Não são poucas as facetas de Scott Galloway. Aos 58 anos, ele combina um currículo como escritor, empreendedor e professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York com uma coleção de análises sem papas na língua sobre o mundo dos negócios e, em especial, o mercado de tecnologia.

Com essa bagagem, o americano é considerado um dos gurus do Vale do Silício. E, todo início de ano, ele coloca essa reputação à prova ao divulgar sua já conhecida lista de previsões para os 12 meses seguintes, temperada por comentários ácidos e boas doses de irreverência.

Entre erros e acertos, muitos dos seus palpites – ou parte deles - acabam se concretizando. No início deste ano, por exemplo, sua bola de cristal cravou que o Twitter seria comprado e que os preços das ações das empresas de carros elétricos seriam reduzidos pela metade, o que, de fato, aconteceu.

Na semana passada, no apagar das luzes de 2022, Galloway publicou um balanço do seu exercício de futurologia para o ano. E agora, após jogar suas cartas, voltou ao seu blog “No Mercy, No Malice” para divulgar suas “profecias” para 2023.

“Todos os anos nós fazemos previsões. A proposta é inspirar uma conversa”, afirma Galloway, no início da postagem. Na sequência, como de costume, ele ainda ressalta: “Também tentamos nos responsabilizar.”

A nova lista volta a abordar personagens que protagonizaram a relação do ano passado, como a Tesla e a Meta, dona do Facebook, empresa que Galloway previu como o “grande fracasso tecnológico de 2022”. E abre espaço para outras big techs, além de nomes como Airbnb, ByteDance e Amazon.

Confira os principais temas abordados por Galloway:

1 – O “novo normal” para as empresas de tecnologia

Na avaliação de Galloway, após um boom econômico de 14 anos, período que foi acompanhado pela explosão de contratações nas empresas de tecnologia, os profissionais do setor vão vivenciar um “novo normal”, dando sequência à onda de demissões anunciadas em 2022, na esteira do cenário adverso.

Para ilustrar esse movimento, ele cita que, no ano passado, mais de 90 mil profissionais de tecnologia foram demitidos nos Estados Unidos e, globalmente, mais de 150 mil, um volume que superou os patamares somados de 2020 e 2021.

“Em relação aos 5 milhões de empregos criados nos Estados Unidos em 2022 é uma gota no balde, mas a queda aumentará em 2023”, pontua. Ele destaca, porém, a percepção das empresas de que será possível obter resultados com equipes mais enxutas, ou, “o mesmo sabor, com menos calorias”.

“A estratégia de negócios mais importante de 2023 não será a inteligência artificial ou a diversificação da cadeia de suprimentos, mas ser forte sem ser um idiota”, escreve. “As vantagens do acerto de contas (também conhecido como capitalismo) serão substanciais.”

2 – Lucros históricos para Amazon, Alphabet e Meta

Apesar de ressaltar que os cortes são ruins tanto para a moral das empresas como para os demitidos, ele observa que, geralmente, a redução nos quadros é boa para os negócios e significa mais lucro por ação.

Google e Meta, com margens operacionais de 30%, podem demitir 25 mil pessoas cada ou aumentarem suas receitas em US$ 12,5 bilhões e registrar o mesmo lucro operacional. Eles e centenas de outras empresas de tecnologia escolherão uma versão da primeira opção”, afirma.

Sob esse panorama, Galloway projeta que, apesar de fatores como a ascensão do TikTok e da economia em desaceleração, essa abordagem mais centrada na eficiência proporcionará os trimestres mais lucrativos de todos os tempos para a Alphabet, dona do Google, a Amazon e a Meta.

A Amazon é uma das grandes apostas de Galloway entre as ações de tecnologia para 2023

3 – A ByteDance vai alcançar US$ 1 trilhão em valor de mercado

Para Galloway, o TikTok é, ao lado da Apple, uma das duas forças que estão “sugando o oxigênio do ecossistema publicitário”. Ele reforça essa visão ao frisar que a ByteDance, dona do aplicativo, já vale US$ 300 bilhões, mais do que Disney, Snap, Pinterest, Twitter, IPG, WPP e Omnicom Group juntos.

“A Apple já é uma empresa multibilionária e o TikTok cortará a fita de quatro vírgulas em seu valuation este ano”, diz, ao destacar que o aplicativo levou apenas cinco anos para alcançar um bilhão de usuários – três anos a menos que o Instagram e quatro anos a menos que o Facebook.

4 – As ações de tecnologia em destaque no mercado de capitais

Galloway também tem suas apostas no mercado de capitais. Para ele, o Airbnb e a Meta serão as ações do setor com melhor desempenho em 2023. E por diferentes razões.

Como um dos pontos favoráveis ao Airbnb, Galloway cita que 70% do tráfego da plataforma vêm de visitas diretas e orgânicas, comparado a um patamar de 40% de rivais como Marriott e Expedia.

“Essa força da marca resulta em uma margem líquida duas vezes superior a de seus pares no setor. O Airbnb também gera meio milhão de receita por funcionário, mais do que a maioria das empresas de tecnologia, e dez vezes mais do que as redes de hotéis”, escreve.

No caso da Meta, Galloway, um crítico ferrenho da companhia, em particular, de seu fundador, Mark Zuckerberg, destaca que a aposta do empresário no metaverso é algo que “seu inimigo mais formidável não poderia ter sonhado”. E ressalta o fato de as ações da empresa terem recuado 75% em 2022.

“Claro, o metaverso é burro/estúpido/ridículo, mas a Meta ainda é um negócio de US$ 120 bilhões e um vulcão de caixa com margens operacionais excepcionais. O Facebook e o Instagram não são mais novidade, mas a população do Hemisfério Sul e da Índia ainda os usa”, afirma.

Mark Zuckerberg, fundador e CEO da Meta

Além da dupla, ele também prevê que as ações de companhias chinesas de tecnologia, como Meituan, Pinduoduo, Tencent, Alibaba e JD.com terão forte desempenho em 2023. Galloway diz que esses papéis estão sendo vendidos 50% abaixo de seus pares americanos, mas em função da incerteza política, e não do desempenho dos seus negócios.

“É provável que haja mais turbulência de curto prazo à medida que a China se recupera do seu abandono da “Covid Zero”, mas o peso econômico do país e a necessidade de Xi Jinping continuar trazendo seus conterrâneos para a classe média serão um alívio para o setor de tecnologia”, diz.

5 – Tesla: novos recordes, mas com rivais avançando

Na contramão dessas profecias, Galloway prevê que a Tesla repetirá, nesse ano, parte do roteiro percorrido em 2022, com receita e entregas recordes, e o valor das ações caindo pela metade. Uma das principais razões por trás dessa previsão é o aumento da concorrência no campo dos carros elétricos.

“Em 2021, dissemos (novamente) que a Tesla seria cortada pela metade e foi. A queda continuará. Por quê? A Tesla ainda é negociada a 35 vezes o lucro, enquanto a concorrência (algo que a empresa não tinha antes) é negociada a 5 vezes o lucro”, observa.

6 – Pico da idolatria aos "deuses inovadores"

Galloway também reserva tempo para falar do que classifica como uma espécie de religião dos tempos atuais: a “adoração” por grandes nomes por trás de empresas de tecnologia, considerados como deuses. Entre eles, Elon Musk, Bill Gates, Steve Jobs e Larry Page.

“Nossa adoração grosseira e absurda por inovadores de tecnologia pode ter atingido o pico”, afirma. Ele diz que a “Igreja da Tecnologia” passou por meses difíceis em 2022, ao fazer referências a casos como a condenação a 11 anos de prisão, por fraude, de Elizabeth Holmes, a fundadora da Theranos.

“Espero que uma nova rodada de falências e chamadas de margens destronem nossos deuses modernos”, observa. “Estou otimista de que esses abusadores não serão apenas transferidos para diferentes paróquias, mas também que isso iluminará a importância da regulamentação, da confiança e de conselhos independentes.”

7 – A Disney vai comprar a Roblox

Em outra ponta, Galloway prevê que, com o retorno de Robert Iger ao comando da Disney, o grupo pode colocar um pé no metaverso, ao comprar a plataforma americana de games Roblox, cujas ações estavam avaliadas em US$ 120, no início de 2022, e agora estão negociadas na casa de US$ 28.

“A Roblox é um metaverso que funciona”, destaca ele, citando que a plataforma tem cerca de 60 milhões de usuários ativos, metade deles, com 13 anos ou menos. “Na Disney, Bob está de volta e pode ser o melhor comprador da história.”

Ele relembra que, durante sua primeira passagem à frente da Disney, Iger liderou as aquisições da Pixar, da Marvel, da LucasFilm, da Bamtech e da 21st Century Fox. “Adquirir a Roblox seria mais caro, mas a Disney tem o capital e, estrategicamente, faz sentido.”

Robert Iger, CEO da Disney

8 – O ano da inteligência artificial

Em 2022, Galloway previu que o ano seria dominado pela ascensão da Web3. Já para esse ano, ele prevê que esse papel será exercido pela inteligência artificial e com uma diferença: ao contrário de sua antecessora, o conceito de tecnologia em questão irá corresponder a esse hype.

“Já testemunhamos os imensos recursos de programas de inteligência artificial geradores de imagem e texto, incluindo o Midjourney, o Stable Diffusion e o ChatGPT”, diz. “Um influxo de capital e atenção em 2023 irá acelerar o crescimento da categoria.”