Charles Aznavour tinha um “quarto secreto” em sua mansão no vilarejo de Mouriès, no sul da França, onde morreu em 2018, aos 94 anos. Era nesse cômodo que o cantor francês mais famoso do mundo guardava registros de sua intimidade, capturados por ele mesmo com a câmera que costumava carregar para todos os lados.

Por onde passava, o intérprete de “La Bohème”, “La Mamma” e “Emmenez-moi”, entre outros hits, fazia uma espécie de diário filmado. Eram imagens de sua rotina como cantor (sobretudo de bastidores), de suas mulheres, de sua família, de seus amigos e de suas viagens pela América do Sul, África e Ásia – até então inéditas.

Só meses antes de morrer, de uma parada cardiorrespiratória complicada por edema pulmonar, Aznavour começou a vasculhar o material, com a intenção reunir tudo em um longa-metragem. O resultado é o documentário “Aznavour Por Charles”, que desembarca nos cinemas do Brasil em 7 de janeiro.

Descrito como “um filme de Charles Aznavour”, a obra foi dirigida pelo amigo do cantor, Marc di Domenico. O artista entregou o seu arquivo privado a Domenico, que já tinha filmado alguns de seus concertos e dirigido o documentário “Aznavour Autobiographie”, exibido na TV francesa, em 2018.

Com carta branca para usar os registros de Aznavour como achasse melhor, e com a ajuda de Mischa Aznavour, o filho do cantor que atua aqui como produtor, Domenico busca desvendar o olhar de um gigante da música.

As imagens revelam como Aznavour via a própria vida, a fama e também o mundo, com os detalhes que mais chamavam a sua atenção. Podia ser o passeio de bicicleta de um de seus filhos pelo quintal ou uma estranha brincadeira de um lutador de sumô com uma criança, registrada em sua passagem pelo Japão.

“Você viu o meu nome em letras vermelhas no topo do Olympia (a mais antiga casa de shows de Paris). Você me viu no palco, de longe, de perto e em fotos. Você me viu sim, mas o que não sabe é que eu também vi você. Na verdade, observo você desde o início”, diz o próprio Aznavour, na voz do ator Roman Duris, responsável pela narração do filme.

Todo o documentário é costurado por comentários de Aznavour, com material extraído dos livros autobiográficos, de seu caderno de notas e de suas entrevistas. “O tempo passa, e é a câmera que melhor o capta”, afirma o cantor, logo no início do documentário.

As primeiras imagens que o artista registrou foi com uma câmera de 16 mm Paillard Bolex que ele ganhou de Édith Piaf, em 1948. Na época, ele abria os shows da cantora, que se tornou a sua mentora. Ela o convidou para acompanhá-la em uma turnê pelos EUA, que é mostrada no longa-metragem.

A partir daí, o espectador assiste à ascensão de Aznavour, apelidado de “Frank Sinatra da França”, por ter alcançado a fama mundial e pela forma como encantava a plateia com seu repertório romântico. Ao longo de 70 anos de carreira, o artista vendeu cerca de 200 milhões de discos e gravou mais de 1.200 canções, em nove idiomas.

Pelo modo como o cantor filmava a sua vida, dá para perceber que o sucesso lhe caiu muito bem. Há imagens dele em casas luxuosas com piscina e em férias em cenários paradisíacos como Capri, na Itália, onde o artista aparece pilotando lanchas. “Ganho muito dinheiro e não escondo isso”, confessa Aznavour, que veio de uma família de refugiados armênios.

Algumas imagens deixam a vaidade do cantor transparecer, como quando ele pede que o filmem com a sua câmera no palco do Carnegie Hall em Nova York. O mesmo acontece quando Aznavour estava entre famosos como Catherine Deneuve e Johnny Hallyday.

Outro exemplo foi o cantor ter colocado uma câmera pessoal no set do filme que rodou como ator, “Un Taxi pour Tobrouk”, com o cineasta Denys de la Patellière. Só para ter uma lembrança “em cores” do seu encontro cinematográfico com o ator Lino Ventura, já que a produção de 1961 foi rodada em preto e branco.

A vaidade também se expressava nos relacionamentos que ele teve, principalmente com a modelo sueca Ulla Thorsell, a terceira mulher com quem se casou. O cantor a filmava sem parar, reforçando sempre a sua beleza, com quem se orgulhava de uma esposa troféu. E várias vezes Aznavour, um homem de 1m60 de altura e sem muitos atrativos físicos, pedia que Ulla o filmasse também. “É preciso se filmar para se ver e para se amar”, diz ele, em “Aznavour Por Charles”.

Vários momentos marcantes de sua vida são resgatados no documentário, incluindo a primeira vez em que ele pisou na Armênia, aos 40 anos, e conheceu finalmente a avó. Também é revivido o drama pela morte prematura de um de seus filhos, que teria se suicidado aos 24 anos: Patrick, fruto de uma relação extraconjugal do cantor, nos anos 1950.

Tudo embalado, obviamente, por trilha sonora assinada pelo próprio Aznavour. O documentário termina com a canção “Mon Amour On Se Retrouvera”, enquanto as imagens revelam as andanças do cantor pelo mundo, incluindo as de tardes preguiçosas em praias ensolaradas.

“O azul do mar vai continuar depois de nós, depois de mim e depois de vocês”, afirma Aznavour, já nos momentos finais. “Nunca revi essas imagens. Mas, ao filmá-las, sabia que um dia vocês a veriam. E hoje vocês estão aqui, atrás do meu ombro”, completa ele.

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