Minhas lembranças me levam ao início dos anos 1990, quando todos nós usávamos roupas coloridas, tínhamos no formado na FGV e formávamos um grupo de amigos que se encontrava geralmente nas baladas das noites do Cabral ou nos fins de semana em Maresias, no canto do Moreira, para surfar ou para se embalar nas noites do Sirena.

Nesta turma logo me identifiquei com as conversas de um tal de João, que contava de suas viagens de ski entre tantas outras aventuras pelo mundo. Eu, fanático por ski, acostumado a ir anualmente para Colorado e para Portillo na época, comecei a me encontrar com João e cada vez mais nos tornávamos “os amigos da neve”.

Sempre buscando novos desafios, lugares fora das pistas tradicionais e nos provocando cada vez mais a cada oportunidade que surgia. Este amigo, aos poucos, foi mostrando que, além de um excelente esquiador, era uma pessoa com um coração gigante, capaz de sempre estar ajudando todos os que não tinham recursos ou possibilidade de terem as mesmas experiências.

Ele era uma pessoa com um grande coração que sempre pensava na família, irmãos, mãe e seu pai – ou melhor, seu super-herói. Quando víamos algo sobre Abilio, seus olhos brilhavam e às vezes se enchiam de lágrimas para contar seus feitos com tanto orgulho.

Foram mais de 30 anos de convivência com uma pessoa que, às vezes, parecia distante pouco interessada, mas, na verdade, uma pessoa tímida que apesar de todos seus predicados e seus conhecimentos, tinha muitos conhecidos, mas cultivava poucos amigos de verdade.

Todos realmente gozavam do amor e da confiança deste coração enorme, um João que fazia questão de se encontrar semanalmente com seus amigos nas mais variadas situações. Durante muitos anos, a mesa do João no Ecco (restaurante da rua Amauri, em São Paulo) era como um clube. Ela era exclusiva para seus melhores amigos, onde todas as sextas-feiras o encontro era obrigatório, momentos de puro prazer e amizade e boas conversas.

Ele era uma pessoa com um grande coração que sempre pensava na família, irmãos, mãe e seu pai – ou melhor, seu super-herói. Quando víamos algo sobre Abilio, seus olhos brilhavam e às vezes se enchiam de lágrimas

No início de 2009, fui convidado por um grande amigo para ir esquiar no Alaska praticar Heliski, fomos passar uma semana em Valdez-Alaska e foi uma das experiências mais marcantes da minha vida. Esquiar livremente pelas escarpas inclinadas do Alaska, sem ninguém ao meu lado, parecia algo muito próximo de Deus.

Quando voltei da viagem, a primeira pessoa para quem liguei foi para João e disse na hora. “Ano que vem você precisa vir comigo nesta viagem. É algo que você não vai esquecer jamais, uma experiência de vida.”

No ano que se seguiu, lá estava João comigo descendo as montanhas mais incríveis de nossas vidas, jantando KING CRAB em restaurantes tipicamente do Alaska e vivendo algo que não conseguíamos entender – uma adrenalina que nos atraía tanto para o risco e o sentimento de liberdade.

João Paulo Diniz em uma de suas aventuras no Alaska

Hoje, faz cerca de 30 anos que esquiamos sempre juntos no Colorado e no Alaska e das 11 vezes que fui para o Alaska praticar heliski, João me acompanhou em nove. Numa delas, levou seu irmão conosco que acredito também teve uma experiência única de vida.

O João que conheci não se abria fácil, adorava passar horas no tablet lendo as mais variadas notícias. Muito informado não era uma pessoa fácil de abrir espaço em sua vida, pois seus compromissos de trabalho e seu amor pela família filhos e esposa, superavam tudo.

Escutei muitas vezes sobre ele ser um cara duro, difícil, homem de poucas palavras, mas na realidade ele era fechado por uma timidez, por não querer se expor pois sabia que sempre todas as atenções estavam voltadas para suas ações.

Ele sabia como ninguém escutar, percebia – e dava muito valor – a amizade desinteressada e a pessoas que não buscavam nada além de uma amizade sincera.

Na praia de Maresias, a qual frequento há 50 anos, sempre presenciei um João solidário com os mais necessitados, sempre lutando pela preservação da praia e da comunidade.

Surfávamos no Canto do Moreira ou simplesmente curtíamos os fins de semanas com os amigos e esposas, sua casa sempre estava aberta para seus amigos e seus brinquedos pranchas: jet-ski, stand-up e foil faziam parte do dia a dia de todos que compartilhavam de sua amizade.

Seu amor e intensidade pelo esporte sempre o levaram a atrair os melhores esportistas em cada tipo de esporte para convivência ao seu lado. Cada dia ele inventava uma nova modalidade, me ligava às vezes e dizia: “Dema vamos andar de skate a pista está pronta aqui em casa, vem vamos cair juntos!”

Ademar Couto e João Paulo Diniz

Em nossas viagens, a cumplicidade era de 100%. Durante os últimos 10 anos em todas as viagens de ski para o Alaska sempre formávamos uma dupla e um olhava pelo outro. Se algo como uma avalanche ou outro problema acontecesse, sabíamos que um poderia contar com o outro.

Quando dividíamos os grupos para esquiar, sempre formávamos uma dupla pela confiança entre nós. João sabia que, se algo acontecesse, eu não desistiria até resgatá-lo. Certa vez, ele ficou com snowboard à beira de um precipício e permanecemos no local por cerca de 2 horas para descê-lo em segurança.

Eu sempre ficava por último nas descidas caso algo acontecesse para poder rapidamente atuar e isso foi criando uma grande amizade e respeito entre nós, o que cresceu a cada ano que passou.

Em março deste ano, como sempre fazíamos, fomos para o Alaska em Tordrilho, em 12 amigos, um grupo que formei com a ajuda do João. No grupo, as mesmas pessoas que nos acompanham há tanto tempo entre outros novos amigos que se aventuraram.

Quando voltamos, fizemos a reserva para 2023 para uma nova viagem. Entretanto, a esposa do João estava preocupada com os riscos da viagem e pediu para ele não ir mais. Mas ele não aguentou e confirmou que iria novamente conosco. Com certeza, ele estará lá olhando por todos nós e cuidando para que nada aconteça conosco.

Há poucos dias, convidei o João para uma nova experiência: praticar Kitesurf no Ceará. Ele rapidamente aceitou e marcamos para o fim de agosto 2022 nossa ida para o Prea. Estávamos alugando uma casa e a esposa dele em conversas com minha esposa disse que erámos loucos de começar um novo esporte nesta idade.

Este espírito de aventura e o amor por novos desafios fizeram com que a vida deste meu grande amigo não fosse apenas mais uma passagem, mas sim uma descoberta nova a cada dia, experiências únicas e exclusivas que se comparam aos grandes nomes do esporte.

Um coração gigante que parou de bater muito cedo. Gostaria de ter tido mais tempo para conviver com este ser-humano incrível, um homem que amava todos os esportes. Um triatleta, corredor, bike-man, esquiador.

Deus sabe o que faz e provavelmente estava precisando de alguém para ajudá-lo a organizar lá do céu nossa participação nas próximas Olimpíadas, tenho certeza de que convocou meu amigo para assumir o mais alto posto do esporte no céu, o qual ele desempenhará com maestria. Podem escrever, nas próximas Olimpíadas, teremos recordes de medalhas de ouro e na próxima Copa seremos hexa.

João meu amigo fique com Deus, ocupe seu espaço no céu, um dia todos nos encontraremos novamente e teremos muitas histórias para contar. Você deixou um legado incrível, todos esportistas sempre se lembrarão de você. João, meu irmão, você nunca será esquecido.