O cenário mais desafiador do venture capital não assustou a Kaszek. Ou melhor, os investidores da gestora comandada por Nicolas Szekasy e Hernan Kazah. Nesta segunda-feira, 3 de abril, a investidora de startups como QuintoAndar, Alice e Kavak anunciou a captação de US$ 975 milhões para dois novos fundos.

Na semana passada, o NeoFeed havia antecipado que a gestora planejava levantar o aporte bilionário junto a seus limited partners para financiar seus veículos. Do montante, US$ 540 milhões serão destinados para um fundo early stage (o sexto da gestora). O restante vai para o terceiro fundo de opportuny da companhia, dedicado ao late stage.

O valor dos aportes varia de acordo com o fundo. No primeiro, a tendência é de que sejam destinados recursos para entre 20 e 30 companhias em estágios de seed até Série B e com cheques que variam entre US$ 500 mil e US$ 25 milhões.

No Opportunity Fund (o terceiro fundo deste tipo) o foco está no late stage. Os investimentos serão realizados em até 15 startups e com valores entre US$ 10 milhões e US$ 50 milhões.

“O importante é entender que construir uma empresa é uma maratona e não uma corrida”, diz Szekasy. Em entrevista ao NeoFeed, o cofundador e managing partner da gestora afirmou que não houve dificuldade para levantar o dinheiro junto aos investidores, mesmo em um cenário de restrição de capital e de IPOs escassos – o que pode dificultar os desinvestimentos.

O momento atual do mercado de tecnologia foi um obstáculo para essa nova captação?
Empresas extraordinárias foram fundadas em períodos de crise e com maior escassez de capital. O importante é entender que construir uma empresa é uma maratona e não uma corrida. Essa é a filosofia que nossos investidores compartilham. São experientes e que olham para o longo prazo em relação a valorização de seu capital.

Quando foi que as conversas para a captação começaram?
Começamos a conversar em fevereiro e indicamos que fecharíamos captação no fim de março.

Há novos investidores ou recorreram somente aos limited partners (LPs) que já investiram em outros veículos da gestora?
Adicionamos alguns novos investidores, mas a maior parte do capital vem de investidores que já estão conosco há alguns anos. São investidores de diferentes partes do mundo, inclusive do Brasil.

Em um cenário de difícil captação, faz diferença ter um track record positivo para captar dinheiro para novos fundos?
O que é importante quando você levanta capital é que seus investidores se sintam seguros. E a melhor maneira de prover isso é com resultados e desempenho. Nós temos números sólidos para reportar. Mas nem sempre foi assim. Quando levantamos nosso primeiro fundo, não tínhamos um track record. Porém, tínhamos experiência como empreendedores e nossos investidores enxergaram que isso poderia ser importante para que fossemos bons investidores.

Nesta nova captação, algo mudou em relação à tese?
O que nossos investidores gostam é que temos um foco em consistência. Olhamos para a apresentação que enviamos aos investidores ainda em 2011 e basicamente usamos os mesmos slides para mostrar que continuamos investindo em early stage, que somos agnósticos em relação a setores e que procuramos pelos melhores times na América Latina.

"Historicamente temos disponibilizado metade do nosso capital no Brasil e o resto na América Latina"

Como o Brasil se encaixa nesta tese?
Historicamente temos disponibilizado metade do nosso capital no Brasil e o resto na América Latina. O México já é um forte número dois na região em termos de capital e vamos continuar olhando para oportunidades em diferentes países.

Parte do dinheiro levantado será usado para follow-ons em algumas das investidas. Entre as empresas que estão na carteira da Kaszek estão Alice, QuintoAndar e Kavak. Essas startups podem receber uma nova injeção de capital da gestora?
São empresas que possuem modelos de negócio consistentes e que levantaram capital em 2021 e no começo de 2022. São negócios que ou estão totalmente financiados ou que não vão precisar recorrer ao mercado pelos próximos anos e que agora focam em melhorar a operação em termos de margem e lucratividade para crescer de forma saudável.

Há um culpado pela crise atual no venture capital?
Não acho que podemos apontar dedos. Tivemos um ambiente global de queda na taxa de juros que gerou um excesso de capital que foi direcionado para outros fins, como venture capital. E quando há um excesso de capital, há menos rigor em relação a processos de due dilligence, por exemplo. Foi um misto dos efeitos do cenário macroeconômico, com uma maior abundância de capital, fundos investindo sem estudar devidamente a empresa e as startups gastando o dinheiro de forma irracional.

"Foi (sobre crise do venture capital) um misto dos efeitos do cenário macroeconômico, com uma maior abundância de capital, fundos investindo sem estudar devidamente a empresa e as startups gastando o dinheiro de forma irracional"

Em um cenário de queda de valuations, a Kaszek também reduziu sua expectativa de retorno sobre seus investimentos?
Esse é um tipo de investimento que você tem um retorno no longo prazo. Algumas das startups que perderam valor de mercado entre 2021 e 2022 podem estar valendo mais em 2023, 2024 ou 2025. Os preços podem se ajustar em um horizonte de 10 anos. Em relação ao nosso portfólio, vemos que as empresas estão crescendo de forma rápida e com índices saudáveis. Então, continuamos focando em como essas companhias estão construindo seus negócios e como isso será refletido no médio e longo prazo.

Com IPOs escassos, a Kaszek planeja saídas no curto prazo?
Ao que vimos até agora, o mercado parece fechado e não vemos muitos IPOs para 2023. Talvez isso mude no segundo semestre. Temos várias empresas no portfólio que poderiam abrir capital quando isso acontecer, talvez em 2024 ou 2025.