Na guerra dos bancos digitais, o mineiro Bmg está ‘comendo pelas beiradas’. Sem alarde e de forma discreta, a instituição financeira da família Pentagna Guimarães está conseguindo crescer o número de clientes de forma acelerada, aproveitando sua forte presença no crédito consignado.
No quarto trimestre de 2020, o número de clientes da conta digital atingiu 2,6 milhões. Há um ano, eram 834 mil. “Os dados de janeiro e fevereiro deste ano mostram que a abertura de contas segue forte”, disse Ana Karina Bortoni, CEO do Bmg, em entrevista ao NeoFeed.
Nos últimos três meses do ano passado, o Bmg conseguiu abrir uma quantidade recorde de 12,4 mil contas digitais por dia útil, um crescimento de 77% sobre o período anterior. No terceiro trimestre, a média era de 7,6 mil. O segredo? O velho e bom crédito consignado, uma das marcas registradas do banco.
Explica-se: 52% dessa base de contas digitais são de clientes que contam com o cartão de crédito consignado ou fizeram um empréstimo consignado – 9% vêm das parcerias com times de futebol (Corinthians, Vasco e Atlético Mineiro) e 39% do que Bortoni chama de “mar aberto”, onde a disputa por novos clientes é sangrenta com os principais bancos digitais do mercado.
É para essa base de clientes tradicionais que o Bmg quer aumentar o cross sell, oferecendo uma conta digital gratuita com serviços que vão do tradicional marketplace, passando por uma assinatura de telefonia celular, através do recém-lançado Bmg chip, até crédito pessoal e investimentos. “Queremos atacar o mercado com serviços e crédito”, diz Bortoni. “Só o produto de crédito não é suficiente.”
No caso do marketplace, o Bmg conta com 200 lojas parceiras, que dão cashback para as compras realizadas com cartões do Bmg tanto no débito como crédito. Lançado em novembro de 2020, ele já movimentou mais de R$ 1 milhão por mês.
Em relação a telefonia celular, no modelo de operadora virtual, o banco oferece planos que começam em R$ 19,90 e vão até R$ 39,90 – é necessário abrir uma conta digital. O Bmg também fez uma parceria com a Creditas, para criar um marketplace de crédito com garantia.
No total, o Bmg, que tem um patrimônio líquido de R$ 4,1 bilhões e índice de Basileia de 17,8%, conta com 5,2 milhões de clientes. Só de cartões de crédito consignados são 4,4 milhões, o que indica ainda um potencial grande de migração dessa base para a conta digital do banco mineiro. “O Bmg tem um público cativo que são os consignados. E essa base de dados tem um grande valor”, afirma Alexandre Chaia, professor do Insper e da plataforma educacional Finted.
A questão que se coloca é se isso será suficiente para manter o crescimento e, principalmente, ser rentável. “O Bmg está tombando os clientes atuais, mas o que eles acrescentam?”, comenta uma fonte do setor financeiro. “Será que eles vão conseguir vender mais produtos para esse cliente, que já está endividado?” Nesse sentido, ganhar escala passa a ser fundamental.
O Bmg apresentou um guidance agressivo de crescimento de sua base de clientes digitais em 2021. De acordo com ele, a meta é alcançar entre 4,5 milhões e 5 milhões de contas digitas neste ano. Em 2023, o objetivo é ter mais de 10 milhões de contas digitais, número que o Inter alcançou em março deste ano. O Nubank já contabiliza 35 milhões de clientes, incluindo quem usa o cartão de crédito e tem uma conta digital.
Por conta desses números, o Nubank foi avaliado em US$ 25 bilhões, quando captou US$ 400 milhões em uma rodada série G, em janeiro deste ano. O Inter, cujas ações são negociadas na B3, vale R$ 38,8 bilhões. O Bmg, que abriu o capital em outubro de 2019, quando levantou quase R$ 1,4 bilhão, tem uma capitalização de R$ 3 bilhões. Suas ações estão cotadas a R$ 5,20, abaixo do valor do IPO de R$ 11,60.
“Apesar do crescimento das contas digitais, o mercado não enxerga o Bmg como uma fintech”, afirma Eduardo Nishio, analista-chefe da Genial Investimentos. Neste caso, o crescimento da base de contas digitais não se torna o principal parâmetro de análise. E os demais números do banco mineiro não devem empolgar os investidores no pregão da B3 desta quarta-feira, 31 de março.
A começar pelo guidance apresentado aos investidores, que estima um crescimento menor para carteira total de créditos. Em 2020, ela foi de R$ 14 bilhões, alta de 22,3%. Neste ano, a expectativa é de uma expansão entre 13% e 17%. Por outro lado, a provisão operacional, que incluiu ações cíveis, deve aumentar de R$ 364 milhões, em 2020, para algo entre R$ 390 milhões e R$ 460 milhões. Outras linhas de custos devem subir em 2021. O caixa somava R$ 4,9 bilhões no fim de quarto trimestre. “As despesas ainda estão muito altas”, diz Nishio.
Soma-se a esses fatores uma dificuldade comum a qualquer banco que se autodenomine digital: dar lucro. A CEO do Bmg diz a operação digital já é rentável. “A receita média do produto consignado é muito mais alta”, afirma Bortoni. Em 2020, o lucro líquido recorrente foi de R$ 381 milhões, crescimento de 11%. Mas ele se deve aos negócios tradicionais de consignado. “O grande desafio dos bancos digitais é rentabilizar os clientes de serviços gratuitos”, afirma Nishio, da Genial Investimentos.
Nesse ponto, o Bmg aposta também em sua conta digital para pessoas jurídicas, lançada no terceiro trimestre de 2020. Os números, nesse caso, ainda são baixos: apenas 7 mil empresas. Para crescer, a estratégia do banco mineiro passa, de novo, pelo seu ecossistema, como a empresa de adquirência Granito, da qual o Inter comprou uma fatia de 45% - o Bmg manteve 45% e os fundadores da empresa, 10%.
Com o acordo, o Bmg tem exclusividade no balcão dos clientes da Granito, o que lhe garante prioridade na hora de um estabelecimento abrir uma conta digital. Há ainda um potencial de 31 mil empresas a ser explorado na base de clientes da credenciadora. “Ela vai ajudar muito no crescimentos das contas PJ”, diz Bortoni. Duas outras parcerias devem contribuir na expansão da área de empresas. Entre elas, as realizadas com a Wiz e a Generali na área de seguros.
Até agora, o crédito consignado, modelo de negócios tradicional do Bmg, tem sustentado não só os resultados, como também o avanço digital do banco. Mas até quando ele alavancará essa expansão? A resposta será conhecida nos próximos trimestres.