Temos aqui um registro do trabalho atrás das câmeras, o que normalmente não mostramos ao público. É o material que guardamos para nós ou para mostrar à família”, contou o documentarista, que rodou o filme em preto e branco. A escolha ajuda a capturar ainda melhor a brancura da paisagem, “o que chega a dar vertigem”, segundo Jacquet. E o fato de os pinguins serem de coloração em preto e branco, em sua maioria, também pesou.
Com a visibilidade alcançada com “A Marcha”, o biólogo fundou a ONG francesa Wild Touch, em 2010, para reforçar o seu compromisso com a preservação do meio ambiente e com a sustentabilidade. E uma das principais atividades da ONG é desenvolver e apoiar projetos audiovisuais em sintonia com a proposta de Jacquet, de reconstruir o elo entre o homem e a natureza.
“Quando pensamos na Antártica, por exemplo, como o continente nunca foi devastado como os demais (pelo acesso restrito), o homem não é encarado como um predador por lá”, contou, lembrando que é possível se aproximar dos pinguins justamente porque eles não têm medo dos humanos. “É até um paradoxo precisarmos ir tão longe para aprender a viver em paz com os animais.”
Trabalhando em parceria com especialistas, o documentarista assinou “Il Était une Forêt” (Era uma vez uma Floresta), em 2013, dedicado às florestas tropicais, e “La Glace et le Ciel” (O Gelo e o Céu), em 2015, sobre as mudanças climáticas.
Os próximos projetos de Jacquet incluem “Planéte Corail”, com foco nos corais, que são considerados berçários da vida marinha, e “Les Galápagos”, um mergulho no arquipélago de origem vulcânica que inspirou a teoria da evolução de Charles Darwin. “Sibérie”, também em andamento, será uma expedição pelo Extremo Oriente russo, um local quase desconhecido.
“Não dá para fabricar a beleza, a poesia e a sinceridade das paisagens que capturo em meus filmes. Só o cinema para explicar com imagens o que é inexplicável”, disse o documentarista.
Essa declaração ajuda a entender por que as obras de Jacquet destoam dos filmes ambientais mais tradicionais, concebidos para alertar o espectador com seus dados apocalípticos. “Fazer documentário alarmante é como falar com o vazio. Ninguém ouve. É por isso que eu prefiro capturar a emoção da natureza selvagem.”
Ao fazer a plateia se confrontar com a grandiosidade do planeta, ele espera encorajá-la a se voltar ao essencial e a se comprometer com a preservação dos ecossistemas. “Como nosso mundo foi artificializado ao extremo, é preciso resgatar a realidade natural. Afinal, ninguém morreria se ficasse sem luz elétrica por alguns dias”, brincou.