Bastaram apenas algumas horas para que o americano Trevor Milton passasse a integrar o clube dos bilionários. Era junho de 2020, e a Nikola, fabricante de veículos elétricos fundada por ele, cinco anos antes, acabara de desembarcar na Nasdaq.

O início das negociações fez com que o patrimônio do empresário, na época com 38 anos, saltasse para quase US$ 5 bilhões. E coroou a trajetória da startup, que viu suas ações fecharem o pregão de estreia no mercado de capitais cotadas a US$ 34 e seu valor de mercado chegar a US$ 12 bilhões.

Entretanto, o que poderia ser o ponto de partida para uma jornada bem-sucedida no mercado de ações se mostrou, um pouco mais à frente, um percurso extremamente acidentado para Milton e a Nikola. E o desfecho dessa saga – ou ao menos de parte de alguns de seus capítulos – deve ser conhecido nas próximas semanas.

O palco dessa nova etapa é o Tribunal Distrital de Nova York, corte em que teve início nesta terça-feira o julgamento de Milton, que está sendo acusado de fraude por declarações feitas sobre o desenvolvimento da tecnologia e dos produtos da Nikola. A previsão é de que o caso tenha um veredicto em cerca de cinco semanas.

A Procuradoria de Manhattan alega que o empresário mentiu sobre “quase todos os aspectos” relacionados à operação durante o período em que esteve à frente da companhia. O objetivo? Induzir os investidores a comprarem ações da companhia.

“Ele mentiu para estimular investidores inocentes a comprar ações da sua empresa”, afirmou o procurador Nicolas Roos nas declarações iniciais do processo, segundo a rede americana CNBC. “Às custas desses investidores inocentes enganados por suas mentiras, ele se tornou um bilionário praticamente da noite para o dia.”

Poucos dias depois da abertura de capital, concretizada por meio da fusão com uma Special Purpose Acquisition Company (SPAC), as ações da Nikola chegaram a ser negociadas a mais de US$ 90, o que fez com que a companhia, mesmo sem gerar receita na época, superasse o valor de mercado da Ford.

Esse trajeto ganhou novos contornos, porém, três meses depois, a partir de um dossiê divulgado pela Hindenburg Research, empresa especializada em pesquisa financeira forense, que continha conversas gravadas, depoimentos de ex-funcionários, e-mails e até fotografias dos bastidores da operação da Nikola.

Trevor Milton, o fundador da Nikola

Além de fazer com que as ações da Nikola desabassem, o relatório motivou a saída de Milton do comando da empresa, naquele mesmo mês, e foi o estopim para a abertura de investigações por parte da Securities and Exchange Commission (SEC) e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Em novembro do mesmo ano, esse contexto também motivou a General Motors a abrir mão de uma participação de 11% que deteria na Nikola, em um acordo que também previa, inicialmente, a colaboração entre duas companhias.

Como resultado de todas essas implicações, a Nikola pagou uma multa de US$ 125 milhões, em dezembro do ano passado, para encerrar as denúncias contra a empresa. Milton, por sua vez, foi indiciado por quatro acusações e, caso seja condenado, pode pegar até 25 anos de prisão.

Os promotores alegam, por exemplo, que Milton afirmava que o Nikola One, primeiro protótipo de caminhão da empresa, era “totalmente funcional”, quando não era. Um dos pontos levantados no relatório da Hindenbung Research foi justamente uma suposta manipulação no vídeo de apresentação do veículo.

Em outra acusação, ele dizia que a Nikola havia projetado e construído uma caminhonete elétrica, batizada de Badger, após anos de trabalho. Entretanto, segundo os promotores, o projeto havia sido desenvolvido por fornecedores terceirizados, com base no caminhão de uma grande montadora. Entre outras questões, as denúncias envolvem ainda as baterias desenvolvidas para os veículos da montadora.

No primeiro dia do julgamento, Marc Mukasey, advogado do empresário, procurou seguir a linha de que, longe de uma tentativa de ludibriar os investidores, o discurso adotado por Milton buscava transmitir uma “visão do futuro do transporte”.

Enquanto Milton e seus advogados tentam convencer os jurados de que o empresário é inocente, a Nikola pena para conquistar a confiança dos investidores. As ações da empresa fecharam o pregão de hoje em queda de 6,68%, cotadas a US$ 5,03. No ano, os papéis da companhia, avaliada em US$ 2,1 bilhões, acumulam uma desvalorização de 49%.