O executivo Gustavo Werneck, 47 anos, comanda uma gigante com presença em 10 países, 30 mil funcionários e uma receita líquida que atingiu R$ 43,8 bilhões no ano passado. Mas o CEO da Gerdau, o primeiro a gerir a empresa centenária e a não ser da família que dá nome à companhia, diz que o grupo tem um grande medo. E ele não esconde de ninguém.
“Temos muito medo de desaparecer, tem muita empresa como a nossa, com 120 anos, que fica para trás. E isso gera na gente um sentimento de alerta máximo para estarmos o tempo todo nos reinventando”, diz Werneck em entrevista exclusiva ao NeoFeed.
Não à toa, nos últimos três anos, a companhia passou a avançar em novas áreas que vão além da boa-e-velha produção de vergalhões de aço. Mas isso se intensificou com a criação da Gerdau Next, uma vice-presidência voltada a novos negócios, em julho do ano passado.
Além de investir em 20 startups, ter criado uma companhia de serviços para fundação de construção chamada G2Base e se associado à Tigre e Votorantim na startup Juntos Somos Mais, a Gerdau comprou recentemente uma participação na empresa de construção modular Brasil ao Cubo e passou a atuar fortemente na logística para terceiros com a G2L.
O objetivo é muito claro. “Até 2030, queremos que 20% das receitas da Gerdau venham desses novos negócios”, afirma Werneck. Atualmente, já representam 2% do total do grupo.
Esse caminho começou a ser trilhado pela siderúrgica depois de que a empresa tirou um grande peso das costas. Nos últimos cinco anos, a companhia vendeu operações que não eram tão rentáveis em países como Chile, Índia, Espanha e Estados Unidos. No total, levantou R$ 7,4 bilhões com as vendas e usou boa parte desse dinheiro para pagar dívidas.
Isso ajudou a Gerdau a reduzir a sua alavancagem de 4,2 vezes o Ebitda, há cinco anos, para 0,96 vezes o Ebitda neste primeiro trimestre. “Ficamos com operações com as quais temos margens mais elevadas e onde somos mais relevantes”, diz Werneck. São elas, principalmente, o Brasil, que responde por 40% do faturamento, e os Estados Unidos, com 37%.
Werneck afirma que a empresa não vai mais operar em países da Europa e da Ásia. O foco está 100% nas Américas. “Vamos olhar oportunidades de aquisição de empresas que acrescentem ao nosso portfólio. Vamos continuar olhando M&As. Vamos criar negócios de nicho, com margens elevadas”, diz ele.
Um exemplo de negócio de nicho é a Gerdau Summit, joint-venture criada em 2017 com a japonesa Sumitomo, que produz peças de aço para a indústria eólica. Nesse caso, o processo envolve produção clássica. Mas a companhia está avançando em outros segmentos, entrando na área de serviços – algo inimaginável para uma empresa forjada na arte de forjar aço.
Há dois anos, a companhia criou uma construtech chamada G2Base, que atua na área de fundações de obras. Se antes a Gerdau vendia o aço para ser concretado, agora ela vende o serviço completo, com a fundação já pronta. “O cliente não precisa buscar vários fornecedores para fazer esse serviço, entregamos tudo de uma vez”, diz Werneck.
Outra que saiu do forno foi a G2L, empresa logística do grupo criada há quatro anos, mas que deixou de trabalhar exclusivamente para a companhia e, no ano passado, intensificou o serviço para terceiros. “Atendemos 33 clientes de setores como construção civil, papel e celulose, alimentação e varejo”, diz Werneck.
A explosão do e-commerce fez com que a G2L ganhasse ainda mais relevância na estrutura e, até o fim de 2021, a frota própria da empresa deve atingir 245 caminhões. Mas essa companhia da Gerdau, considerada uma logitech, não trabalha apenas com veículos próprios.
Com uma abrangência de 2,5 mil cidades brasileiras e 23 unidades espalhadas pelo País, ela tem 375 funcionários e quase 40 mil motoristas cadastrados. A Gerdau não revela o faturamento da operação, mas afirma que saltou 398% de 2018 até 2020.
Nem todos os novos negócios, entretanto, são originados internamente. “Entendemos que existem avenidas de crescimento que não precisam vir da gente mesmo”, diz Werneck. A Brasil ao Cubo, empresa especializada em construções modulares, é um exemplo disso. Em outubro do ano passado, a Gerdau comprou 30% da construtora por R$ 60 milhões.
“Ela é uma companhia revolucionária na construção metálica modular offsite”, diz Werneck. Na prática, a construtora pré-monta um edifício na sua planta industrial e depois monta no lugar. “Há dez dias, eles construíram um prédio de oito pavimentos em tempo recorde, foi o primeiro desse modelo na América Latina”, diz o executivo.
Antonio Salvador, ex-Chief Digital Officer do GPA e autor do livro “Transformação Digital”, analisa a virada da Gerdau sob uma ótica que vai além da tecnologia. “Setores como o financeiro, o varejo e a educação estão no olho do furacão, as empresas que atuam nessas áreas têm de mudar rapidamente”, diz Salvador.
No caso da Gerdau, por mais que as transformações no setor sejam mais lentas, a mudança é necessária até para que ela possa competir por talentos. “Nessa área, ela disputa com todo mundo, o Rappi, o Nubank”, afirma Salvador. “E o mais difícil é transformar a cultura. Não dá para ter líderes que não entendam o espírito do tempo.”
Esse foi o grande desafio de Werneck em todo esse processo. Nenhum desses recentes movimentos da companhia teria sido possível se a Gerdau não tivesse feito uma transformação cultural que deixou a empresa mais leve, com menos hierarquia e mais ágil.
“Tinha muita gente para tomar decisão, uma pirâmide grande. Nessa transformação, demos autonomia. Antes, algumas decisões demoravam 15 dias, hoje resolvemos em 15 minutos.” E prossegue. “Sou mais um Chief Enabling Officer do que um Chief Executive Officer.” Isso foi um desafio enorme e nem todos conseguiram.
Nos últimos cinco anos, 40% dos líderes foram trocados. Nenhum executivo, por exemplo, tem carro. “É meritocracia, aquele que entrega mais, ganha mais e compra o carro que ele quiser. A gente acabou com isso de ter frota e dar carro”, diz Werneck. As despesas de vendas gerais e administrativas foram reduzidas em US$ 300 milhões por ano. Nos últimos três anos, a economia foi de US$ 900 milhões.
Essa transformação cultural foi o gatilho para a transformação digital da empresa. Além de focar na indústria 4.0, a companhia estreitou o relacionamento com as startups. Hoje, a empresa atua por meio da aceleradora Ventures Gerdau e tem um escritório no Vale do Silício. Investe em startups envolvidas em melhoria de habitação, produtividade em construção e componentes como o grafeno – uma área que a empresa entrou recentemente.
Não há um valor definido para os cheques que são assinados para as startups investidas. Os investimentos fazem parte do budget anual estipulado pela empresa para todas as áreas. Neste ano, por exemplo, o total é de R$ 3,5 bilhões. Boa parte desse montante será usada nas operações atuais. E, por mais que a Gerdau esteja se reinventando, é no passado que está o seu presente e seu futuro.
“O aço é um produto que não tem substituto no mundo”, diz Werneck. E o executivo aposta num ciclo positivo para a commodity para 2021 e 2022. Os resultados do primeiro trimestre desse ano já mostram isso.
A Gerdau apresentou um lucro líquido recorde de R$ 2,47 bilhões, 1.006% maior do que no mesmo período do ano passado. A receita líquida da companhia chegou a R$ 16,3 bilhões, 77% a mais do que no primeiro trimestre de 2020.
Os resultados acima da curva vêm a reboque de um mercado animado pela recuperação econômica no exterior. E as projeções apontam para tempos de mais rentabilidade na indústria, principalmente por conta de mudanças no mercado chinês.
Enquanto no Brasil a produção de aço atinge 30 milhões de toneladas por ano, a China produz 1 bilhão de toneladas. “É assustador”, diz Werneck. Nos últimos dez anos, isso causou um problema no mercado, sobrou aço no mundo e o preço e a rentabilidade caíram.
Agora, por conta das questões ambientais, a China deverá reduzir sua produção. “A China não quer ser vista como um país que polui. Então está fechando capacidade e mantendo as usinas mais novas que emitem menos gazes que causam o efeito estufa”, diz Werneck. E isso vai ajustar os preços.
Além disso, o novo pacote de infraestrutura anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, vai adicionar um consumo de 5 milhões de toneladas de aço no mercado americano. Isso vai ajudar a manter a rentabilidade em alta.
“Com a expectativa de recuperação da economia americana/pacotes de estímulos e recuperação da economia interna, esperamos aumento de demanda e de resultados para os próximos trimestres”, dizem em relatório os analistas Fernando Bresciani e Pedro Galdi, da Mirae Asset.
“Continuamos otimistas com o setor de commodities. Mantemos a recomendação de compra para a GGBR4, com preço alvo de R$ 38,00”, afirmaram. Na quarta-feira, 12 de maio, seus papéis fecharam cotados a R$ 36,65 e seu valor de mercado era de R$ 58,7 bilhões.