O mercado foi pego de surpresa na noite de segunda-feira, 28, quando a Minerva anunciou a compra de 16 plantas de abates de bovinos e cordeiros da Marfrig no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Chile. Além dos ativos envolvidos, o que também saltou aos olhos na aquisição foi o seu valor, de R$ 7,5 bilhões.
Na manhã de terça, 29 de agosto, a transação ainda está sendo digerida por investidores e analistas. Mas a resposta inicial do mercado trouxe reações totalmente opostas para os dois players envolvidos no acordo bilionário.
De um lado, as ações da Minerva abriram o dia na B3 com uma queda expressiva de 14,1%, cotadas a R$ 9,36. Já os papéis da Marfrig iniciaram o pregão na bolsa brasileira com alta de 14,2%, ao preço de R$ 7,69.
A abertura das negociações foi precedida por conferências dos dois frigoríficos sobre o M&A. No caso da Minerva, os executivos citaram alguns dos números e estimativas de sinergias que fundamentaram esse movimento, além da tese de reforçar a já conhecida estratégia de diversificação geográfica do grupo.
Entre outros indicadores, a empresa projeta que os ativos envolvidos tragam uma receita líquida de cerca de R$ 18 bilhões e um Ebitda de aproximadamente R$ 1,5 bilhão, o que levaria a operação a uma receita total de R$ 46 bilhões e a um Ebitda de R$ 4,3 bilhões, com uma margem de 9,1%.
“Nós compramos ativos que nos posicionam estrategicamente com um footprint único”, afirmou Edison Ticle, CFO da Minerva. “E esses ativos já entram gerando caixa livre para a nossa operação e, portanto, nos ajudam na desalavancagem rápida do nosso balanço."
Nas contas da empresa, a dívida a ser tomada para financiar a aquisição vai gerar um custo financeiro de R$ 750 milhões a R$ 800 milhões por ano. Essa equação inclui ainda um capex anual em torno de R$ 300 milhões de manutenção das plantas adquiridas.
“Se teremos R$ 1,5 bilhão entrando e uma saída de caixa de aproximadamente R$ 1,1 bilhão, esses ativos irão gerar, de cara, R$ 400 milhões de caixa livre adicional”, disse Ticle. “Então, nós partimos de uma situação bastante confortável em termos de balanço e alavancagem.”
Entretanto, a despeito do discurso do executivo e do reconhecimento dos analistas sobre como o acordo pode render bons frutos no longo prazo para a Minerva, outros números e pontos de atenção embalaram os relatórios divulgados nessa terça-feira sobre o acordo. A começar pelo Goldman Sachs.
O banco enxerga um “mérito estratégico” na aquisição, ao observar que, além de reforçar a diversificação geográfica da operação, o acordo consolida a Minerva como um dos maiores produtores de carne bovina do mundo, com uma participação global de 4,4%.
“Porém, estamos surpresos com a magnitude desse M&A e esperamos uma reação negativa das ações às notícias”, escreveu o analista Thiago Bortoluci, que manteve a recomendação de compra e o preço-alvo de R$ 15,80 para a ação, ainda sem levar em conta o impacto da transação.
Na mesma linha, o BTG Pactual pontua que a aquisição levará o frigorífico à liderança em carne bovina na América Latina, com uma fatia de 34% nas exportações na região, além de ampliar sua capacidade de processamento de gado em 44%, para mais de 42 mil cabeças por dia.
O banco faz, no entanto, algumas ressalvas quanto às projeções da empresa. Para o BTG, a equação não é tão simples e o negócio só faz sentido economicamente se as vendas incrementais de R$ 18 bilhões e o Ebitda de R$ 1,5 bilhão se concretizarem.
“Mesmo assim, assumindo um capex de R$ 300 milhões em manutenção e R$ 800 milhões de custos financeiros, o rendimento implícito do fluxo de caixa livre antes dos impostos seria de apenas 5%, bem abaixo do que acreditamos que a Minerva negocia hoje”, destacam Thiago Duarte e Henrique Brustolin.
Com a perspectiva de que haverá muito a digerir na integração dos ativos, a dupla enxerga um patamar de alavancagem da Minerva saltando para uma faixa de 3,3 vezes a 3,9 vezes, contra 2,7 vezes no segundo trimestre de 2023. E traça um paralelo preocupante para o grupo.
“Nosso maior temor é que o acordo coloque a Minerva em uma posição semelhante a de quando adquiriu os ativos da JBS na América do Sul, em 2017, e acabou assumindo uma alavancagem muito alta”, afirmam os analistas do BTG, colocando em revisão as projeções da empresa.
No call com analistas, ao ser questionado sobre esse ponto, Ticle, o CFO da Minerva, ressaltou que, dadas as estimativas de captura de sinergias da empresa e o seu histórico de 19 aquisições anteriores, a expectativa é de que o frigorífico volte ao seu patamar atual de alavancagem no prazo de 12 meses.
Ganha-ganha e leitura mista
Os efeitos da alavancagem - “digerível no curto prazo” - e a potencial limitação no pagamento de dividendos também foram pontuados em relatório do Santander. O banco entende que o acordo é um grande M&A, com ganhos para ambos os lados, mas com uma leitura mista num primeiro momento.
Entre outras questões, o Santander vê como negativo o fato de os ciclos de gado na América do Sul seguirem uma tendência negativa. Com exceção do mercado brasileiro, há pouca disponibilidade em outros países da região, nos quais o frigorífico está ampliando sua presença.
Em contrapartida, o Santander destaca alguns pontos positivos para a Minerva a partir da transação. Entre eles, o maior poder de barganha com fornecedores e clientes; as sinergias comerciais; os ganhos em eficiência logística.
Já no caso da Marfrig, o banco enxerga um benefício na desalavancagem da operação, mas com um efeito de curto prazo. Em termos de pontos negativos, as menções se relacionam à redução da diversificação e a menor capacidade de exportação da empresa.
“Embora a alavancagem da Marfrig tenha um efeito limitado nessa transação, acreditamos que isso pode aliviar as preocupações do mercado em relação à situação financeira da empresa”, afirmaram os analistas Rodrigo Almeida e Laura Hirata.
A dupla observou ainda que a simplificação da operação pode ajudar a Marfrig a se concentrar em seus negócios de maior lucratividade, com foco em produtos de maior valor agregado, nas operações de carne bovina nos Estados Unidos e Brasil, e em alimentos processados na América do Sul.
O Itaú BBA, por sua vez, entende que a venda dos ativos implica em uma desalavancagem “significativa” para a Marfrig, o que traz um potencial gatilho para uma reavaliação do papel. O banco também menciona que o acordo significa mais um passo na melhoria do mix de produtos da empresa.
“O portfólio restante na América do Sul estará concentrado no segmento de alimentos processados, que normalmente gera margens de dois dígitos, e pode desencadear um movimento de reavaliação”, escrevem os analistas Gustavo Troyao e Bruno Tomazetto.
Já em relação à Minerva, o Itaú BBA acredita que o impacto na alavancagem parece gerenciável, mas ressalta que precisa de mais informações sobre o ritmo da recuperação das margens e suas implicações no fluxo de caixa.
“Ainda não está claro para nós quanto capital de giro será necessário consumir para que as taxas previstas sejam alcançadas. Nós acreditamos que avaliar a dinâmica do fluxo de caixa descrita no call de hoje será fundamental para compreender o retorno do fluxo da aquisição no curto prazo”, acrescentam os analistas.
Por volta das 12h29, as ações da Minerva, avaliada em R$ 5,4 bilhões, estavam sendo negociadas com queda de 15,3%, cotadas a R$ 9,23. No mesmo horário, os papéis da Marfrig operavam com alta de 8,9%, dando à companhia um valor de mercado de R$ 4,6 bilhões.