Em 2012, o gaúcho João Cumerlato ao lado de Carlo Andrey Goncalves deixou a Odebrecht para criar a ConectCar, o primeiro concorrente do Sem Parar, que até então reinava sozinho no mercado de tags para pedágios e estacionamentos do Brasil. Cumerlato foi o primeiro CEO da ConectCar, na época controlada por Odebrecht e grupo Ultra, dona dos Postos Ipiranga.
Cinco anos depois, a dupla fundou a Greenpass, uma fornecedora de tecnologia white label de tags para pedágios que conquistou clientes como C6 Bank, Banco Inter, Sicredi, Sicoob, entre outros. Em 2021, somou mais de 500 mil tags ativas através dessas empresas.
Agora, Cumerlato, que viajou na boleia de caminhão de seu pai dos 14 aos 18 anos e, ao completar a maioridade, trabalhou por um ano como caminhoneiro, está dando mais um passo para aumentar a competição nesse mercado ao vender 51% da Greenpass para a Edenred, a dona da Ticket, em um negócio de R$ 80 milhões no fim de fevereiro.
“A Edenred atua no setor de transporte e mobilidade, é uma empresa global e inovadora, e tem uma base grande de transportadores autônomos e frotas de terceiros”, diz Cumerlato, ao NeoFeed. “Além disso, atua na parte de combustível, com mais de 40 mil postos e oficinas. Há muitas sinergias.”
Em um mercado cheio de peixes grandes, a Greenpass estava sozinha nessa disputa, sem um parceiro de peso. A Sem Parar pertence à americana Fleetcor. A ConectCar tem como sócios o Itaú e a Porto Seguro. E a Veloe nasceu como um braço da Alelo, uma empresa do grupo Elopar, controlada por Banco do Brasil e Bradesco.
Com o acordo, a Greenpass passa a ser parte de um grupo com presença em 46 países, tem 900 mil empresas clientes e conta com 2 milhões de parceiros credenciados globalmente. No Brasil, a Edenred é dona de marcas como Ticket, Ticket Log e Repom.
Em 2021, o grupo francês viu suas receitas operacionais atingirem quase € 1,6 bilhão. A América Latina, que tem entre o Brasil como um dos maiores mercados, respondeu por 28% do total. A área de frota e mobilidade teve uma receita operacional de € 414 milhões e correspondeu a 26% dos negócios do grupo em 2021.
“Vamos acelerar o crescimento da Greenpass”, diz Jean-Urbain Hubau, COO de Frota e Mobilidade da Edenred, ao NeoFeed. “A meta é multiplicar por seis o número de tags nos próximos três anos.”
Sem a Edenred, a Greenpass vislumbrava chegar aos 3 milhões de tags ativas através das empresas para as quais presta serviço em cinco anos. O acordo vai fazer a companhia de Cumerlato, que seguirá independente, “passar pelos pedágios” sem precisar parar (ou com luz verde, para não usar uma metáfora que lembra o concorrente), acelerando sua estratégia em dois anos.
Mas essa é uma estimativa conservadora, na visão de Hubau. Esse número tem potencial de crescer de forma exponencial à medida que o modelo de “free flow”, em que os carros vão pagar por quilômetro rodado sem precisar parar em praças de pedágio, for implantado.
O processo está em vias de regulamentação e deve ter seu primeiro teste na Rodovia Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. O modelo sem praças de pedágio foi incluído na nova concessão e pode entrar em vigor em até 2,5 anos. “Até 2025, o número de veículos com tags vai passar de 8 milhões para algo em torno de 25 milhões a 30 milhões”, diz Hubau.
As tags de pedágio e estacionamento, no entanto, são a ponta do iceberg dessa batalha – embora seja um item que se tornou uma commodity, ela é fundamental. Explica-se: a tecnologia é a porta de entrada para oferecer uma série de outros serviços de mobilidade.
“Esse movimento faz muito sentido em um contexto em que as empresas de serviços relacionados a mobilidade estão adotando de modo crescente uma estratégia de plataforma”, diz Marcus Ayres, sócio da consultoria estratégica alemã Roland Berger. “Como já se viu em outros setores da economia, existe uma vantagem em ter um canal com um cliente e aumentar a oferta de serviços.”
A própria Greenpass já havia entendido que não dava para morrer abraçada às tags. Primeiro, começou a cadastrar estacionamentos. Já são 150. E a meta é chegar a 300 até setembro deste ano.
No meio do ano passado, criou também o MobbyHub, marketplace de serviços de mobilidade que pode ser plugado por qualquer cliente e que vem com serviços de abastecimento (Shell), financiamento de multa e licenciamento (Zapay), serviços de assistência veicular (Tempo Assist) e vários outros, como carro por aplicativo e aluguel de bicicleta.
A Greenpass estava também avançando no mercado de frete ao lançar uma carteira digital white label com foco em caminhoneiros no fim de 2021, que inclui até serviços agregados de saúde, como o Vida Class.
Esse ecossistema vai se plugar agora ao da Edenred. São mais de mais de 30 mil empresas clientes da Ticket Log e mais de 1 milhão de caminhoneiros na Repom. “Isso cria o efeito one-stop-shop e permite mais parcerias que monetizam melhor certas ofertas”, afirma Ayres, da Roland Berger.
Não se trata, no entanto, de uma estratégia inédita. Todos os concorrentes na área de tags estão se movimentando para ir além os pedágios e dos estacionamentos.
A Sem Parar Empresas, por exemplo, conta com um 1 milhão de veículos. A ConectCar tem também um serviço de gestão de frotas e de vale-pedágio aos caminhoneiros. E a Veloe, no início de 2021, incorporou o Alelo Frota.
Caberá a Cumerlato, um ex-caminhoneiro que queria ser engenheiro mecânico e se formou em processamento de dados no fim dos anos 1970, entrar, mais uma vez, em uma competição direta com peixes graúdos do mercado.
Dessa vez, ele terá na “boleia de seu caminhão” o grupo francês Edenred. Sua viagem é levá-lo para muito além dos combustíveis.