A Neon sempre se posicionou como uma fintech voltada às classes C e D. Mas, no meio do caminho, aconteceram alguns desvios como a criação de uma conta PJ, depois desativada, e a compra da corretora Magliano, hoje inativa, no intuito de desenvolver uma “plataforma de investimentos”.
Fernando Miranda, executivo que comandava a área de investimentos do Nubank e foi contratado como copresidente da Neon em março, diz que nada mudou, “a base da pirâmide sempre foi, é e continuará sendo o alvo da companhia”. Agora, no entanto, com um foco maior em um produto, ou melhor, produtos que ele tem batizado internamente de ecossistema do consignado privado.
“Esse é um business que está para ser disruptado”, diz Miranda ao NeoFeed. A afirmação do executivo vem acompanhada de números. De acordo com dados do Banco Central de maio deste ano, o crédito consignado privado, que pratica taxas menores por conta da garantia salarial, está em R$ 41,5 bilhões e o crédito clean, com taxas maiores, cerca de R$ 257,8 bilhões.
“Isso não faz sentido”, afirma. E prossegue. “No Brasil, são 50 milhões de assalariados e mais de R$ 40 bilhões de crédito consignado privado. No público, são 37 milhões de assalariados e mais de R$ 570 bilhões de crédito consignado (R$ 237,5 bilhões de aposentados e pensionistas do INSS e R$ 333,3 bilhões de funcionários públicos). Como pode isso?”
A estratégia da Neon, que nos últimos anos comprou três companhias voltadas ao crédito consignado como a Consiga+, Biorc e Leve, é ter uma espécie de lego que se encaixe nas empresas.
“O empréstimo está no meio, mas a beleza é criar um cartão de crédito consignado com taxas menores, folha de pagamento de empresas médias, antecipação de salário – uma dor de cabeça para os RHs das empresas – e educação financeira para explicar para os funcionários. “Vender ao RH que isso pode fazer diferença na vida dos funcionários.”
Falando dessa forma parece simples. Mas não é. Primeiro que não é tão fácil entrar nas empresas e comunicar aos funcionários sobre o consignado. Segundo que muitos desses produtos já são oferecidos pelos grandes bancos, que lideram essa corrida com mais de 90% do consignado privado.
“Os incumbentes querem as classes A e B. A gente entra oferecendo produtos para outro público”, diz Miranda. “Tem empresa que não vai querer folha de pagamento, outra que não vai querer educação financeira e podemos entrar em outros produtos que elas necessitam.”
O NeoFeed conversou com alguns players desse setor e a resposta é de que é muito difícil tracionar no privado. “Tem um grande desafio de escalabilidade”, diz um banqueiro que conhece o produto a fundo. “A primeira opção sempre será do banco que tem a folha de pagamento”, diz ele.
Outro banqueiro ouvido pelo NeoFeed diz que uma operação que não tem a folha fica com um risco muito ruim. “É o que chamamos de segunda ficha, um cliente de seleção adversa.” E prossegue. “Outros já tentaram entrar forte nesse mercado, mas ninguém conseguiu. É muito difícil. Não à toa, o tamanho do consignado privado é pequeno.”
Hoje, a fintech atende 700 empresas e conta com uma base de 1,5 milhão de CPFs para “atacar”. “Vou aumentar o meu market share da torta, mas acredito que essa torta ficará muito maior”, diz Miranda. A carteira de crédito da fintech é de R$ 3,5 bilhões, mas a empresa não revela quanto disso é consignado.
Ele acredita que a “torta ficará maior” por conta do open finance, que ainda engatinha no Brasil. Quando estiver a pleno vapor, a tendência é que os clientes possam ter mais clareza das ofertas de crédito no mercado.
A tese da Neon vem com uma estratégia de desacelerar o crescimento e focar na monetização da base, algo que dez entre dez fintechs do Brasil passaram a fazer desde que o mercado de venture capital esfriou e os investidores passaram a cobrar resultado.
Se antes a Neon, que hoje conta com 23 milhões de clientes na base, adicionava cerca de 600 mil novos clientes por mês, agora traz uma média de 350 mil. “Ao longo dos últimos dez meses, fomos vendo a oportunidade que temos na mão.”
Ao criar o ecossistema de consignado, a ideia é manter o dinheiro dos clientes cada vez mais dentro da companhia. “Receita por cliente, PDD, nível de ativação e diminuição de churn é sete vezes maior do que o cliente que não tem a Neon como primeira conta”, diz Miranda.
Com acionistas como General Atlantic, BV, BlackRock, BBVA e outros, o Neon já recebeu aportes que totalizam R$ 3,7 bilhões desde 2018. O mais recente foi em fevereiro do ano passado, quando recebeu um cheque de R$ 1,6 bilhão em um aporte série D liderado pelo banco espanhol BBVA.
O NeoFeed conversou com um dos investidores sob a condição de anonimato e a visão é a de que o desafio da fintech é ter o "cash in" dos clientes e continuar entregando bons produtos para a base da pirâmide. "Para fazer bem feito, isso leva tempo", diz ele. Nos últimos anos, diz esse mesmo investidor, a Neon evoluiu muito em gestão e processos e isso tem se mostrado uma vantagem competitiva.
Sobre novos aportes, a visão é a de que a empresa não precisa no atual momento. "Se precisar, faremos", diz o investidor. Indagado sobre a posição do caixa, Miranda não revela os números, mas diz que é confortável e tem “muito chão”. Mesmo assim, a Neon não passou ilesa pelos cortes que tomou conta do mercado de tecnologia. A companhia, hoje com 2 mil funcionários, demitiu cerca de 200 pessoas no início do ano.
O IPO, algo que players digitais como Inter e Nubank já fizeram, ainda faz parte da agenda da companhia. Mas não é algo para agora. Miranda diz que a fintech ainda não dá lucro. Portanto, a Neon terá de fazer bem a lição de casa antes de lançar seus papéis na bolsa.