O bom filho não é aquele que a casa torna, mas aquele que à casa transforma sem nunca precisar partir. Marc Benioff, cofundador da Salesforce, sequer precisou deixar sua cidade natal São Francisco para começar uma verdadeira revolução.

Disposto a colecionar desafetos para lutar pelo que acredita, ele nunca foge a uma discussão. E isso passa por pautas progressistas, como maior responsabilidade ambiental, igualdade de gêneros e até a regulamentação das empresas de tecnologia. Aos 55 anos, Benioff é a antítese de um CEO tradicional e não perde uma oportunidade de "fazer política": às vezes com palavras, outras com atitude. 

Na última edição do Dreamforce, evento anual organizado pela Salesforce, do qual o NeoFeed participou, o executivo teve sua fala interrompida por um protesto durante sua apresentação. Logo nos primeiros minutos que esteve com o microfone em mãos, um homem lia, da plateia, uma carta endereçada ao magnata.

Sem alto-falante, o manifestante alegava que o executivo, favorável a questões migratórias, se contradizia ao manter o contrato da Salesforce com o Custom and Border Protection (CBP), órgão anti-imigração americano. 

Enquanto protestava a pleno pulmões, o rapaz recebeu uma proposta tentadora de Benioff. "Vamos concordar em uma coisa: eu vou lhe dar 30 segundos para você dar o seu recado, mas depois você tem que sair, ok?", propôs o empresário.

E assim, uma contagem regressiva começou no telão, enquanto o manifestante lia sem interrupção a carta. Ao final, Marc agradeceu a participação do homem e disse que sua equipe conversaria mais sobre isso nos bastidores.

"Eu defendo a liberdade de pensamento e acho que todos têm de ser ouvidos", disse Benioff à plateia, que retribuiu com uma sonora salva de palmas, explicando sua decisão de dar voz ao manifestante.

Ativismo ativado

Tamanha calma para lidar com essas adversidade é produto de anos sob o holofote envolvido em questões polêmicas. Em 2015, o empresário foi um dos principais aliados de grupos ligados à pauta LGBT que organizaram um boicote ao estado de Indiana.

Na época, o então governador Mike Pence, atual vice-presidente dos EUA, assinou um decreto conhecido como "Religious Freedom Restoration Act", que permitia que empresas locais recusassem a prestar serviços a pessoas gays por questões religiosas. 

Em janeiro de 2018, ele voltou ao centro de uma discussão depois que usou seu espaço no Fórum Econômico Mundial para dizer em alto e bom som que se CEOs não fizerem o suficiente para resgatar a confiança da população, as regulamentações deveriam ser mais duras.

"Todo mundo ficou chocado que o CEO de uma empresa de tecnologia pregasse algo assim, como regras mais rígidas para o setor", declarou Benioff, ao canal de televisão CNBC.

O executivo não recuou em meio à polêmica da regulação das big tech e voltou ao tema no palco do Disrupt SF, evento organizado pelo TechCrunch. Na época, ele disse a célebre frase de que "o Facebook é o novo cigarro", pedindo, novamente, por maior legislação nesta área. 

Em outra ocasião, sem papas na língua, atacou o modo de produção baseado apenas no lucro. “Eu fortemente acredito que o capitalismo, como conhecemos, está morto”, disse ele. “Vamos ver surgir um novo tipo de capitalismo e o que vai emergir não é o capitalismo de Milton Friedman, que é só sobre ganhar dinheiro.”

Em seu mais recente livro, "Trailblazers" ("Pioneiro", em português), Benioff reforça sua opção por ser um CEO fora dos padrões. "Se dar bem, por fazer o bem não é mais uma vantagem competitiva, é um imperativo empresarial", escreveu o fundador da Salesforce. Em outro trecho, acrescenta. "Muitas empresas falam de valores, mas, em tempos de turbulências, quando esses valores realmente importam, os executivos 'se esquecem' de praticá-los." 

Um exemplo de que Benioff é um executivo que não segue a máxima do "faço o que eu digo, mas não faça o que faço" é sua estratégia batizada de 1-1-1 para ajudar causas sociais. Com essa regra, ele destina a projetos beneficentes e filantrópicos 1% das ações da empresa, 1% dos produtos e 1% da hora de trabalho da equipe.

Seguindo esse modelo, a empresa doou, desde sua fundação, em 1999, mais de US$ 240 milhões e 3,5 milhões de horas de serviço comunitário, apoiando cerca de 40 mil ONGs e instituições educacionais.

A Salesforce vale hoje US$ 141 bilhões e Marc Benioff detém "apenas" 4,14% da companhia, o equivalente a US$ 4,33 bilhões. O patrimônio total do americano gira em torno de US$ 6,9 bilhões, segundo estimativa da revista Fortune.

Marc Benioff (dir.) ao lado de Parker Harris, cofundador da Salesforce

Gênesis

De ascendência judaica, Benioff sempre enxergou a vida como uma sucessão de estratégias. No colegial, pediu permissão aos pais para trabalhar depois do período escolar. Com o objetivo de comprar um computador, aceitou a posição de faxineiro em uma loja de jóias, de onde foi demitido por limpar o chão com o sabão errado.

Apesar do desligamento, ele conseguiu dinheiro suficiente para comprar o computador. Aos 14 anos, com o equipamento em mãos começou a programar e desenvolveu o software "How to Juggle", vendido para uma revista especializada em computação por US$ 75.

Com 15 anos, ele criou sua primeira empresa, a Liberty Software, responsável por criar e vender jogos para o videogame Atari, como "Flapper", "O Herdeiro do Rei Artur", "Crypt of the Undead" e outros. A aposta deslanchou de tal maneira que, aos 16, ele ganhava US$ 1,5 mil por mês com royalties – o suficiente para cobrir as despesas na Universidade do Sul da Califórnia, (USC, na sigla em inglês).

Enquanto estudava, Benioff foi recrutado como estagiário pela Apple. Ele trabalhou como programador no desenvolvimento do Macintosh, o célebre computador criado por Steve Jobs (1955-2011), que mudou a história da computação por sua interface revolucionária.

Prestes a ter o diploma em mãos, o americano insistia em continuar programando. Mas um de seus professores universitários o aconselhou a enveredar por caminhos voltados à experiência do usuário. Seguindo a orientação, ele aceitou uma posição na empresa de tecnologia Oracle, no departamento de atendimento ao cliente.

Foram 13 anos dedicados à gigante de software, onde atuou em diferentes posições, nas mais variadas áreas, de marketing a vendas. Com 26 anos, ele se tornou a mais nova pessoa a ocupar a posição de vice-presidente da empresa.

Era, por assim dizer, o pupilo de Larry Ellison, o todo-poderoso fundador da Oracle, com quem construiu uma sólida amizade. Nesta época, Benioff se tornou milionário, apenas com o salário e bônus obtidos com seu trabalho junto à empresa.

Apesar do dinheiro, da liberdade e das perspectivas, o empresário sabia que faltava algo. Confessando seu vazio ao amigo e chefe Ellison, foi aconselhado a entrar num período sabático.

Passagem só "de ida"

Para melhor aproveitar o tempo longe das obrigações profissionais, Benioff embarcou rumo ao Havaí. E de lá nunca mais retornou – não o mesmo, pelo menos.

No arquipélago americano, Benioff vivia conectado à natureza. Mas não deixa de lado o pensamento corporativo.  Foi assim que, nadando com golfinhos no Oceano Pacífico, que ele teve o insight que mudaria sua vida.

"Por que continuamos trabalhando com softwares da mesma maneira se agora temos a internet?", questionou-se. A resposta seria justamente a Salesforce, uma das pioneiras no ramo de software como serviço (SaaS, sigla em inglês), numa época em que a computação em nuvem era mais uma tese acadêmica do que uma realidade no mundo dos negócios. 

Quando a Salesforce surgiu, o mercado de SaaS dava seus primeiros passos. Em 2021, ele vai movimentar US$ 113 bilhões, de acordo com a previsão da consultoria Gartner. 

Se o Havaí foi fundamental para Benioff criar a Salesforce, outro país o ajudou a ter uma atitude diferente como CEO. Foi a Índia. Em viagens ao país, ele se encontrou com líderes espirituais de lá, o que lhe sedimentou a necessidade de priorizar a filantropia. Desde então, um de seus lemas é "para se dar bem, é preciso fazer o bem".  

Marc Benioff teve sua apresentação no Dreamforce 2019 interrompida por um manifestante

Menina dos olhos

Com o avanço da computação em nuvem, a Salesforce atraiu os olhares de outras grandes corporações. A Microsoft, que por vezes foi concorrente e por vezes foi parceira, tentou adquirir a empresa em meados de 2015. A oferta de Gates, de US$ 55 bilhões, não despertou grande interesse de Benioff, que pedia US$ 15 bilhões a mais. As tentativas de negociação acabaram ali.

De caça à caçadora, a Salesforce abriu a carteira para fazer algumas aquisições estratégicas, como as recentes MuleSoft, Datorama e a Tableau, comprada em 2019 por US$ 15,7 bilhões. 

A caçula, que estrutura dados complexos em gráficos, foi um dos principais destaques da Dreamforce 2019, ao lado do novo mecanismo de voz da inteligência artificial Einstein. 

Publisher

Fora dos palcos e da Salesforce, Marc Benioff aposta em negócios bastante diferentes – e não exatamente tecnológicos. No segundo semestre de 2018, o magnata, junto a sua esposa Lynne, comprou a revista Time por US$ 190 milhões.

O casal Benioff foi o último a entrar para a lista dos bilionários do ramo de tecnologia a investir em publicações consagradas. Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon, comprou o The Washington Post em 2013 por US$ 250 milhões. No ano passado, Laurene Powell Jobs, viúva do cofundador da Apple Steve Jobs, se tornou acionista majoritária da revista The Atlantic. 

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