O mundo conhece Marilyn Monroe (1926-1962) como a estrela de formas voluptuosas e de voz infantil eternizada pela cena do vestido branco esvoaçante em “O Pecado Mora ao Lado” (1955). Mas quem teria criado a imagem da loira ingênua e burra, transformando-a no símbolo sexual do século 20?

O filme “Blonde” defende a tese de que Marilyn foi um produto de Hollywood, algo que acabou envergonhando a própria atriz ao longo da carreira. Tudo fazia dela um simples objeto erótico, uma imagem que jamais funcionaria na indústria de entretenimento atual, por representar um retrocesso da mulher moderna.

“Marilyn passou pelo moedor de carne da meca do cinema, na época em que o corpo feminino era tratado como mercadoria”, conta o neozelandês Andrew Dominik, o diretor do filme, uma das prováveis atrações do Festival de Cannes, agendado para maio.

Atualmente em pós-produção, o drama estrelado por Ana de Armas chegará este ano ao catálogo da Netflix (ainda sem data definida). Trata-se de uma adaptação do livro homônimo de mais de 700 páginas, publicado em 2000 pela americana Joyce Carol Oates.

Longe de uma biografia tradicional, a obra está mais para ficção, por resgatar fatos e eventos da vida da atriz com o intuito de especular como Marilyn teria sido afetada psicologicamente por tudo o que viveu.

Muito da sua trajetória estará no filme, como a infância passada em lares adotivos e orfanatos, o início da carreira como “pin-up girl’’ (modelos para imagens sensuais), o estouro em Hollywood e a tumultuada vida amorosa.

Tudo foi usado para talvez tentar entender o desfecho trágico da estrela, que morreu de overdose de comprimidos para dormir, em Los Angeles, aos 36 anos, em 5 de agosto de 1962.

“Há ainda muita coisa mal explicada na história da criança mal-amada que acabou se tornando a mulher mais desejada do mundo e, ainda assim, escolheu se matar”, diz Dominik, durante a recém-encerrada 72ª Berlinale.

O cineasta compareceu ao festival de cinema alemão para apresentar o documentário “This Much I Know To Be True”, sobre o músico Nick Cave, fora de competição. E na ocasião, Dominik adiantou para o Neofeed o que o espectador pode esperar de “Blonde”.

“É uma versão extrema da vida de Marilyn”, conta o diretor, acrescentando que o filme receberá uma classificação de proibido para menores de 17 anos nos EUA. Por lá, a produção chegará aos cinemas antes de desembarcar no serviço de streaming.

Segundo ele, o foco cairá no dilema de Marilyn, “sempre dividida entre a imagem pública e sua vida privada”. A estrela será vista moldada pelos executivos dos estúdios de cinema e das agências de atores por onde passou.  Desde os cabelos loiros platinados, sua marca registrada, até cirurgias plásticas, passando pelo guarda-roupa tomado por roupas colantes e reveladoras.

Os traços de personalidade, sugerindo uma mulher artificial, estúpida e "sexualmente liberal" também foram criados para incendiar a imaginação dos homens da época. Ainda que Marilyn tivesse aprovado a persona que Hollywood desenhou especialmente para ela, a estrela teria se arrependido mais tarde.

Até porque a sua galeria de personagens, repleta de dançarinas, modelos e secretárias, sempre muito sensuais, a impedia de ser levada a sério como atriz. Interpretar sempre a moça que precisa de um homem para salvá-la teria sido mais um motivo de depressão para Marilyn.

A estrela ainda lidava com o fato de não poder ter filhos e com vários relacionamentos amorosos falidos. Como os que viveu com o jogador de beisebol Joe DiMaggio e com o dramaturgo Arthur Miller, além do suposto caso com o então presidente dos EUA, John F. Kennedy.

“Toda a vida de Marilyn será repassada como um viés traumático. E, por sorte, não serei acusado de sensacionalismo, já que a sua história ganhou muito mais ressonância nos últimos tempos, sobretudo com o Me Too”, conta Dominik, referindo-se ao movimento feminista que surgiu após as denúncias de assédio e abuso sexual contra o produtor de cinema Harvey Weinstein, feitas a partir de outubro de 2017.

Sem dar mais detalhes, Dominik só conta que a produção inclui cenas em que Marilyn é estuprada. Conforme sugere o livro no qual o filme é inspirado, ela seria uma das atrizes que supostamente sofreu abuso sexual nas mãos de poderosos de Hollywood. Tanto no começo quanto mais para o fim da carreira.

“Há muito sexo no filme, mas não do tipo que deixa as pessoas felizes quando acaba. ‘Blonde’ é uma obra bastante brutal, justamente como dever ter sido a vida de Marilyn”, afirma Dominik.