Eclipsada na grande mídia, a corrida espacial travada pela iniciativa privada é um fenômeno inédito, que reúne uma verdadeira constelação do  mundo dos negócios formada por estrelas como Jeff Bezos, fundador da Amazon, e Elon Musk, o homem por trás da Tesla. 

Para explicar melhor essa guerra pelo espaço, o jornalista americano Christian Davenport, de 46 anos, lançou o livro "The Space Barons" – algo como "Os Barões do Espaço", em tradução literal.

Na obra, Davenport, 46 anos, que cresceu no Brooklyn, em Nova York, lança seu olhar "telescópico" sobre a situação, usando as credenciais como repórter do Washington Post (jornal controlado por Jeff Bezos, é bom lembrar), cargo que ocupa há quase 20 anos, para de(s)colar os acessos necessários.

Formado pela Colby College, no Maine, o jornalista foi, em 2010, vencedor do prêmio Peabody, que reconhece órgãos de mídia, associações e indivíduos que tenham prestado serviços públicos dignos de distinção e mérito.

Ele integrou ainda as equipes finalistas do prêmio Pulitzer nos anos 2005, 2010 e 2011. Sempre atuando em pautas ligadas ao ambiente militar, faz apenas 5 anos que Davenport virou seus olhos- e atenção - para o céu. "Senti que ali havia material fértil, jornalisticamente falando".

Muitas luas se passaram entre as pesquisas e a conclusão do livro, e todos os cosmos se alinharam para que, em um papo exclusivo com o NeoFeed, Davenport falasse sobre a liderança dos dois magnatas, bem como o papel da NASA neste novo cenário e a chegada de novos "competidores" no mercado.

Acompanhe a seguir a conversa que o NeoFeed teve com o autor:

SpaceX, Blue Origin e Virgin Galactic têm objetivos e metodologias bastante distintas, mas existe algum tipo de colaboração ou conversa entre elas, uma vez que todas têm os olhos voltados para o espaço?
Anos atrás houve uma conversa entre Jeff Bezos, fundador da Blue Origin, e Elon Musk, criador da SpaceX, mas as empresas trabalham de forma absolutamente independente. É claro que eles acompanham os passos uns dos outros, mas trabalham separadamente. Eles compartilham o objetivo de diminuir os custos de chegar ao espaço e, com isso, aumentar o acesso aos cosmos, mas cada um faz isso a sua maneira. 

Já que o trabalho e o avanço é tão particular, podemos dizer que há uma nova corrida espacial ou a "competição" só existe na cabeça do público
Todos eles são entusiastas do espaço, mas também são homens de negócios que fizeram fortunas com ideias inovadoras. Então eles sabem o valor da competição. Bezos foi disruptivo no mercado de livros e de varejo, enquanto Musk revolucionou a forma de pagamento com o PayPal e desafiou Detroit com a Tesla. A disputa é boa e nos instiga a ser melhor no menor tempo possível. 

Essa competição tem algo em particular?
Toda vez que você tem aportes financeiros maciço combinados a egos e personalidades de bilionários, a coisa ganha outra dimensão. Sem falar que essa é a primeira vez que vemos empresas privadas brigando neste mercado. O que nos levou à Lua foi a Guerra Fria, entre Estados Unidos e União Soviética. Agora, a guerra é entre empreendedores. 

E quem está na liderança?
Até o momento, a SpaceX conquistou mais coisas do que qualquer outro player. Eles têm uma série de foguetes que, continuamente, vão e voltam do espaço. Sem falar na reserva de clientes pagos, que inclui a NASA, que os contrata para o transporte de cargas e suprimentos. É possível que no ano que vem a SpaceX lance o primeiro foguete tripulado para a NASA. Uma missão com o Pentágono e vôos com clientes comerciais também estão no plano da empresa de Musk. Eles estão à frente de todos os concorrentes. 

"O que nos levou à Lua foi a Guerra Fria, entre Estados Unidos e União Soviética. Agora, a guerra é entre empreendedores "

A NASA não corre o risco de se tornar irrelevante?
Sejamos claros: a NASA ainda desempenha um papel fundamental na exploração do espaço. A Agência Espacial Americana levou outro robô a Marte, coisa que nenhuma dessas empresas chegou perto de conseguir fazer. É um legado de décadas. Além disso, a SpaceX não existiria sem a NASA e os generosos contratos que formaram. Todas essas empresas são muito dependentes da NASA.

E qual o denominador comum dessas empresas, afinal?
Eu diria que o mindset do Vale do Silício: impaciência, inovação e "anti"-burocracia. De certa maneira, podemos até dizer que são "anti"-NASA, porque não gostam dos procedimentos e de metodologias demoradas. As lições que aprenderam no lugar mais competitivo da Califórnia, estão levando ao espaço. 

Neste caso o dinheiro também é o objetivo final?
Para que essas companhias sejam bem sucedidas, elas têm de ser financeiramente bem sucedidas também. É parte do trabalho encontrar maneiras de desenvolver um negócio que gere receita. Mas eles são homens de negócios e sabem muito bem disso. 

Ainda falando da questão do investimento, essas empresas são dependentes das fortunas dos magnatas?
O Jeff Bezos falou que investiria US$ 1 bilhão do próprio bolso na Blue Origin e tem feito isso, mas a empresa já está em busca de novos contratos para não depender apenas das reservas do empresário. Da mesma forma, o Elon Musk colocou US$ 100 milhões do patrimônio nas engrenagens da SpaceX. Por outro lado, sua empresa já está mais avançada na questão da negociação de contratos e investimento externo. 

"Muita gente insiste que essa história de explorar o espaço é uma fantasia de bilionários"

Você passou bastante tempo ao lado desses empresários e das equipes por trás desses projetos, além de visitar as instalações de cada um. O que de mais valioso, ou transformador, aprendeu ao longo do caminho?
Acho que o que mais me marcou é o fato de que muita gente insiste que essa história de explorar o espaço é uma fantasia de bilionários. Mas quando alguém do calibre de Bezos, que é hoje um dos homens mais poderosos do mundo, diz que essa é a tarefa mais importante que ele tem, então é preciso prestar muita atenção. É fato que ainda há muitos desafios pelo caminho e que ainda vai demandar tempo, mas não dá para lutar contra e desacreditar.

A discussão ainda me parece muito "americanizada", como os outros países estão inseridos nessa "corrida"?
Bem, a Rússia é quem tem mandado nossos astronautas ao espaço e, este ano, a China pousou no lado sombrio da Lua. São conquistas que "acordaram" Washington e colocou maior pressão no setor. Agora, para conseguir uma evolução mais rápida, o governo vai depender dessas empresas privadas.

Como esses gigantes têm visto startups como a Relativity Space, que propõem uma maneira totalmente inovadora de explorar o espaço, usando foguetes impressos em 3D?
O que vemos é um sucesso prematuro dessas empresas. Há muito dinheiro entrando neste setor e nas startups que se lançam. Mas quando você está no começo da caminhada, é comum ver altos e baixos; perdedores e vencedores. A Vector Launch saiu da jogada, por exemplo, e muita gente achou que ela seria líder do mercado. Agora, é inegável que a competição está ficando mais acirrada, e talvez Blue Origin e SpaceX tenham que se cuidar, porque existe sempre a possibilidade de uma nova startup ser mais rápida e melhor. 

Qual seria a sua previsão para os próximos passos da corrida espacial?Quando o assunto é o espaço, qualquer linha do tempo é difícil de prever. As coisas atrasam muito. Me parece que em 2020 a a Blue Origin vai ter o primeiro vôo tripulado, enquanto a Virgin Galactic, do bilionário britânico Richard Branson, planeja levar clientes ao espaço. No mesmo ano, a SpaceX deve lançar seu foguete com astronautas da NASA. Tudo indica que 2020 vai ser um ano bastante importante. 

Nos bastidores dessas empresas, qual o maior desafio?
A batalha pelos profissionais. Estão todos tentando contratar os melhores, obviamente. A diferença é que, no passado, engenheiros e programadores tinham opções limitadas e quase previsíveis de oferta de trabalho, mas agora até os grandes precisam "brigar" com as startups. 

E por falar em equipes e profissionais, você diria que a liderança da Blue Origin, com Bezos, e da SpaceX, com Musk, são diferentes?
Ambos são muito apaixonados pelos negócios, mas a metáfora que eu uso no livro para explicar essa diferença é aquela da tartaruga e da lebre. O Elon é a lebre: quer mudar tudo com muita rapidez, é impaciente e pensa apenas em cruzar a linha de chegada da forma mais veloz que for capaz. Já Bezos é a tartaruga e parece não se importar com entregas mais lentas, dando um passo de cada vez. É claro que ele se move com urgência, mas com muita cautela também. Não por acaso, a tartaruga é justamente o mascote da Blue Origin. 

> Se você quer entender mais sobre os desafios do Vale do Silício, conheça o Silicon Valley Conference

Siga o NeoFeed nas redes sociais. Estamos no Facebook, no LinkedIn, no Twitter e no Instagram. Assista aos nossos vídeos no canal do YouTube e assine a nossa newsletter para receber notícias diariamente.