A Shein é a maior empresa de fast-fashion do mundo que você nunca ouviu falar – em especial, se você tem menos de 30 anos. A varejista chinesa se tornou uma sensação pela combinação de preço baixo e modelos atraentes, cativando um público jovem. Com isso, está crescendo de forma acelerada no mundo e no Brasil, assim como as polêmicas que a cercam.
Agora, essa gigante chinesa, que já fatura mais de R$ 2 bilhões no mercado brasileiro, de acordo com estimativas de um relatório do BTG Pactual, está estudando a produção de suas roupas por meio de parceiros locais no País, colocando pressão em concorrentes como C&A, Riachuelo e Renner.
Em meados de dezembro do ano passado, o fundador da Shein, Chris Xu (que também é conhecido como Yangtian Xu), esteve no Brasil, onde se encontrou com alguns dos principais fornecedores de roupas do varejo de moda brasileiro, duas fontes disseram ao NeoFeed.
Nesta viagem, ele conheceu como funciona a cadeia de fornecimento de roupas no Brasil, que é extremamente pulverizada em pequenos fornecedores. “Eles estão rodando e indo em grandes fornecedores que atendem ao varejo brasileiro”, afirma uma das fontes.
Mas a visita ao Brasil de Xu não foi apenas exploratória. A Shein já assinou contratos de confidencialidade com dois fornecedores. Neste momento, de acordo com essa fonte, a companhia avalia se faz sentido produzir suas peças no Brasil.
“Tem algumas categorias em que o Brasil é competitivo e que pode fazer sentido para eles terem fornecedores locais”, diz uma fonte que conhece os planos da Shein. “Jeans é uma das categorias mais fortes do site e que eles estão analisando.”
Atualmente, a Shein conta com um site em português e traz suas peças da China ao Brasil, deixando-as armazenadas em um centro de distribuição no País, para reduzir o prazo de entrega. Mesmo assim, ele pode chegar a 30 dias. O preço barato, no entanto, compensa a espera.
Mas, para uma empresa que é conhecida por ser ultra fast-fashion, com modelos que mudam na velocidade das redes sociais e com preços bem baratos (os vestidos, por exemplo, começam a partir de R$ 30), esse tempo é enorme. A produção local reduziria esse timing.
Ao mesmo tempo que conversa com fornecedores para produção de peças de roupas, a Shein também está montando uma estrutura no Brasil, contratando funcionários para fortalecer a operação brasileira.
O NeoFeed tentou, ao longo de duas semanas, contato com representantes da empresa no Brasil e no mundo. Mas, até o fechamento desta reportagem, não recebeu respostas aos e-mails enviados, que solicitavam mais informações sobre os planos da Shein no Brasil.
A companhia, no entanto, está com campanhas bem agressivas no Brasil. A varejista chinesa oferece frete grátis para compras acima de R$ 49. E conta com devolução grátis, caso o consumidor não goste da peça que comprou online.
Compras com valores maiores têm cupons de descontos que podem chegar a R$ 80 nas transações acima de R$ 400. Os métodos de pagamento estão todos adaptados ao mercado brasileiro. A companhia oferece a opção de pagar com PIX e até em boletos – algo que alguém que não está operando localmente teria dificuldade de oferecer.
No ano passado, a Shein vendeu quase US$ 16 bilhões em roupas globalmente, o que representa mais da metade da receita de Inditex, a controladora da varejista espanhola Zara. Em maio do ano passado, a empresa chinesa ultrapassou a Amazon, de Jeff Bezos, como o App de compras mais popular nos EUA.
No Brasil, a Shein vem ganhando espaço. Em 2021, o aplicativo da varejista chinesa foi o mais baixado do setor de modas, com 23,8 milhões de downloads, de acordo com relatório do Goldman Sachs, com base em dados da consultoria Sensor Tower.
O desempenho foi três vezes superior ao do segundo colocado na categoria, a Lojas Renner. A Shein esteve à frente também de C&A, Marisa e Arezzo.
Em janeiro deste ano, a Shein seguiu sua folgada liderança e atingiu quase 50% dos downloads de aplicativos de moda, muito à frente de concorrentes como Arezzo, Renner, C&A e Riachuelo, de acordo com relatório do UBS.
Não por acaso, o BTG Pactual reconheceu também a força da Shein no mercado brasileiro, em relatório de fevereiro deste ano. “Vemos a Shein como uma força crescente no setor de varejo de vestuário brasileiro”, escrevam os analistas Luiz Guanais, Gabriel Disselli e Victor Rogatis.
Eles acrescentam que os players locais também aumentaram seus esforços em direção a um mercado mais digital (e omnichannel), como Arezzo, Centauro, Grupo Soma e Renner.
“Todos eles, além do sabor local, beneficiam-se de uma vasta base de lojas para reduzir o tempo e os custos de entrega, além de proporcionar uma UX sem atrito (uma vantagem fundamental na busca por taxas de conversão mais altas).”
O atrativo da Shein, além de seu preço baixo, é o que alguns analistas chamam de “real time” fast-fashion. A varejista chinesa produz novas peças em um ritmo alucinante, usando o pulso das redes sociais e um algoritmo que vasculha a internet para descobrir quais itens de moda estão sendo mais comentados pelos usuários.
IPO e polêmicas
Em janeiro deste ano, a Shein retomou os planos de um IPO nos Estados Unidos, segundo notícia publicada pela Reuters. A ideia é buscar uma avaliação de US$ 100 bilhões.
Mas, para convencer os investidores a botar dinheiro na companhia, a Shein terá de se desvencilhar de uma imagem que a acompanha há muito tempo: a de falta de transparência de como produz suas roupas de baixo custo.
Fundada em 2008 por Xu, a Shein começou a ganhar tração a partir de 2015, quando conquistou os consumidores de 12 anos a 27 anos, a chamada geração Z. Hoje, a empresa faz entregas para clientes de 150 países e seu catálogo conta com mais de 600 mil peças.
Apesar do sucesso, a empresa está envolta em práticas polêmicas. No “Índice de transparência da moda de 2021", da ONG Fashion Revolution, a Shein atingiu a marca de 1%, em um total de 100% possível. Com esse desempenho, figurou entre as 21 empresas mais mal avaliadas em um ranking com 250 companhias.
Em novembro do ano passado, um relatório da ONG Public Eye registrou depoimentos de trabalhadores terceirizados da Shein na Vila de Nancun, onde existem diversos fornecedores da marca.
O resultado mostrou um cenário deprimente, com trabalhadores trabalhando em instalações sem condições adequadas de saúde e segurança, jornadas de trabalho de 11 horas por dia e pagamento por peça produzida. Após o relatório da Public Eye, a Shein informou que abriria investigações para apurar as denúncias.
Além de denúncias de trabalho análogo a escravidão para a produção de roupas, a Shein convive também com acusações de que produz peças que são cópias de diversas marcas, desde pequenos fornecedores até fabricantes maiores, como americana Levi’s.
As grandes redes varejistas no Brasil, inclusive, já estariam montando uma ofensiva contra marketplaces estrangeiros. Há um grande mal estar com diversas operações de fora, que têm ganhado participação de mercado, mas que, na visão de algumas empresas, estão atuando de forma desleal, vendendo produtos falsificados ou sem nota fiscal.
Segundo reportagem do Valor Econômico, os alvos seriam a AliExpress, da chinesa Alibaba, o Shopee, do Sea Group, a americana Wish, a chinesa Shein, o argentino Mercado Livre e a OLX Brasil.
A ofensiva estaria sendo coordenada pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), que reúne 75 varejistas, como Americanas, Casas Bahia, Magazine Luiza, Renner e Riachuelo.