No começo de novembro, o fundador do site de comércio eletrônico chinês Alibaba, Jack Ma, dono de uma fortuna estimada em US$ 51 bilhões, caminhava para um momento de glória.
A Ant Group, fintech da qual o Alibaba detém uma fatia de 33%, estava perto de fazer uma dupla listagem nas bolsas de valores de Xangai e Hong Kong. A captação, estimada em mais de US$ 34 bilhões, era considerada a maior abertura de capital da história.
Além disso, a Ant Group chegaria a bolsa de valores valendo mais de US$ 300 bilhões, um valor próximo ao da tradicional bandeira de cartões de créditos Mastercard.
Mas tudo deu errado por conta da fúria de Xi Jinping e das exigências impostas pelo regular chinês, que deve apertar o cerco às fintechs. O IPO não saiu e Jack Ma e suas empresas estão mergulhadas em um inferno astral.
Desde 27 de outubro, o Alibaba acumula uma queda no valor de suas ações de 20%, que foi acelerada pelo fracasso do IPO da Ant Group. Nem mesmo as vendas recordes de US$ 76 bilhões no Dia dos Solteiros, principal data do comércio eletrônico chinês, animou os investidores.
Para piorar, a Ant Group enfrenta agora uma série de desafios. Especialistas acreditam que a fintech de Jack Ma, que era avaliada em US$ 150 bilhões por investidores privados, deve valer menos do que esse montante agora.
A empresa já atraiu US$ 22 bilhões de investidores privados em quatro aportes. O último deles, em meados de 2018, foi liderado pela Temasek e pelo Fundo Soberano de Cingapura.
A queda de valor está relacionada a uma mudança proposta pelos controladores, que passam a exigir que as fintechs se comportem mais como bancos e menos como empresas de tecnologia.
Um exemplo dessas alterações tem a ver com o modelo de empréstimo praticado pela Ant Group. Segundo a empresa, cerca de 98% do crédito gerado em sua plataforma até o fim de junho deste ano era proveniente de instituições parceiras.
Mas as autoridades chinesas devem impor um modelo conjunto, em que a fintech tenha que financiar pelo menos 30% do total emprestado. Com isso, a Ant Group precisaria de mais capital para fazer seus microempréstimos pela plataforma. Hoje, ela apenas faz a intermediação.
Para Andrew Collier, managing director da agência de consultoria Oriental Capital Research, novas regulamentações podem até ser positivas, mas a postura mais dura das autoridades chinesas foi um desastre para a Ant Group.
“Os bancos centrais unem uma relação de amor e ódio para com as fintechs e o que aconteceu com o Ant Group seria uma combinação de autoridades furiosas com Jack Ma com a desaprovação de grandes bancos em ceder sua parcela de mercado para uma novata”, disse Collier, em entrevista ao canal americano CNBC.
Em uma reunião realizada em Xangai, em 24 de outubro, Ma teria afirmado "que o sistema regulatório chinês estava sufocando a inovação e deve ser reformado para fomentar o crescimento”
Collier se refere a um ataque feito por Ma a bancos e autoridades reguladoras chinesas antes do IPO da Ant Group. Em uma reunião realizada em Xangai, em 24 de outubro, Ma teria afirmado "que o sistema regulatório chinês estava sufocando a inovação e deve ser reformado para fomentar o crescimento”.
O fundador do Alibaba disse ainda que os bancos chineses operavam com uma mentalidade de “casa de penhores”. A fala de Ma deixou furiosos funcionários que atuam em agências reguladoras chinesas – muitos atribuem a suspensão do IPO da Ant a essas críticas.
A Ant corre, agora, para estancar o prejuízo – ao menos dos investidores pessoas físicas que iriam investir na abertura de capital da fintech. Cinco fundos chineses levantaram pelo menos US$ 9 bilhões com 10 milhões de pequenos investidores, atraídos exclusivamente pela oportunidade de participar do IPO. Sem essa possibilidade, os investidores se disseram frustrados e exigiram seu dinheiro de volta.
Esses fundos tiveram que mudar suas políticas para permitir aos clientes sacarem seus investimentos. A decisão aconteceu depois que muitas pessoas usaram as redes sociais para pressionar os fundos, o que fez as autoridades chinesas intervirem e obrigarem a devolução.
Para o investidor Mark Mobius, fundador do Mobius Capital Partners, essa "turbulência" não é uma situação pontual, mas um "sinal dos tempos". O investidor disse a CNBC que o governo da China está acordado para a realidade e que não pode deixar uma empresa dominar um setor.
Nesta semana, a China divulgou um novo projeto de regras antimonopólio para suas plataformas online, sinalizando um maior apetite para controlar empresas de tecnologia com posição dominante, como é o caso do Alibaba de Ma.
A Administração Estatal da China para Regulamentação de Mercado informou, em 10 de novembro, que buscará feedback sobre as regras que cobrem uma série de práticas antimonopolistas potenciais nas plataformas digitais do país, incluindo a oferta de preços diferentes para consumidores diferentes para o mesmo produto.
Nos Estados Unidos, regulamentações semelhantes também são discutidas. Grandes empresas de tecnologia, como Google, Facebook, Apple e Amazon, passaram por audiências para apurar suspeitas de monopólio e comportamento antitruste. O Federal Trade Commission, órgão responsável pela apuração, já estaria se movimentando para acionar a rede social de Mark Zuckerberg judicialmente por casos antitruste.
Enquanto os processos não chegam aos tribunais, as discussões sobre "quebrar ou não" as big techs ganham força. De um lado, há quem defenda o fim dos grandes conglomerados do Vale do Silício, o que faria que o Facebook, por exemplo, abrisse mão do WhatsApp e do Instagram para que essas voltassem a ser iniciativas independentes.
No campo das fintechs, o debate mais acalorado hoje é sobre a autorização ou não da proposta de aquisição da empresa de pagamento Plaid pela Visa. O Departamento de Justiça americano diz em seu processo que a transação de US$ 5,3 bilhões constitui um monopólio.
Jack Ma, até pouco tempo, parecia intocável na China. Mas desde o fracasso IPO da Ant Group, a maré parece ter virado contra ele.
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