A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) é, sem dúvida, uma das joias da coroa da família Moreira Salles, que também é acionista de colossos como o Itaú Unibanco e a Alpargatas.
Dona de 80% do mercado mundial de nióbio, um material fundamental para dar liga e resistência ao aço, a empresa apresentou um faturamento líquido de R$ 8,6 bilhões e um lucro líquido de R$ 2,9 bilhões em 2019. E é praticamente assim, quase todo ano. Em 2018, o lucro líquido foi de R$ 2,8 bilhões.
São números que garantem, no mínimo, uma tranquilidade para seus acionistas. Os Moreira Salles têm 70% da empresa (os outros 30% foram vendidos para dois consórcios, um japonês e coreano e outro chinês, em 2011, por US$ 3,9 bilhões). E essa participação vale, por baixo, mais de US$ 9 bilhões. Sem contar que a CBMM ainda tem reservas de nióbio para os próximos 200 anos.
Seria o suficiente para seus executivos relaxarem em berço esplêndido. Mas, ao contrário do que se imagina, a companhia está correndo contra o tempo. E a data estipulada para a linha de chegada é 2021.
A corrida da empresa é para testar e validar uma bateria para carros elétricos que está sendo desenvolvida em parceria com a japonesa Toshiba. “Estamos correndo contra o tempo para não perder a janela de oportunidade”, diz Eduardo Ribeiro, presidente da CBMM, ao NeoFeed.
A oportunidade a que ele se refere é aprovar as baterias para equipar carros de montadoras japonesas com as quais a CBMM e a Toshiba vêm conversando, como Suzuki, Nissan e Toyota. As montadoras têm de fazer testes para colocar em produção.
Se aprovadas, essas baterias poderiam ser usadas comercialmente a partir de 2023 e garantir vendas anuais de mais algumas milhares de toneladas de nióbio para a CBMM. “O nosso negócio é aumentar continuamente o tamanho desse mercado de nióbio”, diz Ribeiro. As baterias para carros elétricos são cruciais nesse processo.
Nos próximos dez anos, a aplicação de nióbio em baterias pode significar até 40% de todas as vendas da companhia – no ano passado, por exemplo, foram 93 mil toneladas comercializadas. A números atuais, o negócio de baterias elétricas representaria um faturamento adicional de R$ 3,4 bilhões.
Para entender onde e como a CBMM entraria nesse negócio de baterias, o executivo explica como elas funcionam e a alternativa que está sendo trazida à mesa pela japonesa Toshiba e pela companhia mineira com sede em Araxá.
“Nas baterias de lítio, você tem os eletrodos: o catodo e o anodo. E tem o movimento tanto dos elétrons como dos íons, de um lado para o outro, quando carregam e quando estão sendo usadas. O que a CBMM está propondo é substituir o anodo a base de grafite por uma composição de óxido de nióbio com óxido de titânio”, explica Ribeiro.
Mas, afinal, por que as montadoras trocariam as baterias usadas atualmente por esse modelo? Segundo o executivo, quando uma bateria é carregada rapidamente, há o risco de um superaquecimento e de o carro até explodir. A Tesla, de Elon Musk, já teve alguns problemas como esse. Mas conseguiu, ao longo do tempo, aperfeiçoar as peças que equipam seus carros.
Ribeiro defende que as baterias com óxido de nióbio e óxido de titânio seriam mais estáveis. E, além disso, garantiriam uma recarga muito mais rápida. Enquanto hoje leva-se cerca de 4 horas para carregar uma bateria tradicional, as de óxido de nióbio levariam apenas seis minutos.
Isso permitiria produzir carros mais leves. Motivo: com a recarga mais rápida, não seriam necessárias tantas baterias para garantir mais autonomia. “Em vez de carros com autonomia de 600 km, poderiam ser feitos com autonomia de 300 km”, diz Ribeiro. O peso embarcado, diz o executivo, cairia de 500 kg para 250 kg.
“Esse é um ponto que pode mudar a indústria de veículos elétricos no mundo. É um baita ganho para o desenvolvimento desse segmento”, diz Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da Jato do Brasil. E prossegue. “A falta de infraestrutura e o tempo de recarga ainda são entraves para os carros elétricos”, afirma.
De acordo com dados da OICA, a entidade internacional que reúne as fabricantes de veículos em todo o mundo, no ano passado foram vendidos 91,3 milhões de veículos (incluindo caminhões e ônibus). Estima-se que, em 2030, entre 30% e 40% dos veículos vendidos por ano no mundo serão elétricos. Ou seja, há muito espaço para crescer.
Todas as montadoras, de Volkswagen a BMW, de Ford a novatas como a Fisker, contam com projetos de veículos elétricos em direção a uma matriz renovável e limpa. Além disso, os governos estão se mexendo para apoiar esse movimento. Onze países europeus já se pronunciaram dizendo que pretendem banir os motores a combustão até 2030.
O consultor Paulo Roberto Garbossa, diretor da consultoria ADK Automotive, afirma, entretanto, que o grande problema a ser resolvido pelo mercado é o preço das baterias. “Ainda são muito caras”, diz Garbossa. E, neste ponto, a CBMM perde. Afinal, o modelo proposto pela empresa é, em média, 15% mais caro do que o que está no mercado. “Mas com escala isso pode ser reduzido”, afirma Ribeiro.
Todo um trabalho de marca já está sendo feito. Para estar cada vez mais ligada a esse movimento, a empresa é uma das patrocinadoras da Fórmula-E, a competição automobilística de carros elétricos, uma espécie de Fórmula-1 plugada na eletricidade, com a marca “niobium”. E tem buscado firmar parcerias estratégicas.
A CBMM tem conversado com a equipe McLaren, que fornece as baterias para as equipes, para fazer testes com a bateria de óxido de nióbio. Em paralelo, também tem costurado uma parceria com a ABB para testar essas baterias em ônibus.
O mercado de nióbio
Essa estratégia de correr para fazer o mercado de nióbio crescer não é nova. Desde a década de 1960, a companhia atua dessa maneira. Naquela época, o mercado era de 1 mil toneladas e hoje está na casa de 120 mil toneladas anuais.
No mundo, existem mais de 100 depósitos contendo nióbio, mas que não estão operando. E existem, atualmente, só quatro produtores. “Crescemos o tamanho do mercado desenvolvendo aplicações com os nossos clientes”, diz Ribeiro. Ele afirma que o mercado potencial é pequeno em relação a novos entrantes.
Justamente por isso, as ações da CBMM são vistas como uma estratégia de defesa. “O nosso dever é aumentar o mercado de nióbio para que não haja uma superoferta e destrua o negócio.” Os investimentos em inovação, da ordem de R$ 200 milhões por ano, têm sido feitos nesse sentido.
E é preciso, de fato, aumentar o mercado cada vez mais. Para se ter uma ideia, usa-se, em média, 100 gramas de nióbio para cada tonelada de aço. Cada quilo de ferronióbio (uma liga de ferro com nióbio) é vendido no mercado por preços que variam entre US$ 24 e US$ 27. Já o óxido de nióbio seria vendido entre US$ 36 e US$ 38.
Para estar preparada para esse salto, a CBMM vai finalizar no começo do ano que vem investimentos de R$ 3 bilhões para aumentar a capacidade de produção para 150 mil toneladas por ano. A obra, que teve início em 2012, seria concluída neste ano, mas foi alongada por conta da Covid e deve ser finalizada em 2021.
O ano de 2019 foi o ano em que a companhia bateu recordes. Produziu 110 mil toneladas de ferro nióbio equivalente e vendeu cerca de 93 mil toneladas. Em 2020, os números totais devem ser 20% menores porque o coronavírus impactou em setores cruciais para a companhia, como o automobilístico, óleo e gás e infraestrutura.
Mas, por exportar 96% de sua produção para mais de 50 países, a empresa está vendo cada mercado se comportar de uma maneira diferente da outra. “A China se recuperou muito rápido”, diz Ribeiro. E prossegue. “Vendemos mais neste semestre para os chineses do que no mesmo semestre do ano passado.”
É quase um empate técnico, uma vez que o crescimento anotado no país de Xi Jinping foi de 1%. Mas chama a atenção crescer em um cenário de economia devastada no mundo inteiro. “A China, em média, representa 40% dos negócios da CBMM, mas, neste ano, já responde por 45%”, afirma Ribeiro.
Na Europa, que é o segundo maior mercado da empresa, onde o nióbio é muito usado para fazer superligas para a indústria aeroespacial, as vendas caíram 50%. O mesmo cenário é visto no Japão e na Coreia do Sul, outros grandes mercados consumidores.
Diversificação da companhia
Até 2017, o único produto vendido pela empresa era nióbio. Mas o conselho, presidido por Pedro Moreira Salles, fez uma provocação. “Eles disseram: ‘essa é uma empresa que gera caixa, que está acostumada a investir em tecnologia, gostaríamos que novos negócios fossem analisados’”, diz Ribeiro.
O escolhido foi o grafeno, justamente por ter sinergia com o nióbio. Junto com o óxido de nióbio, o grafeno pode melhorar o desempenho de uma bateria. Depois de um ano de discussões, a CBMM comprou 25% da 2DM, startup especializada em grafeno, uma spin-off da universidade de Cingapura, por US$ 2,5 milhões.
Caso o investimento se mostre lucrativo e estratégico, a companhia pode ainda aumentar a sua fatia na startup. Ao que parece, entretanto, foi uma aposta certeira. A primeira entrega de grafeno foi feita no mês de junho, no meio da pandemia. Foram mais de 100 kg de grafeno vendidos.
Ribeiro não revela quem é o comprador, mas está animado com o novo negócio. Quem deve ficar feliz com a notícia é o presidente Jair Bolsonaro, que virou uma espécie de garoto-propaganda do nióbio e do grafeno por onde passa.
Em junho do ano passado, quando esteve em uma conferência do G20, realizada no Japão, Bolsonaro fez uma live no Facebook um dia antes do encontro e mostrou bijuterias feitas com nióbio. Nela, defendeu a criação de uma espécie de “Vale do Nióbio” numa alusão ao famoso Vale do Silício, o berço das empresas de tecnologia na Califórnia, nos Estados Unidos.
O namoro do presidente com o nióbio e o grafeno são antigos. Em sua campanha à presidência, ele já falava sobre isso. No seu plano de governo, já constava isso. “O Brasil deverá ser um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno e nióbio, gerando novas aplicações e produtos”. O Brasil pode não ter caminhado muito nessa área, mas a CBMM continua acelerando.
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