Antes da pandemia, quando o mundo ainda não fazia ideia de que o distanciamento social se tornaria mandatório, a tecnologia de pagamentos por aproximação engatinhava no Brasil. Além de ser limitada a compras de R$ 50 nas transações sem senha, esbarrava no aspecto cultural, em meio ao medo das pessoas de que a operação não fosse tão segura.
Com o tempo, o receio do consumidor foi diminuindo e a tecnologia ganhou força, empurrada pela necessidade de evitar o contato físico, após a chegada da covid-19, e pelos aumentos de limite nas transações sem senha, agora em R$ 200. Já é comum, inclusive, que o vendedor se antecipe na pergunta ao cliente: “é por aproximação?”.
Os números falam por si. No primeiro semestre, foram R$ 53 bilhões em transações por aproximação com cartão no Brasil, mais de seis vezes o valor registrado na primeira metade do ano passado, de R$ 8,3 bilhões, e nove vezes o montante anotado em todo o ano de 2019, de R$ 6 bilhões, segundo números da Abecs, associação de empresas de cartões.
Impulsionada por esse movimento, a Stone decidiu dar um passo a mais e permitir que os vendedores usem o celular para receber pagamentos por aproximação, dispensando a maquininha. Basta que ele use o aplicativo e que seu aparelho tenha a tecnologia NFC. O objeto a ser aproximado pode ser tanto o cartão ou o celular do cliente, se ele tiver uma carteira digital.
A tecnologia, testada nos últimos três meses, passará a estar disponível nesta terça-feira, dia 24, e é voltada para os usuários da Ton, a marca de maquininhas da Stone para pequenos empreendedores e profissionais autônomos, uma base que conta com 190,3 mil clientes.
“São pessoas como a manicure, o personal trainer e alguém que trabalha com jardinagem, que antes não aceitavam cartão e nos sinalizaram que vinham perdendo negócios, pois estavam restritos ao dinheiro ou ao cheque”, afirma Augusto Lins, presidente da Stone Pagamentos, ao NeoFeed.
Estes profissionais, porém, passaram a ter um grande aliado em 2020: o Pix, lançado pelo Banco Central (BC) em novembro. Uma parte deles, inclusive, já tinha a maquininha, mas tem preferido oferecer a sua chave Pix ao cliente, para evitar as taxas do cartão de débito e receber o dinheiro na hora.
Lins, contudo, prefere ver o Pix como um instrumento que ajudou a consolidar um hábito. “O Pix fez um trabalho enorme de trazer mais gente para o mercado (de pagamentos) e aumentou a consciência para os meios de pagamentos eletrônicos”, afirma.
Ainda assim, lembra que a ferramenta do BC não consegue, pelo menos por enquanto, substituir o cartão de crédito. “Para fazer Pix, tem de ter dinheiro na conta”. Trata-se, contudo, de uma barreira que está perto de cair: em 2022, o BC planeja lançar o Pix Garantido, que permitirá transações parceladas.
A Ton, lançada em março de 2020 pela Stone, representou um movimento da companhia para entrar no mercado de maquininhas para pequenos empreendedores, ainda dominado pela PagSeguro, que tem 9% do mercado de adquirência. A fintech ainda não revela qual tem sido o valor transacionado pela Ton, mas os 190,3 mil usuários fazem parte de uma base ativa total de 722,3 mil clientes da Stone, segundo números do primeiro trimestre.
No período, a Stone registrou R$ 50,1 bilhões em transações, alta de 35,5% em relação a igual período de 2020 e conta com uma participação de mercado de 9,4% no Brasil, atrás das líderes Cielo (29%), Rede (24%) e Getnet (16%), segundo estimativas do Goldman Sachs.
Avaliada em US$ 16,38 bilhões na Nasdaq, a Stone teve lucro líquido de R$ 158,3 milhões no primeiro trimestre, praticamente estável em relação ao resultado alcançado em igual período de 2020, a R$ 158,6 milhões.
Com a iniciativa para a Ton, a Stone não é a primeira instituição a viabilizar que celulares substituam maquininhas. Desde fevereiro, o Sicredi, por exemplo, sistema de cooperativas, oferece a tecnologia a seus associados.
A fintech, porém, larga na frente em relação a outras adquirentes que focam em pequenos empreendedores, como PagSeguro e Mercado Pago. O PagSeguro, no caso, tem o PagPhone, um aparelho vendido pela própria empresa que funciona tanto como celular como maquininha.
O Mercado Pago, por enquanto, só permite que os consumidores usem o celular para pagamento com a tecnologia NFC. O vendedor, porém, pode gerar um código QR no seu aparelho para receber o dinheiro.
Segundo Lins, foi possível avançar com a estratégia porque a Stone percebeu que a “grande maioria” da sua base de clientes já contava com aparelhos que tinham a tecnologia NFC. A empresa, porém, não divulga qual é o tamanho da proporção. Por enquanto, as transações pelo celular são limitadas a R$ 200.
Para o consultor Edson Luiz Santos, sócio e fundador da CO.Link Business Consulting, o movimento da Stone reforça uma tendência de “desintermediação” dos pagamentos. “O futuro caminha para desmaterializar. Quanto mais simples for, mais barato fica o custo para efetuar a transação”, afirma.
Embora esteja crescendo a ritmo acelerado, os pagamentos por aproximação ainda são uma parte pequena do total transacionado em cartões no País. No primeiro semestre, segundo a Abecs, a tecnologia representou apenas 4% das compras feitas com cartões.
Para Lins, da Stone, os cartões ainda fazem parte da cultura do brasileiro e o avanço dos pagamentos por aproximação entre celulares não significa, necessariamente, que o plástico está fadado à extinção. “Ainda vamos ter cartões por muitos anos”, disse o executivo.
O presidente da companhia evita fazer projeções e diz que os próximos passos da empresa serão guiados pela vontade do cliente. “O cliente é soberano”, ele disse. “Mas outros públicos vão demandar outras soluções. Um supermercado, por exemplo, que tem uma fila que não pode parar, vai precisar de um software de gestão conectado”, afirmou.
Santos, da CO.Link, é otimista quanto à tecnologia e vê espaço para que o recebimento de um pagamento com aproximação seja uma tendência também entre negócios maiores. “Em um restaurante, por exemplo, onde o garçom já usa o celular para anotar os pedidos, poderá ser viável que ele já use o aparelho para receber o pagamento também”.