A Suzano tem vivido uma aparente contradição em 2022. Maior produtora de celulose do mundo, com valor de mercado de R$ 65,9 bilhões, ela tem registrado bom desempenho operacional, com a geração de caixa batendo recorde no segundo trimestre. Mas em vez de estarem em alta, como se esperaria do momento vivido pela empresa, as ações da companhia acumulam queda de 22,7% no ano.
Diante desta situação, e entendendo que ela não faz sentido sob o ponto de vista dos fundamentos, a companhia aderiu a um movimento que ganhou destaque no noticiário corporativo em 2022: lançou mão de um programa de recompra de ações. Em 27 de julho, ela anunciou uma operação para adquirir até 20 milhões de ações no mercado, o equivalente a 2,8% do total em circulação, operação que deve movimentar cerca de R$ 1 bilhão.
“Existe esse descasamento entre a performance do negócio e o mercado acionário”, diz Marcelo Bacci, diretor executivo de Finanças, Relações com Investidores e Jurídico da Suzano, ao NeoFeed. “O movimento [de venda de ações] chegou a um tamanho que entendemos que o preço da ação não faz sentido em relação ao desempenho econômico da empresa.”
A empresa não está sozinha. Até quinta-feira, 25 de agosto, foram anunciados 77 programas de recompra de ações em 2022, segundo compilado feito pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Se as operações em andamento adquirirem todos os papéis que estão autorizados, elas podem movimentar cerca de R$ 64 bilhões, considerando o nível mais recente das cotações.
A quantidade de recompras anunciadas neste ano é relevante, uma vez que, de janeiro a agosto de 2021, o total de operações somou 61, fechando o ano em 107. O número acumulado até o momento em 2022 também está acima da média dos anúncios feitos nos últimos quatro anos, de 75 operações, segundo cálculo realizado a partir de levantamento da empresa de soluções para as áreas de relações com investidores MZ ao NeoFeed.
Quando se olha os dados sobre recompras mais a fundo, se vê uma enorme diversidade de empresas realizando recompras de ações, seja em valor de mercado ou setor. De nomes conhecidos do mercado, além da Suzano, Santander, JBS e Cosan também aprovaram operações para adquirir ativos. Empresas menores como a fabricante de silos agrícolas Kepler Weber, a produtora de artigos esportivos Cambuci e o bureau de crédito Boa Vista também têm programas abertos.
A Vale, avaliada em R$ 326 bilhões, divulgou em abril o maior programa de recompras até o momento, que pode adquirir até 500 milhões de ações, movimentando R$ 34,6 bilhões. Já o Itaú Unibanco, o mais novo integrante da turma de recompra, divulgou no dia 25 de agosto, a intenção de comprar até 75 milhões de ações preferenciais, operação que pode movimentar cerca de R$ 2 bilhões.
Bolsa barata
A recompra de ações é uma operação em que a companhia vai ao mercado para adquirir seus próprios papéis a preços de mercado. Os ativos recomprados acabam na tesouraria da empresa, para depois serem cancelados, utilizados para pagamento de bônus a executivos ou em M&As.
A medida tem basicamente dois objetivos. O primeiro é retornar recursos aos acionistas. Aqueles que vendem suas ações recebem recursos por sua participação. Os que permanecem com os papéis aumentam sua fatia na empresa, repartindo dividendos com um número menor de acionistas.
O segundo objetivo é sinalizar aos investidores a avaliação da administração de que os papéis estão em patamares muito baratos. E este ponto tem sido o principal motivo da maioria das operações neste momento.
Desde a metade do ano passado, os mercados acionários sentem os efeitos da reversão da política monetária altamente acomodatícia adotada na época da pandemia, além das consequências da guerra na Ucrânia. Com a aceleração da inflação pelo mundo, os Bancos Centrais têm subido as taxas de juros, movimento que está enxugando a liquidez e levando a uma migração de recursos da renda variável para a fixa.
A consequência disso é uma depreciação significativa nos preços das ações. Segundo cálculo feito pela TC/Economatica a pedido do NeoFeed, a mediana do múltiplo EV/Ebitda de 373 empresas não financeiras na B3 no final de agosto foi de 5,9 vezes, abaixo da mediana dos últimos cinco anos, de 7,8 vezes, um indicativo de que as empresas estão baratas.
A pressão sobre a Bolsa tem impulsionado o anúncio de programas de recompra de ações. Maio registrou o maior número de anúncios de recompra até o momento, 21 operações, um mês após o Ibovespa fechar com queda de 10%. Se a situação tem motivado as empresas a comprarem ações, ela tem espantado aquelas que querem vender suas ações, com nenhum IPO ocorrendo em 2022.
O nível depreciado da Bolsa, inclusive, tem gerado casos inusitados no caso das recompras. A operação anunciada pela Suzano em julho foi a segunda em 2022. Antes, ela tinha aberto um programa em maio, com o objetivo de adquirir 20 milhões de ações, por cerca de R$ 1 bilhão. O prazo máximo para a realização das recompras era de 18 meses, mas a companhia concluiu as compras em três meses, pelo fato de as ações estarem muito baratas.
“Conseguimos comprar com preço médio que a gente acredita ser bastante adequado, entre R$ 46 e R$ 47. Então, a gente resolveu renovar o programa, porque acreditamos que nesses preços é um negócio interessante para a companhia”, afirma Bacci.
Quem também está em seu segundo programa de recompra em um curto período de tempo é a fabricante de embalagens de papel Irani. A companhia anunciou em 17 de agosto uma nova operação, para recomprar 9,8 milhões de ações, equivalente a 10% do total em circulação. Considerando a cotação do dia do anúncio, a operação pode movimentar cerca de R$ 68 milhões, caso todo os papéis forem adquiridos.
Em setembro do ano passado, a empresa iniciou um programa para recomprar até 8,2 milhões de ações, representativas de 7,7% do total no mercado, um volume financeiro total de R$ 43,4 milhões diante da cotação do dia do anúncio. A operação acabou encerrada para dar lugar ao novo programa.
“Se for olhar hoje, a nossa ação está negociando a 4,4 vezes o EV/Ebitda, quando a média histórica fica entre 7,5 vezes e 8 vezes”, afirma Odivan Cargnin, CFO e diretor de relações com investidores da Irani, que tem valor de mercado de R$ 1,8 bilhão e cujas ações acumulam alta de 7,4% no ano. “Enquanto a ação não estiver em níveis adequados de preços, de acordo com a nossa visão, vamos continuar recomprando.”
Caixa cheio
Os patamares historicamente baixos em que as ações estão sendo negociadas em 2022 coincidem com o bom momento operacional vivido por muitas companhias, que também têm impulsionado o lançamento de programas de recompra de ações desde o ano passado.
O levantamento feito pela TC/Economatica mostra que, no segundo trimestre deste ano, a receita consolidada de 395 empresas listadas na Bolsa cresceu 21% em relação ao mesmo período de 2021. O Ebitda também apresentou expansão de 3,7%, enquanto o lucro líquido caiu 23,5%, com a linha financeira da maioria das empresas prejudicada pelos efeitos da alta da Selic no endividamento, afetando o resultado final.
Os resultados dão tranquilidade para as companhias irem ao mercado e comprarem suas ações, sem se comprometerem financeiramente.
“As empresas estão com balanços razoavelmente confortáveis e estão menos endividadas do que estavam há alguns anos”, afirma Carlos Eduardo Sequeira, chefe da área de análise e pesquisa do BTG Pactual para América Latina. “E elas estão com dinheiro disponível para fazer recompras, tendo aproveitado os últimos anos em que o mercado estava positivo para fazer emissão de dívida e equity.”
A locadora de plataformas aéreas Mills abriu dois programas de recompra de ações justamente por estar em um bom momento operacional, com caixa cheio. Depois de passar anos sofrendo com os efeitos da crise econômica que assolou o País a partir de 2015, a Mills conseguiu estabilizar a situação e voltar a ter bom desempenho operacional. Com valor de mercado de R$ 2,2 bilhões, ela fechou o segundo trimestre com R$ 451 milhões em caixa, aumento de 27,3% em base anual.
Com recursos no bolso e vendo as ações em níveis baixos, a empresa decidiu que era hora de voltar a remunerar seus acionistas. Em março, ela anunciou a intenção de recomprar até 14,9 milhões de ações, representando 6,06% do capital social, numa operação que pode totalizar R$ 97,2 milhões. Um ano antes, iniciou uma operação para adquirir 7,5 milhões de ações, equivalente a 6,5% do capital social da empresa na ocasião, numa operação de R$ 45,2 milhões.
“Ano passado foi o primeiro ano desde 2014 que voltamos a pagar dividendos”, afirma Caroline Leonard, CFO da Mills. “Voltamos com o plano de recompra no ano passado, justamente porque estávamos com caixa robusto e precisando alocar capital, além de ser uma forma de remuneração indireta ao acionista.”
Ter uma posição de caixa confortável é considerada fundamental pelos executivos ouvidos pelo NeoFeed para realizar a recompra de ações, além de as ações estarem em níveis que incomodam a diretoria, para não atrapalhar os investimentos das empresas. Neste sentido, as companhias estão bem posicionadas, com a posição de caixa e equivalentes consolidada ao final dos três meses de junho sendo 4,3% superior do que há 12 meses.
Bacci, da Suzano, afirma que a geração de caixa recorde do segundo trimestre permitiu abrir um segundo programa de recompra de ações sem prejudicar os investimentos. “Tínhamos previsto no começo do ano investir R$ 13 bilhões e revisamos para R$ 16 bilhões justamente porque estamos gerando mais caixa”, afirma. “Mesmo assim, a gente teve uma geração de caixa que excedeu esse valor a mais que estamos investindo, então acabamos destinando mais R$ 1 bilhão para a recompra, porque nós temos esses recursos disponíveis.”
Cargnin, da Irani, diz que os programas de recompra de ações não prejudicam os investimentos da companhia na chamada Plataforma Gaia, portfólio de projetos voltados para a expansão da capacidade da empresa. “Estamos investindo R$ 1 bilhão na Plataforma Gaia”, afirma. “Não estamos deixando de investir no crescimento para realizar as recompras.”