Em 10 de março de 2019, um segundo acidente, em um espaço de cinco meses, envolvendo 737 MAX mergulhou a Boeing na maior crise de sua história. Com o saldo trágico de 346 mortes, todos os voos com o modelo foram suspensos ao redor do mundo, afetando as operações e resultados de muitas companhias aéreas.
Passados exatos 12 meses, os 737 MAX permanecem em solo. E as empresas do setor vivem uma nova crise. Desta vez, com origem em fatores que fogem ao controle da indústria de aviação. E com um potencial ainda maior de impactar os seus negócios.
O tamanho do desafio à frente foi traduzido nas perdas recentes registradas por essas companhias. Dados da consultoria Economatica mostram que, de 21 de fevereiro a 12 de março, um grupo com 19 das principais empresas aéreas do mundo perderam, juntas, US$ 101,6 bilhões em valor de mercado.
O levantamento compreende companhias dos Estados Unidos, da América Latina e outras empresas globais com American Depositary Receipts (ADRs) negociadas no mercado americano. Entre outros nomes, a relação inclui as brasileiras Gol e Azul, além de Latam e das americanas Delta Airlines, American Airlines e United Airlines.
O estopim para essa derrocada teve início com o avanço do coronavírus fora da China, há três semanas. E, assim como em 2019, o mês de março trouxe novamente más notícias que agravam um cenário já conturbado.
Na segunda-feira 9, as bolsas de valores em todo o mundo despencaram na esteira da queda abrupta dos preços do petróleo. Dois dias depois, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o coronavírus como pandemia. Na mesma noite, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a suspensão dos voos da Europa para os Estados Unidos pelos próximos 30 dias.
O levantamento inclui companhias dos Estados Unidos, da América Latina e outras empresas globais com ADRs negociadas no mercado americano
Essa sequência de acontecimentos só reforçou um contexto marcado pela combinação de pânico entre os viajantes, restrições por parte de governos e cancelamentos de voos em todo o mundo. Com o componente adicional da alta do dólar, cuja cotação chegou a ultrapassar R$ 5, as companhias aéreas brasileiras sentiram fortemente o baque e lideraram as perdas na B3.
A Gol encerrou o pregão de ontem, dia 12, com uma desvalorização de 36,29%. A empresa perdeu cerca de R$ 2 bilhões em valor de mercado e fechou o dia avaliada em R$ 3,5 bilhões.
A ação da Azul, por sua vez, recuou 32,89%. A companhia foi avaliada em R$ 6,9 bilhões, o que significou uma retração de pouco mais de R$ 3 bilhões.
Desde o início da crise, em 21 de fevereiro, até a última quinta-feira, os papéis de Gol e Azul acumulam perdas de 54% e 46%, respectivamente.
Ajustes
No pregão desta sexta-feira 13, as ações das duas empresas recuperam parte do prejuízo. Mas diante da falta de perspectivas de um retrocesso do vírus no curto prazo, as incertezas seguem rondando os papéis e as operações da dupla.
Em teleconferência com analistas realizada ontem, os executivos da Azul tentaram acalmar os ânimos do mercado. “Nós temos um balanço sólido e uma posição de caixa confortável”, afirmou David Neeleman, fundador e presidente do Conselho de Administração da Azul, em uma referência a indicadores como um caixa de R$ 1,6 bilhão da companhia.
Diante do contexto turbulento, a empresa anunciou, no entanto, algumas medidas. Entre elas, a redução de sua capacidade internacional em até 30% em relação ao plano original previsto para 2020; a renegociação de pagamentos com fornecedores; e a suspensão de suas projeções para o ano.
Em comunicado divulgado ontem, a Gol, por sua vez, afirmou não há recomendação para evitar os destinos operados pela companhia no Brasil, nos Estados Unidos e nos países da América do Sul e América Central. E ressaltou que sua programação de voos “passará por ajustes que visam garantir o equilíbrio entre o novo cenário de demanda e a qualidade e amplitude” de sua malha aérea.
No mesmo dia, a Latam seguiu um roteiro semelhante ao da Azul, ao anunciar a redução de até 30% em seus voos internacionais, entre o início de abril e o fim de maio. “Manteremos flexibilidade para tomar medidas adicionais caso seja necessário, devido à velocidade com que os eventos estão acontecendo”, afirmou, em comunicado, Roberto Alvo, vice-presidente comercial da empresa, que também suspendeu suas projeções para o ano.
Depois da tempestade
Mais que os efeitos do momento, o que mais preocupa o mercado é o impacto que essa situação terá no médio e longo prazos. Em sua estimativa mais recente, realizada em 5 de março, a International Air Transport Association (Iata) projetava perdas globais de até US$ 113 bilhões para as companhias aéreas em 2020.
“Os governos precisam reconhecer que as companhias aéreas estão sob extrema pressão financeira e operacional. Elas precisam de apoio”, disse Alexandre de Juniac, diretor-geral e CEO da Iata, em nota divulgada ontem pela associação.
A International Air Transport Association (Iata) projetava perdas globais de até US$ 113 bilhões para as companhias aéreas em 2020
A opinião é compartilhada por fontes consultadas pelo NeoFeed. Para Francisco Lyra, sócio da consultoria C-Fly, o governo brasileiro deveria rever com urgência a lei do Fundo Nacional de Aviação Civil, que não contempla o resgate de companhias aéreas.
“Pode ser que o coronavírus não mate as empresas do setor”, diz Lyra. “Mas a espiral que elas podem entrar depois desse cenário, por conta de endividamento, é uma ameaça para o futuro dessas operações.”
Sócio da consultoria Terrafirma, David Goldberg, observa que é preciso pensar em incentivos que preservem, no limite possível, a operação dessas empresas. “Reduzir a capacidade é muito fácil e rápido”, diz. “Mas retomá-la é um processo muito mais lento e complexo.”
Um primeiro sinal nessa direção foi dado pelo ministro da infraestrutura, Tarcísio Freitas, que afirmou que o governo irá adotar medidas para ajudar as companhias do setor. Entre as possíveis iniciativas estão a desoneração da folha de pagamentos e a isenção de impostos.
Para concretizar um eventual plano será preciso, no entanto, convencer o ministro da economia Paulo Guedes que, a princípio, é contrário à adoção de incentivos fiscais para as empresas.
A Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) anunciou também que vai abonar o cancelamento dos horários de pouso e decolagem (slots) até o fim de outubro. A medida seguiu decisões semelhantes de outras agências e órgãos no mundo, como a Comissão Europeia e a Federal Aviation Administration (FAA), dos Estados Unidos.
No mercado americano, algumas companhias vinham operando “voos fantasma” na última semana apenas para cumprirem os requisitos mínimos e não perderem o direito de uso de slots nos aeroportos do país.
Na América do Sul, Argentina e Peru também deram sequência a medidas tomadas em outros mercados. Ontem, os dois países suspenderam a chegada de voos da Europa, Estados Unidos, Ásia e de outras regiões afetadas pelo vírus.
Na América do Sul, Argentina e Peru anunciaram nesta semana a suspensão da chegada de voos internacionais
Se as aéreas brasileiras começam a sentir os reflexos da crise, seus pares no exterior já estão testemunhando o impacto desse cenário há mais tempo. Nesta semana, a franco-holandesa Air France KLM divulgou seus dados de tráfego relativos a fevereiro.
No período, a taxa de ocupação caiu quase três pontos percentuais. Já o tráfego geral teve queda de 1,4%, especialmente por conta do recuo de 24,7% na Ásia. Nos voos de curta e média distância, a redução do tráfego foi de quase dois pontos percentuais, em uma sinalização dos primeiros casos registrados na Europa, no fim daquele mês.
Já a americana Delta Airlines anunciou no início da semana que irá reduzir sua capacidade internacional em até 25%, e os voos domésticos, em até 15%. A companhia também divulgou medidas para reduzir custos, como o congelamento de contratações, licenças voluntárias e as suspensões de um investimento de US$ 500 milhões e de um programa de recompra de ações.
A American Airlines, por sua vez, informou ontem que vai reduzir seus voos internacionais em 34% até meados de 2020. A iniciativa inclui o ajuste da capacidade na América do Sul, com a suspensão de voos para São Paulo, Buenos Aires e Santiago.
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