Um velho provérbio popular, comum em países mediterrâneos, ensina que oliveiras são árvores que se plantam para os netos: como precisam de algumas décadas até atingir a maturidade plena, só as gerações futuras serão capazes de aproveitar seus frutos. Diversos produtores brasileiros de azeite, porém, parecem estar revertendo essa lógica ancestral – e ganhando prêmios com isso.
O exemplo mais recente vem da pequena cidade de Triunfo, no Rio Grande do Sul, onde ficam as plantações que dão origem à linha de azeites Milonga. No final de maio, a 7ª edição do concurso italiano EVO International Olive Oil Contest conferiu o selo de Melhor Azeite do Hemisfério Sul ao Milonga feito com a azeitona arbequina, colhida de oliveiras plantadas há apenas cinco anos.
As árvores nos 50 hectares de plantação começaram a dar os primeiros frutos, ainda timidamente, em 2021. “No ano passado, produzimos em torno de 250 litros de azeite”, conta Christian Vogt, sócio e sommelier da empresa, que também recebeu medalhas de ouro (blend arbequina e coratina) e de prata (koroneiki) por outros dois rótulos na premiação da Itália. “Na safra de 2022, foram 8 mil litros.”
Da mesma maneira que as plantações do Milonga, olivais espalhados pelo Rio Grande do Sul – responsável por 75% da produção nacional – e pela Serra da Mantiqueira, entre os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, vêm surpreendendo com colheitas cada vez maiores e recompensando os fabricantes com azeites de qualidade reconhecidos em diversos concursos internacionais.
“Desde 2010, quando foi lançada a primeira marca comercial brasileira (Oliva do Sul), a categoria já arrebatou mais de 100 prêmios no exterior”, diz Ricardo Castanho, instrutor da ABS (Associação Brasileira de Sommeliers). Só em maio de 2022, Prosperato, Verde Louro e Orfeu levaram medalhas de ouro e prata tanto no Olive Japan quanto no EVO International Olive Oil Contest, que condecorou também marcas como Lagar H, Casa Gabriel Rodrigues, Batalha e Estância das Oliveiras, entre outras.
Um pouco antes, em abril, o Sabiá entrou na lista dos dez melhores do mundo elaborada pelo Evooleum Awards, baseado na Espanha. Foi o único rótulo produzido fora da Europa a conquistar a honraria.
Mesmo que os azeites brasileiros alcancem cada vez mais posições de destaque nos concursos internacionais, porém, eles representam uma parcela ínfima do que é consumido no país. “Somos o segundo maior importador fora da União Europeia”, afirma o pesquisador de olivicultura Emerson Alves, do Rio Grande do Sul. “E a produção nacional não atinge 2% do que é consumido no Brasil.”
De acordo com o programa Pró-Oliva, criado pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural gaúcha para apoiar a evolução do setor, o Brasil importa mais de R$ 1 bilhão ao ano em azeites e azeitonas – em 2020, foram 104.179 toneladas, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
No Rio Grande do Sul, pelo menos, não falta quem esteja disposto a aumentar a parcela dos brasileiros nesse mercado. Um levantamento feito pelo Pró-Oliva em todos os municípios do estado entre o final de 2021 e o primeiro trimestre de 2022 mostrou o crescimento da atividade local: 5.986 hectares de área plantada, 321 olivicultores, 70 marcas e 448,5 mil litros do óleo, num crescimento de 122% em relação ao ano anterior.
O Pró-Oliva também calcula que, nos últimos quinze anos, cerca de R$ 400 milhões tenham sido investidos pela iniciativa privada, no Rio Grande do Sul, com a compra de terras e máquinas, a implantação e manutenção de pomares e a instalação de indústrias de extração de azeite.
“Não queremos competir em volume, e sim em qualidade”, diz Vogt, da Milonga. “Temos conquistado cada vez mais clientes que usam um azeite comum para cozinhar e outro mais especial para saborear, como finalização de pratos.” De volta de Monte di Procida, na Itália, onde recebeu a premiação do EVO International Olive Oil Contest, o empresário e sommelier conversou com o NeoFeed.
Por que decidiram investir em azeites?
Nossa base é uma empresa familiar, a Celebra Alimentos, que trabalha com a criação e o processamento de cordeiros gourmet, numa área de 75 hectares. Eu já tinha visto a olivicultura fora do país e, em 2015, começamos a estudar a viabilidade de empreender também nessa área. A pesquisa mostrou que uma região chamada “depressão central”, onde antes tínhamos gado bovino, era muito vantajosa para a plantação de oliveiras, já que o solo é arenoso e não tem muita pedra. Começamos, então, o processo de calagem, que é o preparo do solo para corrigir seu pH. As primeiras árvores foram plantadas em abril de 2017 e a colheita inicial ocorreu em fevereiro de 2021.
Quais são seus planos para a empresa depois de sair vencedor do concurso italiano?
Entramos em uma rampa de crescimento. Em 2023, um de nossos pomares fará quatro anos e espero ter uma colheita boa. Também estamos construindo um lagar próprio, que começa a funcionar na safra do ano que vem. Mas dependemos, é claro, das condições climáticas, que às vezes podem prejudicar o cultivo. Invernos rigorosos, com estiagem e umidade baixa, são muito bons para a qualidade do azeite.
Como funciona a distribuição dos azeites premiados?
Vendemos os produtos para o consumidor final por meio de nosso site, em kits com os três vencedores. Também já recebi pedidos de empórios e supermercados de todo o país. Aos poucos, estamos fechando grandes parcerias – em São Paulo, por exemplo, a previsão é que nossas garrafas cheguem ainda este mês.
Quais são as principais características e harmonização dos azeites?
O arbequina, que ganhou como o Melhor Azeite do Hemisfério Sul, tem um perfil bem suave, sem muito amargor e picância. Recomendamos que seja servido com pratos mais leves, como saladas. Em nosso blend de arbequina com coratina, que conseguiu medalha de ouro, o amargo sobressai mais. Vai bem com massas, queijos ou risotos. E o koroneiki, medalha de prata, é indicado para grelhados, carnes e até sobremesas, como sorvete.