Quando a Stone anunciou que estava comprando a Linx, em agosto deste ano, o mercado se perguntou: se era tão óbvio, por que ninguém pensou em fazer isso antes?
É claro que a transação com a Linx está longe de ser fechada. Até a assembleia de 17 de novembro, em que os acionistas da Linx devem votar se aceitam ou não a proposta de R$ 6,28 bilhões da Stone, muita água vai rolar por debaixo dessa ponte.
E não custa lembrar: tem a Totvs no meio de caminho. Ao que tudo indica, a empresa fundada por Laércio Cosentino está disposta a lutar até o último instante para conseguir vencer essa batalha contra a Stone – e até disse publicamente que considera aumentar a oferta.
Mas se for possível olhar para além da Linx – o que é muito difícil neste momento, pois a disputa pelo controle embaça a visão – será também óbvio enxergar que a Stone está desenvolvendo uma estratégia para ir além das maquininhas muito antes da oferta da Linx.
“O posicionamento da Stone sempre foi de uma empresa de tecnologia”, diz uma fonte que passará a ser concorrente da empresa se o negócio com a Linx for fechado. “É um movimento que ela vem fazendo ao longo dos últimos anos.”
O lance bilionário pela Linx é só o mais recente – e também o maior deles. Mas há tempos, a Stone tem comprado pequenas empresas para sair de algo que se tornou uma commodity: as transações financeiras.
Parece óbvio, mas muitas credenciadoras de cartão não enxergaram essa realidade e estão ainda lutando a “guerra das maquininhas”, competindo apenas por preço.
Só neste ano, a Stone fez diversas de aquisições que, para uma pessoa que não acompanha a companhia de perto, parecem desconectadas da realidade. A credenciadora fundada por André Street investiu, por exemplo, no aplicativo de entregas Delivery Much, na solução de gestão para restaurantes MVarandas, na ferramenta de gestão de redes sociais mLabs, e na startup de saúde Vitta, que oferece sistemas para consultórios médicos e planos de saúde para startups.
“As sinergias são inúmeras. E obviamente elas vão ser trabalhadas ao longo do tempo”, afirma Luca Ceschin, sócio da Vitta, que admite que as duas empresas já estão rodando projetos-pilotos para que as duas empresas possam conhecer melhor os modelos de negócios.
A Vitta é um exemplo de como negócios que parecem dissociados da estratégia da Stone se encaixam na proposta de valor da credenciadora. Oferecer planos de saúde está longe do core da Stone. Mas a Vitta não se resume a isso. Ela também tem um sistema para consultórios, usados por 15 mil médicos. E ter uma solução de pagamento para esse público faz todo sentido para a Stone.
A Vitta, que atende aproximadamente 100 mil vidas, está expandindo também sua atuação. A companhia passou a oferecer planos odontológicos, em parceria com Unimed e Metlife. A empresa da Stone vai também oferecer medicina ocupacional, os famosos exames admissionais que as empresas precisam fazer quando contratam funcionários. Nesse caso, o acordo é com a Mantris.
"Queremos atingir um público específico e os nossos produtos são customizados", diz Ceschin. "No universo de startups, há muitos PJs e muitos planos não atendem os colaboradores, o que não é o nosso caso."
Além da guerra das maquininhas
Esse movimento de compras de pequenas empresas da área de software não é recente. A lista de companhias que foram adquiridas pela Stone é enorme. Ela incluiu a Pagar.me, solução de pagamento online; a Mundipagg, que oferece inteligência para negócios digitais; a Equals, que trabalha com conciliação financeira; e a Cappta, com soluções de TEF.
O número de clientes que a Stone identifica como de soluções de software também tem crescido de forma acelerada – e a pandemia deu um empurrão e tanto nessa expansão. No primeiro trimestre, eram 155 mil. No segundo trimestre, saltaram para 283 mil. Em julho, dado mais recente, somavam 305 mil.
A receita anualizada da área de software da Stone já bateu R$ 100 milhões. É pouco diante de um faturamento de R$ 2,3 bilhões em 2019. Mas oferecer soluções para todos os tipos de varejo é fundamental na estratégia de fidelização do cliente. No fim, o pagamento é uma commodity, mas ele precisa estar presente.
“A Stone foi comprando diversas startups, muitas delas atuando em mercados pequenos. Mas o trabalho delas é integrar o meio de pagamento e servir como vertical com dois sistemas integrados”, afirma Edson Santos, um dos principais especialistas do mercado de meios de pagamentos no Brasil. “A Stone tem de avançar na cadeia de valor do lojista para oferecer outras coisas porque o pagamento vai perdendo importância ao longo do tempo.”
Nesse sentindo, a compra da Linx, se concretizada, é um animal totalmente diferente. Não pela estratégia, que segue a mesma. Mas por seu porte. A companhia detém uma participação de 45% do varejo com seus softwares. São mais de 70 mil varejistas, com mais de 100 mil lojas. O volume transacionado pelos sistemas da Linx foram de R$ 300 bilhões, em 2019.
Para se ter uma ideia, as maquininhas da Stone transacionaram R$ 129,1 bilhões no ano passado. Se a empresa conseguir capturar metade do volume que passa pelos sistemas da Linx, ela pode mais do que dobrar sua participação no mercado, hoje na casa dos 8%. Em cartões de crédito e débito, por meio de sua solução TEF, a Linx já captura R$ 89 bilhões. “No fim, se ela vencer a disputa, o preço vai sair barato”, diz uma fonte da área de pagamentos.
É claro que esse é um exercício matemático que precisa ser confrontado com a realidade. E há enormes desafios à Stone. O principal deles é a integração com a Linx. E, de acordo com duas fontes consultadas pelo NeoFeed, ela não é nada trivial.
Uma coisa é comprar pequenas startups e, aos poucos, ir integrando. Outra é absorver a Linx. “Ela não tem um único software. São mais de 30 sistemas de diversos setores e com diversas versões”, diz um rival da Linx. “E precisa combinar com os russos. Trocar um software dá trabalho: precisa testar, homologar e retreinar os funcionários. É um trabalho gigantesco.”
Um trabalho que a Stone parece não ter dúvida que precisa realizar. Procurada, a Stone não quis dar entrevistas a esta reportagem.