Se, de um lado, a explosão do número de empresas de serviços financeiros digitais pressionou os bancos a saírem da zona de conforto, do outro, abriu também espaço para que eles explorem um filão de negócios que tem crescido: o banking as a service.
O modelo, que consiste em viabilizar que companhias ofereçam serviços financeiros a seus clientes, como uma conta digital tem sido uma aposta mais comum no Brasil para bancos de pequeno e médio porte, mas já começa a despertar a atenção de instituições de grande porte.
O mais novo adepto desse mercado no País é o americano Citi, que vendeu a sua operação brasileira de varejo para o Itaú Unibanco em 2017 por R$ 710 milhões e, desde então, se concentra em atender a clientes corporativos. A instituição financeira acaba de colocar no ar uma plataforma para oferecer serviços de banco múltiplo para seus clientes corporativos, entre eles uma conta digital.
Até o momento, três clientes já aderiram à plataforma: uma fintech e duas companhias não financeiras, de nomes não revelados. “É uma oportunidade não só para os bancos estabelecidos, mas também para os que estão chegando”, afirma ao NeoFeed Driss Temsamani, head de serviços digitais do Citi para a América Latina, baseado em Miami
O serviço que o Citi passou a oferecer aos seus clientes que pretendem se transformar em um “banco” permite lançar uma conta digital com identidade visual própria e com o apoio de toda a infraestrutura bancária. A companhia também pode ter uma carteira digital ou oferecer produtos de crédito para seus clientes no melhor estilo white label.
Segundo o Citi, trata-se de um movimento impulsionado pela agenda regulatória que o Banco Central (BC) tem implementado nos últimos anos, que abre espaço para mais competição no setor financeiro e permite um aumento da penetração dos serviços bancários em toda a população do Brasil, marcada pelo alto nível de desbancarização.
O curioso nesse negócio é que o banco americano, que abandonou o varejo no Brasil por não conseguir bater de frente com os grandes bancos nacionais, está justamente apostando no crescimento do varejo bancário com essas ferramentas para terceiros.
Por aqui, o Citi se dedica principalmente a atender grandes empresas, multinacionais e companhias de médio porte, com faturamento anual entre R$ 500 milhões e R$ 5 bilhões. A sua força no atendimento a empresas, aliás, lhe garante o posto de segundo maior banco estrangeiro com presença no mercado brasileiro, com R$ 104 bilhões em ativos, atrás apenas do espanhol Santander, única instituição de fora que conseguiu se estabelecer no varejo local.
Sem a exposição ao varejo e a empresas menores, o Citi acabou sendo um dos bancos menos afetados pela crise econômica causada pela pandemia. Em 2020, o lucro líquido da instituição no Brasil caiu 4%, para R$ 1,424 bilhão, enquanto os três maiores bancos privados de varejo (Itaú, Bradesco e Santander), somados, tiveram queda de 24%.
Com 200 milhões de clientes no mundo, a instituição americana não informa qual é o peso do Brasil na operação global. A América Latina, no entanto, representou 12% das receitas do banco no segundo trimestre, ou US$ 2,2 bilhões de um total de US$ 17,4 bilhões. A maior fatia é da América do Norte, com 45%, onde o banco lançou a plataforma digital, antes de trazê-la para a região latino-americana.
A entrada do Citi no segmento de banking as a service é uma tendência do setor financeiro. Entre os principais bancos que já exploram essa modalidade no Brasil, estão o BV, antigo Banco Votorantim, e o Original, controlado pela holding J&F. As instituições têm se concentrado principalmente em atender as novas fintechs que surgem a cada ano no Brasil, mas que não contam com a licença do BC para operar como banco.
No ano passado, o número de fintechs no País chegou a 771, um aumento de 28%, no mais recente levantamento divulgado pelo Radar FintechLab. O Zro Bank, por exemplo, é uma plataforma de câmbio que nasceu em 2020 e usa a estrutura do Banco Topázio para oferecer alguns serviços aos seus usuários.
Além delas, empresas não financeiras têm buscado lançar serviços financeiros digitais para aumentar o relacionamento com seus clientes, com maior destaque para varejistas, como Americanas, Via e Magazine Luiza, que oferecem contas digitais e soluções de crédito.
As três, aliás, têm recorrido a aquisições de empresas do setor financeiro. A Ame Digital, controlada por Americanas e B2W, comprou, por R$ 34 milhões, a Parati Financeira, que atua como provedora de banking as a service. A Via comprou o banQi. O Magazine Luiza, por sua vez, adquiriu, por R$ 290 milhões, a Hub Fintech, uma instituição de pagamentos regulada pelo BC.
Até os aplicativos de transporte têm seguido por esse caminho. A Wappa, que trabalha com 100 mil taxistas no Brasil, fechou uma parceria com a Jazz, uma empresa de tecnologia, e o Banco Arbi, de pequeno porte, para disponibilizar uma conta no app para os motoristas.
Na avaliação de Temsamani, do Citi, os movimentos do mercado não representam o início de uma guerra ou de uma corrida para ver quem se torna mais digital. Em sua visão, significam um esforço para entrar em um trem que está se movendo muito rápido. "E este trem está indo em direção a uma economia que será quase 100% digital".
Os efeitos, inclusive, já podem ser vistos na pandemia, que acelerou a oferta de serviços financeiros digitais, em meio ao isolamento social. Em 2021, o número de desbancarizados no Brasil caiu para 34 milhões de pessoas, contra 45 milhões em 2019, segundo o Instituto Locomotiva.
Em 2021, o número de desbancarizados no Brasil caiu para 34 milhões de pessoas, contra 45 milhões em 2019, segundo o Instituto Locomotiva.
Uma vez que as fintechs e as empresas não financeiras têm investido em relacionamento para chegar a desbancarizados e insatisfeitos com os serviços das instituições tradicionais, desenha-se um cenário no qual os bancos são empurrados para desempenhar um papel de retaguarda.
“Será que um banco grande consegue entregar na ponta a mesma experiência que um varejista ou que uma carteira digital? Eles vão ter enorme dificuldade de conseguir fazer isso”, afirma o consultor João Bragança, diretor de serviços financeiros da consultoria Roland Berger.
Segundo ele, os grandes bancos ainda são tímidos em aderir a esse negócio porque o varejo ainda gera muita margem de lucro. Contudo, fariam muito bem se seguissem por esse caminho, como uma estratégia complementar, acredita o consultor. “Não andar para isso é uma estratégia que está errada”, diz Bragança.
No caso do Citi, o banking as a service e a conta digital são as etapas mais recentes de uma jornada de transformação digital do banco que começou há três anos e meio. Nesse período, por exemplo, a instituição digitalizou o processo de abertura de contas no próprio Citi.
Depois de terem sido testados nos mercados desenvolvidos onde o Citi atua, como Estados Unidos e Europa, os novos produtos estão sendo lançados em diversos países. Além do Brasil, na Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, Guatemala e Porto Rico. Outros países da América Latina devem ser incluídos ao longo de 2022.
“Estamos desenvolvendo soluções para automatizar a relação entre nós e nossos clientes, entre nossos clientes e os clientes dos nossos clientes e com os fornecedores dos nossos fornecedores”, afirma Fernando Granziera, gerente de digital do Citi.
Para seguir com novos produtos, o banco americano aguarda o avanço da agenda do BC brasileiro, para ter mais empurrões. “No futuro próximo, devemos começar a trabalhar com boletos com QR Code, blockchain e uma solução global de e-commerce que será adaptada ao Brasil, a ser lançada no segundo semestre”, diz Granziera.